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Procedimentos de Pesquisa: trilhando o percurso da pesquisa

5.1 Pesquisa Qualitativa na abordagem fenomenológica: explicitando nossa escolha Antes de nos demorarmos sobre o percurso trilhado nesta pesquisa, um dos objetivos

5.1.1 Sobre a atitude Fenomenológica

Neste item buscamos explicitar, mesmo que sucintamente,a postura assumida por nós nesta pesquisa, ou seja, apresentar as ideias essenciais que dão sustentação para assumirmos tal postura enquanto pesquisadores e enquanto metodologia para a pesquisa.

De acordo com Tourinho (2011, p.26), Husserl pretende, com a fenomenologia, lançar a proposta de uma nova atitude e um novo método. A atitude fenomenológica, de acordo com esse autor “consiste em uma atitude reflexiva e analitica, a partir da qual se busca fundamentalmente elucidar, determinar e distinguir o sentido íntimo das coisas, as coisas em sua ‘doação originária’, tal como se mostra à consciência”. O método fenomenológico, para Husserl, será “um método de evidenciação plena dos fenômenos. [...] será [...] o método especificamente filosófico, cuja estratégia maior consiste, para o alcance de um grau máximo

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“A Fenomenologia surge como uma Filosofia interessada em estudar os procedimentos conscientes, dependentes de objetivos universais, tais como aqueles existentes na Matemática e na Lógica. Inicia-se com a tentativa de descobrir um modo verdadeiramente filosófico de estudar a consciência que era redutível à Psicologia. Mas, logo que se inicia a elaboração de uma Filosofia da consciência, fenomenólogos como Husserl e Merleau-Ponty chegaram à constatação de que havia nessa Fenomenologia, essencialmente filosófica, grandes possibilidades para práticas nas Ciências Humanas, especificamente na Psicologia” (MARTINS; BICUDO, 1989, p. 91). O Matemático Edmund Husserl é considerado o “criador” da Fenomenologia. Ele nasceu em 8 de abril de 1859 e morreu em 27 de abril de 1938. (BICUDO, 2011).

de evidência, no exercício da suspensão de juízos em relação à posição de existência das coisas” (TOURINHO, 2011, p. 26).

Tendo isso exposto, cabe perguntar: Por que trabalhar com Fenomenologia em uma investigação em Educação Matemática? Buscamos responder essa pergunta com as citações de Bicudo, descritas no item anterior, e de Tourinho, ou seja, entendemos que por a Fenomenologia partir do real vivido em busca de compreensões, sentidos e significados e por consistir em uma atitude reflexiva e analitica, buscando as coisas como estas se apresentam à consciência, ela se mostra apropriada para a Educação e para esta modalidade de investigação. Além disso, enquanto metodologia ela se mostra apropriada, pois se fundamenta em procedimentos rigorosos de pesquisa, mostrando de que maneira tomar, em nosso caso, a formação de professores de Matemática dos anos iniciais “como fenômeno e chegar aos seus invariantes para que as interpretações possam ser construídas, esclarecendo o investigado e abrindo possibilidades de intervenção [...]” (BICUDO, 1999, p. 12).

De acordo com Bicudo (2011), na concepção fenomenológica de realidade e conhecimento é tomado o par fenômeno/percebido, diferenciando-se dos modos de pesquisa que tomam o par objeto/observado34. Nessa postura, em linhas gerais, é exigido que a descrição do fenômeno e o que expressa sejam analisados e interpretados; outro ponto forte, ao assumirmos essa concepção, é o de não admitir-se de antemão um quadro de categorias pré-definidas de como analisar o descrito, mas manter o rigor do olhar e do modo de proceder, não ficando presos em achismos. No caminhar da análise e interpretação busca-se por articulações que indicam convergências/divergências do fenômeno investigado, as quais expressam as compreensões que vão se abrindo. Conforme Bicudo (2011, p. 20 grifo da autora) nos alerta, não “se obtém verdades lógicas sobre o investigado, mas indicações de seus modos de ser e de se mostrar. Obtêm-se generalidades expressas pelas convergências articuladas”.

Muitas ideias foram indicadas, no parágrafo anterior, sobre a atitude fenomenológica. Tais ideias são melhor explicitadas, a seguir, no intuito de deixar claras as escolhas metodológicas feitas durante esta investigação; tais escolhas, traduzidas em procedimentos de pesquisa, serão evidenciadas ainda neste capítulo.

Nas palavras de Heidegger (2005, p. 65), Fenomenologia diz, então: “deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra, tal como se mostra a partir de si mesmo”. Ou seja, aqui fica evidenciada uma das ideias fundamentais da fenomenologia: o ir-à-coisa-mesma. O

que isso significa? Diz do movimento de ir a própria coisa e “não a conceitos ou ideias que tratam da coisa” (BICUDO, 2000, p.74). É o movimento de olhar atentamente para o fenômeno; em outras palavras, ir-à-coisa-mesma é entendida, “não como o objeto concreto fenomenal que está-aí-diante-dos-olhos, mas como a maneira de esse fenomenal se dar à experiência do ver do inquiridor” (MARTINS; BICUDO, 2006, p.16).

No parágrafo anterior foi dito sobre aquilo que se mostra, mas o que se mostra? O fenômeno. Fenômeno é o que emerge de nossas perplexidades quando, de modo atento, nos colocamos a olhar intencionalmente o mundo, ou seja, “diz do que se mostra na intuição ou percepção” (BICUDO, 2011, p. 29). Assim, fenômeno é o que se mostra, o que se dá a conhecer para um sujeito individualmente contextualizado que percebe, de modo atento, ao se direcionar para aquilo que se mostra em seus modos de se dar a ver “no próprio solo em que se destaca como figura de um fundo” (BICUDO, 2011, p. 30)35. Heidegger se refere ao fenômeno como

Justo o que não se mostra diretamente e na maioria das vezes e sim se mantém velado frente ao que se mostra diretamente e na maioria das vezes, mas, ao mesmo tempo, pertencente essencialmente ao que se mostra diretamente e na maioria das vezes a ponto de constituir o seu sentido e fundamento. (HEIDEGGER, 1999, p.66, grifo do autor).

A explicação de fenômeno sempre nos deixou pensativa: o que se mostra, o que se doa... No entanto é importante esclarecer, assim como foi importante para nossa compreensão sobre fenômeno, que o fenômeno não decide por si só como e o que irá mostrar àquele que o interroga. De acordo com Bicudo (2011, p. 22), a atenção está voltada para os modos de o fenômeno, aquilo que interrogamos, “estar no mundo contextualizado em fisicalidades específicas que têm a ver com matéria-forma e que não se aprisiona ao como se mostra em certo momento, pois também está em movimento [...]”

Assim, a Fenomenologia assume o fenômeno nas diferentes formas que ele se manifesta, em sua totalidade. Como já dito, ela não traz previamente teorias que se encaixem para explicar o observado. Ela é como uma postura assumida pelo pesquisador, o qual busca ir-à-coisa-mesma do fenômeno que intenciona desvelar.

A Fenomenologia é encarada como um método rigoroso de se fazer pesquisas. Assim sendo, como ir-às-coisas-mesmas do fenômeno focado? Primeiramente, a Fenomenologia parte do real-vivido, ou seja, daquilo que nos é dado em nossas experiências vividas no

35 Por o fenômeno e o sujeito serem sempre situados em um contexto, a Fenomenologia também é chamada de

mundo-vida36. E ao intencionar o fenomenal, já o vemos como fenômeno, ou seja, já está enlaçado pela percepção.

De acordo com Husserl, Bicudo explicita que “perceber uma coisa é vê-la, tocá-la, cheirá-la, ouvi-la, enfim, senti-la de diferentes maneiras” (BICUDO, 2000, p.31). Entende-se percepção como experiência vivida pelo corpo-encarnado, e, nesse movimento, o mundo passa a fazer sentido para quem o olha, sentido que se expressa pela linguagem. Percepção é o ato em que se dá o encontro ver/visto, ou seja, o encontro entre o sujeito que vê e o fenômeno que se mostra. Para Husserl,

A percepção é, para falar psicologicamente, o vivido que temos quando, por exemplo, vemos uma árvore, ‘porque sob nossos olhos tem-se uma árvore’ com os lados aparentemente determinados. Não são sensações que vemos, não é sobre estas que nossa atenção, nossa crença perceptiva, nossas objetivações aperceptivas são dirigidas. E, portanto, são conscientes (HUSSERL, 1998, p. 285 apud BICUDO, 2011, p. 31-32)

Temos, ainda, de dizer sobre o rigor posto anteriormente. Rigor, de acordo com o dicionário da língua portuguesa, diz sobre rigidez, dureza, inflexibilidade; exatidão extremada; retidão, precisão. No entanto, para Bicudo (2005) proceder de modo rigoroso em uma investigação é manter-se com cuidado no processo de busca pelo interrogado. Nas palavras da autora,

Rigor exprime o cuidado que se tem ao proceder na busca pelo interrogado ou pela solução do problema proposto. Esse não é um cuidado subjetivo, carregado de aspectos emocionais. Mas é um cuidado que busca a atenção constante do pesquisador para proceder de modo lúcido, analisando os passos que dá em sua trajetória, conseguindo clareza dos seus “por quês” e “como”, o que significa, dos fundamentos de seu modo de investigar e da visão de que modalidade de conhecimento sobre o indagado está construindo, ao proceder do modo pelo qual está caminhando sua investigação.Rigor pode carregar consigo critérios diferentes, mas sempre há critérios passíveis de serem expostos e justificados no contexto da tradição do pensar científico/filosófico, artístico. Esses critérios, por sua vez, não estão circunscritos à esfera epistemológica e metodológica apenas, mas carreiam visões de mundo e de realidade, portanto, concepções de conhecimento e de verdade (BICUDO, 2005, p. 11, grifo da autora).

Dissemos, várias vezes, que o fenômeno é enlaçado pelo olhar daquele que intencionalmente o olha. Assim, cabe ressaltar que, para os fenomenólogos, a questão chave do pensar fenomenológico é a intencionalidade. Intencionalidade é característica peculiar da consciência, é a essência da consciência. Significa tender em uma direção, estar atento, afirmar com força. Consciência, por sua vez, é intencionalidade. É um ficar atento à...,

36 Traduzido da palavra alemã Lebenswelt. Mundo-vida “entendido como a espacialidade (modo de sermos no

espaço) e temporalidade (modos de sermos no tempo) em que vivemos com os outros seres humanos e os demais seres vivos e natureza, bem como com todas as explicações científicas, religiosas, e de outras áreas de atividades e de conhecimento humano. Mundo não é um recipiente, uma coisa, mas um espaço que se estende à medida que as ações são efetuadas e cujo horizonte de compreensão se expande à medida que o sentido vai se fazendo para cada um nós e para a comunidade em que estamos inseridos” (BICUDO, 2011, p. 30).

dirigido para..., ou seja, consciência pode ser entendida como “expansão para o mundo, abrindo-se para [...] como intencionalidade, movimento de estender-se a...” (BICUDO, 1999, p.18). A consciência faz o movimento reflexivo, pois ela intenciona as próprias experiências.

Retomando o movimento da percepção, temos que as manifestações percebidas pelo investigador acabam se constituindo em dados da pesquisa, à espera de análises e interpretações. Assim, norteado pela interrogação, o investigador se coloca com um olhar meditativo sobre a descrição para ir-à-coisa-mesma que está no mundo para ser experienciada. Com tal atitude atentiva, o investigador realiza a redução37, que “significa suspensão de

qualquer julgamento, ou seja, significa dar um passo atrás e colocar em suspensão as formas familiares e comuns de olhar as coisas que impedem que sejam vistas diretamente, em seus modos de aparecer” (MARTINS; BICUDO, 2006, p.21, grifo do autor). Para Tourinho, a epoché

proporcionará o deslocamento da atenção, inicialmente voltada para os fatos contingentes do mundo natural, para o domínio de uma subjetividade transcendental, dentro da qual e a partir da qual os “fenômenos” – enquanto idealidades puras – se revelarão como “evidências absolutas” para uma consciência transcendental, dotada da capacidade de ver verdadeiramente estes fenômenos tal como se apresentam em sua plena evidência. Trata-se, como o próprio Husserl insiste em ressaltar, de um “ver puro” (reinenSchauen) das coisas. (TOURINHO, 2011, p. 30)

Mas, é importante clarear que no movimento de efetuar a epoché, não significa que devamos abandonar tudo que conhecemos sobre nossa região de inquérito. Significa que o que devemos fazer é olhar para o fenômeno em suas diversas formas de manifestação, e não vê-lo sob quadros teóricos previamente dados, sob nossas crenças.

Assim, o movimento de ir-às-coisas-mesmas é o primeiro que se impõe àquele que se propõe a assumir a Fenomenologia como postura e método de pesquisa, buscando compreendê-la com a realização dos movimentos de redução, que vão ocorrendo ao longo da investigação.

Isso exposto, podemos explicitar, de modo mais sistemático, como as pesquisas do Grupo de Pesquisa Fenomenologia em Educação Matemática (FEM)38 têm sido efetivadas, tendo como solo a postura fenomenológica.

37 Redução é conhecida por vários nomes diferentes, mas que segundo autores que estudaram Husserl, são

palavras sinônimas. São elas, redução, redução transcendental, redução fenomenológica e epoché.

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“As sementes deste Grupo de Pesquisa foram plantadas na década de 1970, quando a coordenadora, Professora Dra. Maria Aparecida Viggiani Bicudo estudava com o Professor Dr. Joel Martins, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP. [...] Na década de 1980, já há um pequeno núcleo de estudos fenomenológicos, constituído por mestrandos e doutorandos da PUC-SP, muitos deles já professores daquela Universidade, tendo o Dr. Joel Martins como líder e orientador, e estudantes da Universidade Estadual Paulista, campus de Rio Claro – UNESP-RC, dos cursos de graduação de Física e de Matemática, e a partir de 1984 alunos do curso de Pós Graduação em Educação Matemática, tendo como coordenadora a Dra. Maria Aparecida Viggiani Bicudo. [...] Em 1986 começaram a ser apresentados projetos específicos ao CNPq, pela professora Dra. Maria Aparecida

Na pesquisa fenomenológica o próximo movimento ao ir à coisa consiste na descrição exaustiva do fenômeno, em analisá-la, procedendo a reduções que podem apontar para os invariantes do fenômeno. A descrição “descreve os movimentos dos atos da consciência” (BICUDO, 2011, p. 45) e se torna, nessa modalidade de pesquisa, um ponto fulcral, pois as vivências nos são dadas pelas expressões desses movimentos daqueles que as experienciaram. Assim, o pesquisador, norteado pela sua pergunta, busca os sujeitos que serão relevantes para sua pesquisa e por meio de seus relatos manifestos pela linguagem faz a descrição do percebido, daquilo que faz sentido.

Porém, a pesquisa fenomenológica vai além da descrição, ela analisa, interpreta com rigor. A descrição é o momento em que é relatado o percebido na percepção, a qual se dá no fundo, ou seja, no mundo contextualizadamente vivido. A descrição não objetiva efetuar julgamentos sobre o relatado, ela se atém apenas em dizer do ocorrido como percebido. Conforme Bicudo aponta: “A descrição [...] é um protocolo que se limita a descrever o visto, o sentido, a experiência como vivida pelo sujeito. Ela não admite julgamentos e avaliações. Apenas descreve. Para tanto, expõe-se por meio da linguagem” (BICUDO, 2000, p.77).

Mas, a descrição não esgota o movimento da investigação rigorosa. Sabemos que a descrição é efetuada por meio da linguagem a qual deve ser também olhada fenomenologicamente. Nesse ponto, surgem dois caminhos possíveis a serem seguidos pela explicitação linguística. O primeiro é trabalhar de acordo com a Fenomenologia Estrutural de Husserl; o segundo é trabalhar conforme a Fenomenologia Hermenêutica.

Bicudo explicita a diferença entre os dois procedimentos acima colocados, dizendo que a diferença está na opção.

A diferença entre ambos os procedimentos é, conforme nosso entendimento, de opção. Na fenomenologia estrutural, o campo que reflete a experiência é tido como o mais importante para desnudar o pré-reflexivo. Para a fenomenologia/ hermenêutica, o mais importante é o campo da expressão linguística (BICUDO, 2000, p.80).

Viggiani Bicudo, visando à Bolsa de Produção em Pesquisa. [...] Em 1988 foi criada a Sociedade de Estudos e Pesquisa Qualitativos, sob a liderança do Dr. Joel Martins, cujo objetivo era produzir e publicar trabalhos sobre as questões de fundo da Pesquisa Qualitativa. [...] Na década de 1990, na UNESP-RC o Grupo toma forma e se reúne regularmente, com alunos da Pós Graduação em Educação Matemática e membros da PUC-SP. Em 1993, falece o Dr. Joel Martins, e os professores que compunham os grupos integrados de pesquisa viram-se frente ao desafio de deixar morrer o trabalho até então desenvolvido por esse pesquisador ou assumi-lo. Resolveram assumi-lo. Com isso, os encontros em conjunto foram substituídos pelas reuniões de estudos, mensais, da Sociedade de Estudos e Pesquisa Qualitativos, efetuadas na PUC-SP. [...] Em Rio Claro, o grupo continuou seu trabalho. Em 1994, frente ao desenvolvimento da Pós Graduação em Educação Matemática, então organizada também com Grupos de Pesquisa institucionalmente constituídos, o grupo de pesquisa coordenado pela Dra.Maria Aparecida Viggiani Bicudo resolveu também se institucionalizar, denominando-se Fenomenologia em Educação Matemática – FEM. Com esse nome foi registrado no CNPq e na UNESP”, desde 1995.” (FEM/SEPQ, 2011). Disponível em: <http://www.sepq.org.br/nucleos/avancado/FEM/>. Acesso em: 15 dezembro 2011.

Em nosso grupo de pesquisa FEM temos assumido a Fenomenologia Hermenêutica nos trabalhos desenvolvidos, ou seja, entendemos que em virtude de a descrição ter sido mediada pela linguagem, seja ela qual for, solicita um enxerto hermenêutico em busca da abertura de sentidos e significados daquilo que foi dito. Assim, tal descrição toma forma de um texto e ele está à espera de ser interpretado. E, nesse sentido, todo o texto da descrição é importante, pois a fenomenologia trabalha com a totalidade e à luz de sua interrogação.

Cabe frisar, mais uma vez, que tal interrogação é a chave mestra da pesquisa fenomenológica, pois é ela que delineará o caminho a ser percorrido pela pesquisa e que definirá tanto os procedimentos e sujeitos, quanto apontará para a direção da análise e interpretação.

Como já apontamos, na pesquisa fenomenológica busca-se ir além da descrição. Assim, ao analisar os dados obtidos pela descrição, independente de como o relato foi gerado, olhando de forma atenta e rigorosa, o investigador o lê tantas vezes quantas considerar necessárias para que “o sentido das experiências vividas pelo sujeito seja existencialmente compreendido, abrindo-se, empaticamente, à possibilidade de imaginar o ponto de visada do qual o depoente fala, intuindo, por insight, o sentido do todo” (BICUDO, 2011, p. 57).

Nesse momento, o investigador coloca em destaque os sentidos que a leitura atenta vai fazendo para ele. Os sentidos postos em evidência são sempre subjetivos, ou seja, a partir da perspectiva do investigador, e estão norteados pela pergunta diretriz. Tais evidências são por nós denominadas de Unidades de Sentido.

O enxerto hermenêutico busca efetuar um estudo de palavras ou sentenças ditas na descrição. Em nosso grupo, a prática tem sido feita por meio do destaque de palavras que nos chamam a atenção e requerem um estudo etimológico de seu significado ou que clamam por compreensão dentro do contexto do relato, ou seja, tais realces são dados para serem compreendidos na totalidade do texto.

No movimento de compreensão das Unidades de Sentido com o auxílio do enxerto hermenêutico o investigador articula as falas evidenciadas da descrição em Unidades de Significado (US). Ou seja, tais unidades não estão prontas no texto, elas são articuladas pelo pesquisador e colocadas em sua linguagem, ou seja, deixam de ter uma linguagem ingênua, no sentido de ainda não tematizada, e tomam a forma de uma linguagem em harmonia com a área de investigação tematizada. Cabe frisar que as proposições expressas na linguagem do

investigador dão-se pelo movimento de análise dos significados das palavras, já mencionado, e de “reflexão sobre o dito e de variação imaginativa39” BICUDO, 2011, p. 58).

Esse movimento é realizado com cada uma das descrições, isto é, é um movimento individual, no sentido de tomar cada discurso como único e buscar pelos sentidos que ali são expressos. Essa análise do individual é chamada, nesse modo de proceder, de Análise Idiográfica40. De acordo com Borges e Carvalho (2004) a análise idiográfica trata da análise dos aspectos individuais da pesquisa, como já havíamos falado. De acordo com eles, os individuais são

constituídos pelos textos que relatam e transcrevem os momentos e diálogos em que os sujeitos foram acompanhados pela pesquisadora. Trata-se de analisar as ideias que permeiam as descrições ingênuas dos sujeitos. A busca é de significados, ou seja, de expressões claras sobre as percepções que o sujeito tem do que está sendo pesquisado, expressado pelos próprios sujeitos da pesquisa (BORGES; CARVALHO. 2004, p.2).

Tomamos as Unidades de Significado (US) e efetuamos reduções41, organizando-as de modo a buscarmos pelos invariantes daquilo que elas nos dizem, ou seja, em outras palavras, buscamos, por meio de um trabalho reflexivo, perguntar o que isto está me dizendo? Ou isto diz do quê? e as respostas vão nos conduzindo a sentidos que se convergem. Esse movimento busca, por meio das reduções, chegar ao estruturante do fenômeno.

Vemos esse movimento como importante, pois ele nos afasta de assumirmos categorias pré-estabelecidas e evidencia o modo como ele foi se articulando, e seu pensar evidencia seu movimento de reflexão sobre o investigado em busca da essência do fenômeno.

Esse movimento, de sair da análise individual, em busca dos sentidos que convergem/ divergem a partir das unidades de significado, e que vão dizendo de modo mais amplo sobre a estrutura do fenômeno, é chamado de Análise Nomotética. De acordo com Bicudo (2011, p. 58), a análise nomotética “indica o movimento de reduções que transcendem o aspecto