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Sobre como os entrevistados percebem as relações raciais na Universidade

No documento biancamachadoconcolatovieira (páginas 101-104)

CAPÍTULO 3. COTAS COMO SISTEMA DE INGRESSO NO ENSINO SUPERIOR PÚBLICO.

3.5. O universo dos alunos negros cotistas

3.5.5. Sobre como os entrevistados percebem as relações raciais na Universidade

Três dos alunos entrevistados, ao responderem sobre a dificuldade de se adaptarem ao ambiente acadêmico, consideraram a questão de cor como principal problema nos primeiros contatos na academia. Revelando assim, a estranheza que sentiram ao chegar ao ambiente acadêmico, não reconhecendo este ambiente e enfrentando o distanciamento dos demais.

(...) a universidade não parece que é pra pobre e nem pra negro não, parece que é só pra rico, Então, parece que no começo assim, até a gente se acostumar é muito estranho, demora um tempo pra você ficar a vontade. (E3)

(...) no início eu tinha aquela sensação de não pertencimento daquele ambiente, como se aquele ambiente não fosse meu, não fosse para mim apesar de eu estar lá. E também da minha turma porque no início eu percebi que algumas pessoas, outros alunos que não haviam entrado pelas cotas também tinham um pouco de estranhamento por eu está ali, então a minha adaptação foi um pouco complicada, foi ao longo do tempo. A minha não aceitação de está ali e também pelo fato das pessoas estranharem o fato de eu está ali por não ser uma coisa tão comum, mas, agora eu me adaptei, e percebi que aquele espaço também é meu. (E4)

(...) nos primeiros meses na faculdade eu percebia que as pessoas estavam intrigadas com minha presença, eu não me sentia parte de nenhum grupo, negra mesmo, assim igual a mim, era só eu mesmo. Então eu percebia que as pessoas mantinham certa distância, mas, com o tempo eu aprendi a lidar com isso, hoje a relação melhorou muito. Me sinto mais a vontade. (E10)

Estes relatos evidenciam que a presença do negro no ensino superior ainda apresenta estranhamento por parte de alguns, principalmente porque a figura do negro ficou referenciada às cotas. Se para muitos autores críticos as politicas de cota esse é um fator negativo, acredito que foi por meio das cotas que os negros ganharam visibilidade no ambiente acadêmico, e se, passado já alguns anos das primeiras iniciativas do ingresso por meio das cotas, ainda ouvimos relatos sobre estranhamento para com a presença do negro na universidade, de fato as cotas são necessárias, na medida em que permite que esse espaço antes condicionado a elite branca, se torne mais democrático ao permitir a participação de grupos antes excluídos. Sobre este assunto Barreto (2007) defende que:

(...)é preciso reconhecer que de alguma maneira a racialização já existe, e que não necessariamente é a ação afirmativa que vai criá-la. Além disso, também não existem evidencias de que a ação afirmativa é um caminho para a construção de um país racialmente dividido, como afirmam Fry e Maggie (2004). (Barreto, 2007, p.137).

Os alunos tiveram a opção de declarar como identificam sua cor de pele. Com, exceção de dois, todos os entrevistados se autodeclararam negro. Deixando implícita sua consciência de cor frente às questões apresentadas. Em dois dos entrevistados foi possível perceber que a teoria do branqueamento ainda se encontra presente no discurso de muitos brasileiros, discurso esse que tende a diluir e a atribuir tons mais claros a cor negra, imprimindo a ideia de miscigenação, tentativa de atribuir uma cor que se afasta do negro criando cores intermediarias a cor branca. Em suas falas, dois dos alunos apresentaram a tendência de se identificar como indivíduos de pele mais clara.

(...) Então, eu me identifico como pardo, mas, eu sou negro, mas, tenho a pele mais clara. (...)

(...) eu sou negra, eu acho, minha família toda é negra, mas, tem uma mistura, então, eu não sou tão negra assim, sou mais clara que algumas primas minhas, que tem o tom da pele bem negra, eu sou assim, mais pra parda né? Não sei, acho que sou uma negra mais clarinha que outras, acho que é isso. (E10).

Sobre este assunto, Santana e Tavares (2007, p. 244) parafraseando Clovis Moura escrevem: “(...) uma maneira do brasileiro fugir de sua realidade étnica, de sua identidade,

mediante simbolismo de fuga, buscando situar-se o mais próximo possível do modelo tido como superior.”

Quando perguntados se já perceberam alguma questão de discriminação por conta da cor, sete dos alunos entrevistados relataram já terem sofrido discriminação pelo menos uma vez na vida.

(...) assim, a forma das pessoas olharem eu acho que isto é cultural, às vezes não é que a pessoa seja assim, mas, como ela foi criada, às vezes até faz sem querer, mas, a gente sempre enfrenta. (E1)

(...) entrar numa loja e o vigilante ficar te vigiando por causa da sua cor, a gente percebe. (E2)

(...) até hoje as pessoas quando falo que faço engenharia mecânica me olham estranho. Quando fui comprar alguns livros numa livraria no centro de Juiz de Fora, eu fui simples, a pessoa já olhou torto, só me tratou melhor quando falei que fazia o curso. Aqui na universidade também, quando vou na coordenação eu sinto que eles olham esquisito pra mim. (E3)

(...) o preconceito no Brasil, por ele ser velado ele está presente o tempo todo e às vezes a gente nem percebe. O mais claro que eu me recordo agora foi na cidade que eu morava, uma cidade pequena, onde tem muito preconceito, eu comecei a namorar um rapaz e ele era branco. Os pais dele não queriam aceitar, só pelo fato de eu ser negra, então foi uma coisa que marcou, e a gente acabou não ficando junto, e foi um pouco complicado pra mim. (E4)

(...) assim, tem lojas que a gente entra que a gente se sente um pouco estranha, por ser uma loja que tem produtos um pouco mais caro eu acredito que já me olharam estranho. (E6)

(...) na época do ensino fundamental uma colega relatou que outra colega havia falado com deboche da minha cor. Ela fazia brincadeira com minha cor, na época fiquei muito ofendida. (E8)

(...) uma coisa que me marcou muito é quando eu era ainda pequena, a gente brincava muito na rua onde eu morava, e as vezes juntava com o pessoal da outra rua, ai ficou todo mundo cochichando, e então depois que eu insisti me contaram que algumas mães não queriam que os filhos brincasse com a gente, eu e meus irmãos, porque a gente era negro, e tinha maus costumes, foi isso que disseram né? Nós fomos embora chorando, foi horrível, e nunca mais fui a mesma naquela rua, nem gostava de esta ali. (E10)

A fala dos alunos evidencia o preconceito brasileiro, que se manifesta pelo estereótipo dos sujeitos, que julga suas ações e possibilidades pela cor de sua pele.

No entanto, quando perguntados se já enfrentaram preconceito no ambiente acadêmico apenas três dos alunos apontaram já ter percebido algum preconceito na universidade, seja por parte de outros estudantes e ou até mesmo professores.

(...) tem professor que fica te olhando, já acha que é uma pessoa que vai distrair os outros, ele fica com mais receio, acha que você vai ter mais dificuldade, porque destaca né? Você sendo negro ele já considera que é de escola pública, ele nunca considera que você pode ser de escola particular, e já pensa que você

vai atrapalhar o andamento da turma, eu sinto isso. Até a forma de falar com a gente é diferente (E1)

(...) tem sempre um ou outro da sala que exclui nós que somos negros, mas, eu me enturmei com outros, mas, sempre sinto um preconceito velado. (E3) (...) no início do curso eu me lembro de que quando eu entrei eu estava com o cabelo maior e mais natural e tinham dois meninos atrás de mim e eles falaram: “ah, é Bombril”, e eu não tive nem como reagir. No meio acadêmico ainda há uma dificuldade de aceitação sim. (E4)

Mais adiante, retomo a pergunta em relação ao preconceito no ambiente acadêmico questionando aos alunos se em algum momento da graduação se sentiram discriminados por seus colegas de turma e professores, além dos alunos que já haviam afirmado ter sentido preconceito e discriminação no ambiente acadêmico, dois outros alunos relataram fatos ocorridos que os fizeram se sentir discriminado por conta da cor de sua pele.

(...) em relação a uma professora eu acredito que há uma forma de preconceito pela cor da pele. É uma professora que sei lá, tem preconceito sim, eu percebi e uma colega também, porque nos processos de pedido de documento ela dificultava um pouco pra gente e para outros facilitava. Eu sentia sempre uma relação diferenciada. (E2)

(...) agora você falando assim estou me lembrando sim, tinha dois colegas de turma, no início do curso que eu sempre senti que eles debochavam de mim, não era nada explicito não, mas, eu sentia. Um dia, acho que ainda estava no segundo período, um deles emprestou o caderno pra uma colega de sala copiar uma matéria, aí eu também tinha perdido a aula e fomos no xerox juntas fazer a cópia, acabamos encontrando no caderno um monte de caricatura minha com adjetivos pejorativos, foi horrível, aquele dia eu chorei muito e até fui embora. Mas, hoje isso não me incomoda mais não. (E10)

No documento biancamachadoconcolatovieira (páginas 101-104)