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CAPÍTULO III – REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO SEMIÓTICA, CAMPOS CONCEITUAIS E

3.2 PARA ENTENDER COMO FUNCIONAM AS REPRESENTAÇÕES SEMIÓTICAS

3.2.3 Sobre a Referência e o Sentido de uma Representação Semiótica

Como vimos, o signo (símbolo, significante) tem a função de estar no lugar de um objeto (referente) para o sujeito que fará a interpretação, no processo da semiose, ou seja, cria na mente do sujeito o conceito que está referindo-se ao objeto. Como está no lugar, o signo não é o objeto, e este nunca está completamente representado naquele, apenas de um certo modo. “[...] aquilo que está representado no signo não corresponde ao todo do objeto, mas apenas a uma parte ou aspecto dele. Sempre sobram outras partes ou aspectos que o signo não pode preencher completamente” (SANTAELLA, 2000, p. 34).

Sendo assim, signos diferentes de um mesmo objeto podem revelar aspectos diferentes dele. Por exemplo, um desenho de uma escola, uma figura de uma escola, um filme de uma escola, a fotografia de uma escola, a maquete de uma escola, a planta baixa de uma escola, são todos signos do objeto escola. Não são a escola e nem mesmo a idéia geral que temos de escola. Apenas representam a escola, cada um deles de uma certa maneira, dependendo da natureza do signo escolhido para a representação. Para alguns poderia suscitar o sentido de “lugar de trabalho”, para outros “lugar para brincar”, “lugar para aprender”, “lugar onde se encontram crianças”.

No domínio da Matemática, também é possível encontrar numerosos exemplos que elucidam essa idéia, signos diferentes evocando aspectos diversos de um mesmo objeto matemático ou, em outros termos, sentidos diferentes. Por exemplo, nas representações de uma mesma parábola: (a) = 2 4 +3;

x x y (b) 2 ) 2 ( 1= − + x

y ; (c) y=(x−3)(x−1) e (d) esboço da parábola no plano cartesiano, Moretti (2002, p. 347) coloca o seguinte:

Cada uma dessas representações possui, em sua integralidade, as mesmas informações do objeto matemático referido. No entanto, do ponto de vista cognitivo, um certo tipo de informação sobressai mais em uma do que em outra forma: em (c) vemos com clareza as raízes; em (b), as coordenadas do vértice da parábola; em (d), uma representação em um sistema semiótico diferente dos anteriores e que em muitas vezes é bastante adequado à interpretação, se for o caso, do fenômeno representado. Nesta mesma forma, no entanto, não temos com precisão, por exemplo, o valor de

) 2 (

y e devemos recorrer as outras formas para obtê-lo.

Frege (1978) foi o primeiro a elucidar a questão da diferença entre sentido e referência de um objeto, contribuindo sobremaneira para a análise do conhecimento nos aspectos epistemológicos e cognitivos. Principalmente no que se refere à natureza semântica da referência, do sentido de uma dada representação e do objeto como invariante de referência de muitas representações.

Frege admite que duas ou mais representações distintas podem fazer referência ao mesmo objeto, o que não ocorre com o sentido atribuído a essas representações: “[...] a referência e o sentido de um sinal devem ser distinguidos da representação associada a este sinal” (FREGE, 1978, p. 64).

Então, é preciso esclarecermos essa distinção entre sentido e referência de uma representação semiótica, distinção essa que pode fornecer uma forma estreita e necessária de unir os signos aos objetos no processo do conhecimento.

É, pois plausível pensar que exista, unido a um sinal (nome, combinação de palavras, letra) – poderíamos dizer representação -, além daquilo por ele designado, que pode ser chamado de sua referência, ainda o que eu gostaria de chamar de o sentido do sinal, onde está contido o modo de apresentação do objeto (FREGE, 1978, p. 62, observação e grifos nossos). Notemos que, para Frege, o signo também não pode ser entendido isoladamente, mas sim em estreita relação com sua referência e com o seu sentido.

Certamente ‘24’ e ‘4.4’ têm a mesma referência, isto é, são nomes próprios do mesmo número, mas não têm o mesmo sentido. Daí terem ‘24=42’ e ‘4.4=42’, na verdade, a mesma referência, mas não o mesmo sentido, isto é,

neste caso, não contêm o mesmo pensamento. (FREGE, 1978, p. 44) Assim, as representações podem ter em comum a referência, mas não o sentido.

Para Frege (1978, p. 36), a referência é o “conteúdo” da representação: [...] uma mera expressão, a forma de um conteúdo, não pode ser a essência da coisa, mas só o pode ser o próprio conteúdo. Mas qual é o conteúdo, a referência de “2.23+2”? a mesma que a de “18” ou de “3.6”. A igualdade de

2.23+2=18 exprime que a referência da seqüência de sinais à direita do sinal de igualdade é a mesma que a referência da seqüência de sinais à

esquerda. Devo aqui me opor à opinião de que, por exemplo, 2+5 e 3+4 são iguais, mas não o mesmo.

Aqui, as representações 2.23 + 2 e 3.6 fazem referência ao mesmo objeto matemático – o numeral 18. Ou seja, para Frege, a referência para uma dada representação é o conteúdo veiculado por ela, em última instância, o objeto. Este, por sua vez pode tomar a forma de um pensamento, um objeto sensorialmente perceptível, um nome próprio ou mesmo um valor de verdade, como é o caso do exemplo citado.

Em respeito a isso, Frege (1978, p. 65) afirma que:

A referência de um nome próprio é o próprio objeto que por seu intermédio designamos; a representação que dele temos é inteiramente subjetiva; entre uma e outra está o sentido que, na verdade, não é tão subjetivo quanto a representação, mas que também não é o próprio objeto. [...] Comparo a própria lua à referência; ela é o objeto da observação, proporcionado pela imagem real projetada pela lente no interior do telescópio, e pela imagem retiniana do observador. A primeira, comparo-a ao sentido, a segunda, à representação ou intuição.

No exemplo citado sobre a lua, entendemos que a referência é relacionada a um objeto perceptível – a lua. Parece-nos, então, que Frege assume o próprio objeto como sendo a referência na representação. No entanto, quando analisamos a estrutura tríade em relação ao funcionamento dos três elementos constitutivos do signo – símbolo (signo ou significante), referência (interpretante, conceito) e referente (objeto) – no processo da semiose, temos que a referência não pode ser o objeto, mas sim uma relação que diz respeito a ele, que o explica, que o conceitua.

Então, a ligação entre as representações (signos) e os objetos ocorre por meio da referência. A referência da representação semiótica pode ser considerada então como a idéia, a explicação ou o conceito que faz entender, surgir e apreender o objeto.

Por outro lado, o sentido da representação semiótica de um objeto relaciona- se com o conjunto de aspectos revelados pelos signos utilizados, ou ainda, como apontam Godino, Batanero e Font (2006), pode ser entendido como um significado parcial dos objetos. Em outras palavras, o sentido de uma representação pode ser considerado como a possibilidade de interpretação produzida e inerente ao uso deste ou daquele signo num determinado contexto.

A necessária distinção entre sentido e referência se mostrou especialmente importante para o ensino da matemática, uma vez que “[...] induziu a separar com clareza a significação, que depende do registro de descrição escolhido, da referência que depende dos objetos expressos ou representados” (DUVAL, 1988, p. 7).

O exemplo a seguir, mostra como essa distinção tem lugar:

[...] ,

(

1 1

)

, 4 2

4

+ , são formas escritas que designam um mesmo número,

expressões que fazem referência a um mesmo objeto e que não possuem a mesma significação uma vez que não são reveladoras do mesmo domínio de descrição ou do mesmo ponto de vista: a primeira exprime o número em função de propriedades de divisibilidade e razão, a segunda em função da recorrência à unidade [...]. Simples mudanças na escrita permitem exibir propriedades diferentes do mesmo objeto, mas mantendo a mesma referência (DUVAL, 1988, p.8).

Percebemos, assim, que o sentido de uma representação relaciona-se diretamente ao modo como essa representação é apresentada, ou seja, com o registro de representação semiótico escolhido.

Nesses termos, seriam os sentidos diferentes revelados pelo uso de representações distintas que forneceriam a possibilidade de tratamentos diferenciados aos objetos do conhecimento. Enfim, o fato de haver diferentes representações semióticas para denotar o mesmo objeto matemático, logo tratamentos diferenciados, implica em um custo cognitivo diferente. Isso porque demanda um esforço cognitivo por parte do sujeito para reconhecer esse mesmo objeto em suas distintas representações e distintos sentidos, levando ao progresso do conhecimento e também à aprendizagem.

A preocupação sobre a natureza dos objetos matemáticos e do papel dos signos na representação desses objetos, ou seja, da funcionalidade das representações semióticas no conhecimento matemático, leva diretamente à questão sobre o significado dos objetos.