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Sobre como os entrevistados enfrentam as dificuldades financeiras

No documento biancamachadoconcolatovieira (páginas 97-100)

CAPÍTULO 3. COTAS COMO SISTEMA DE INGRESSO NO ENSINO SUPERIOR PÚBLICO.

3.5. O universo dos alunos negros cotistas

3.5.3. Sobre como os entrevistados enfrentam as dificuldades financeiras

Os alunos entrevistados ingressaram no sistema de cotas entre os anos de 2009 a 2012, ou seja, antes da Lei 12.711/12. Dos dez alunos, quatro estudam no turno diurno e seis no noturno. Dos alunos que estudam no turno noturno, três deles trabalham para complementar a renda familiar e ter condições de permanecer na universidade. Os alunos revelam que o fato de trabalhar interfere no desempenho acadêmico, pois, o tempo que poderia ser utilizado para estudar é requerido para o trabalho.

(...) No momento trabalho de 8h às 12h, e isso interfere nos meus estudos, porque acabo não tendo tempo para estudar, igual, eu saio daqui (universidade) 23h e vou chegar em casa 00h, já cheguei até 01h da manhã em casa. E no outro dia tenho que levantar cedo para trabalhar, é bem cansativo. (E1)

(...) Hoje as atividades que faço são voltadas para minhas atividades acadêmicas, mas, no início do curso eu trabalhava no comércio de segunda a sábado, e saia de lá direto para Universidade, então eu não estudava na verdade, eu ia apenas as aulas, o que deixou um déficit no meu curso. (E4) (...) trabalho 8 horas por dia, saio às 18 horas e venho direto para faculdade. Isso interfere muito, dificulta muito, porque além dos compromissos com minha casa dificulta eu ter tempo para estudar, geralmente eu estudo domingo, feriado, dia de folga, meu trabalho não é pesado, mas, é o dia inteiro dentro do escritório, e dificulta estudar um pouco (...). (E6)

A fala dos alunos nos faz refletir a importância do apoio estudantil para alunos em vulnerabilidade econômica, pois a necessidade de trabalhar para obter condições de sustento e permanência na universidade foi relatada como fator dificultador no processo de aprendizagem, pois o tempo é consumido em outras atividades que não são direcionadas ao estudo, à ampliação do conhecimento.

Um fator importante a considerar aqui, e que não está associado apenas a uma questão de vulnerabilidade econômica, mas, às relações de gênero que se constituem na sociedade, é a questão das mulheres estudantes, que muitas vezes apresentam uma jornada dupla, tendo que cuidar das casa, trabalhar “fora” e ainda manter o desempenho na universidade. A fala acima transcrita (E6) nos revela isso. Outras duas alunas entrevistadas, que apesar de não trabalhar relataram:

(...) trabalhar não, mas, eu tenho minha casa né? Porque querendo ou não eu que tenho que fazer as coisas lá em casa, então pra eu estudar, fazer as coisas da faculdade, eu tenho que parar as coisas e fazer, geralmente eu faço à tarde, não é emprego formal, não tenho salário, mas, é todo dia né? (E5).

(...) não trabalho fora, mas, tenho que fazer as coisas lá em casa, o serviço de casa é por minha conta, porque minha mãe e meus irmãos trabalham, então sou eu que lavo, passo, cozinho, arrumo a casa. Então, tenho que sair de casa e vim pra Federal mais cedo se eu quiser estudar, porque, se eu ficar lá tem sempre alguma coisa pra fazer, pra arrumar. (E10)

A esse respeito Antunes (1999) discute sobre a expansão do trabalho feminino, e os direitos e conquistas que as mulheres alcançam no „espaço público‟, mas, o autor ressalta que a mulher é nesse sentido duplamente explorada, pois, o é enquanto trabalhadora, funcional à lógica do capital, com rendimentos na maioria das vezes menor que o dos homens, e ainda

dispensa horas do dia com afazeres domésticos, garantindo que o marido e os filhos e até ela própria esteja sempre em condição de mão de obra útil ao capital. O mesmo ocorre com as mulheres que entram para a academia a fim de especializar sua mão de obra. Especialmente a mulher negra, que carrega o legado histórico da pobreza, e necessita ainda, vender sua força de trabalho para contribuir com as despesas domésticas.

Ainda em relação à ajuda de custo, foi percebido por meio do relato dos alunos que a UFJF tem contribuído consideravelmente para garantir a permanência dos alunos em vulnerabilidade econômica na Universidade, mesmo que as bolsas não sejam exclusivas de cotistas. Dos dez alunos entrevistados sete deles recebem alguma bolsa de manutenção da Universidade como forma de auxilio para exercer suas atividades acadêmicas sem depender de trabalhar. Os alunos que não recebem a bolsa ou trabalham ou fazem estágio remunerado, e, portanto, a renda não justifica o beneficio. Vale ressaltar que a UFJF desde 2008 não determina o número de bolsas ofertadas e, portanto, apenas os alunos que não possuem o perfil do programa são desclassificados.

De acordo com Guimarães (2008) a questão socioeconômica interfere diretamente na vida acadêmica dos alunos, influenciando não só o rendimento, mas, também a possibilidade de permanência no espaço acadêmico. Portanto, é imprescindível que a Universidade contribua não só com a democratização do acesso, mas, também possibilite condições reais para que os alunos em vulnerabilidade econômica deem continuidade ao processo de aprendizagem na graduação.

Quando perguntados sobre a dificuldade de arcar com os custos de transporte, alimentação e a compra de textos, os alunos relataram que a bolsa de estudos do apoio estudantil é fundamental para pagar tais despesas. Eles apontaram, ainda, que se não fosse pela bolsa certamente seria difícil conseguir manter os estudos, pois os gatos com transporte e material didático são altos. Apenas dois alunos relataram dificuldades em relação aos gastos com transporte e material, porém, ambos não possuem apoio estudantil. O que os alunos mais questionaram foi em relação a distancia entre o local de moradia e o campus da Universidade e, portanto, o tempo dispensado para percorrer o trajeto de ida e volta. Alguns apontaram que este tempo poderia estar sendo utilizado para estudos e leitura.

Nesse sentido percebemos aqui dois fatores, um relacionado à dinâmica do transporte público do município de Juiz de Fora, considerando que muitos bairros não possuem linha direta pra Universidade, tendo os alunos que utilizar dois e até três ônibus para completar o percurso, o que acaba demandando muito tempo e custo elevado.

(...) eu tenho que pegar dois ônibus, às vezes demora 40 minutos em um e mais 40 minutos no outro, fora o tempo que eu fico esperando o ônibus passar. Até chegar aqui (universidade) é um tempo muito grande que se perde, então às vezes é um pouco estressante. (E1)

(...) eu moro muito longe, pra eu chegar na universidade eu tenho que pegar dois ônibus, e pra voltar pra casa, as vezes tenho que pegar três ônibus, além de ser caro, é muito cansativo, desgastante, se tivesse alojamento aqui (universidade) eu ia ter muito mais tempo pra estudar. (E10)

Outro fator esta relacionado à oferta de alojamento por parte da UFJF, ainda que o programa de apoio estudantil ofereça ajuda em relação à moradia, a modalidade é oferecida a alunos que não residam em Juiz de Fora, e ainda assim, não garante que será em residência próxima ao campus universitário, pois o apoio com moradia não diz respeito a alojamento público no campus, mas, ao custeio do pagamento de despesas com aluguel.

O alojamento além de resolver os problemas relacionados aos gastos com transporte público e o tempo despendido no percurso, também contribuiria para que os alunos pudessem utilizar melhor o tempo aproveitando e qualificando os estudos, diminuindo não só o tempo para chegar às aulas como também o desgaste físico.

Dois dos alunos entrevistados relataram que acabaram ficando prejudicados em algumas disciplinas porque a aula começava cedo e não tinha como chegar a universidade no horário por conta do transporte público e local de moradia, ficando reprovados por falta, pois sempre chegavam as aulas atrasados.

A fala dos alunos aponta ainda a preocupação com o desempenho e aproveitamento acadêmico, deixando clara a noção de que o tempo utilizado no transporte público acaba por prejudicar a dedicação com os estudos.

No documento biancamachadoconcolatovieira (páginas 97-100)