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Enquanto estádio avançado, o desenvolvimento é sem dúvida a base de qualquer sociedade moderna, uma vez que está associado a outros conceitos como o bem-estar, o progresso e a realização. Historicamente, o conceito de desenvolvimento enquanto conceito abordado pela ciência é relativamente recente, emergindo após a 2ª Grande Guerra Mundial. As primeiras referências ao desenvolvimento ou progresso ocorreram no século XVIII estando relacionadas com o contexto da Revolução Industrial e aos postulados da Revolução Francesa.

De acordo com Amaro (2004) vários foram os fatores que contribuíram para o aparecimento do conceito de desenvolvimento no pós guerra, sendo o principal, o processo de independência das colónias europeias que na sua nova condição almejavam chegar aos padrões de vida dos antigos colonizadores. Esta situação é em parte também suportada pela influência das novas tendências e interesses estratégicos dos Estados Unidos e ainda pela ideologia defendida por outra grande potência, a antiga União Soviética.

Ainda dentro desta problemática o autor destaca outras razões que explicam o interesse pelo conceito nesta altura. Uma das razões apontadas prende-se com a execução do Plano Marshall que visava levar os países destruídos pela Segunda Guerra Mundial a retomarem ao seu progresso e riqueza, em última instância ao seu desenvolvimento. Outro aspeto que se coaduna com esta situação resulta das exigências da Guerra Fria que na luta pela tecnologia de ponta em termos de armamento necessitava de um grande suporte produtivo e tecnológico. Ainda outro fator a ter em consideração parte da influência do paradigma de John Keynes que via no papel do Estado a regulação e o controle da economia

como forma de garantir o bem-estar dos seus cidadãos, inversamente ao que ocorria desde o século XIX, onde (a escola neoclássica) não atribuía esse valor ao Estado, uma vez que o mercado era tomado como garantia para o bem-estar, não havendo necessidade de criar medidas para o desenvolvimento. Por fim, as afirmações idealistas emanadas pela ONU e outras figuras mediáticas após a guerra vieram ressalvar a importância de trabalhar em prol do progresso e da paz entre os povos (Amaro, 2004). O desenvolvimento neste contexto vem portanto, ligado ao crescimento económico e ao progresso industrial e tecnológico que caracterizou o pós-guerra. Por isso, a ideia de bem-estar aqui presente vem ao encontro de um bem-estar de natureza material e ao que lhe está subjacente; isto é, a possibilidade de usufruir de um grande número de serviços que a sociedade possa utilizar em forma de consumo.

É sobretudo na década de 50 do século XX que a “prioridade para o desenvolvimento era o crescimento económico” (Gómez, Freitas e Calleja, 2002). Acreditava-se que a economia estagnada e tradicional dos países subdesenvolvidos melhoraria pela estimulação do crescimento económico. Assiste-se a um investimento na formação de capital humano, no sentido de melhor corresponder ao crescimento económico e na modernização da agricultura tradicional. O acesso à saúde e à educação passam deste modo a ser vistos como um resultado do desenvolvimento económico.

Na década de 70 do século XX é Dudley Seers que contribui para a redefinição do conceito de desenvolvimento, afirmando que o desenvolvimento era mais do que aumentar o rendimento per capita. Para este autor, o desenvolvimento deveria estar ao serviço da erradicação da

pobreza, do desemprego e a riqueza acumulada deveria ser igualmente distribuída (Gómez, Freitas e Calleja, 2002).

Esta posição é coincidente com os primeiros sinais de desgaste do modelo de desenvolvimento baseado no crescimento económico. A ideia de que a transposição do modelo de desenvolvimento para os países periféricos surtiria o mesmo efeito revelou-se num total fracasso e tal como já tinham revelado alguns economistas, havia a necessidade de existir uma análise específica do modelo de desenvolvimento de cada país.

Este modelo de desenvolvimento não conseguiu portanto, dar resposta ao agravamento das carências sociais, situação que fez pela primeira vez que as grandes organizações internacionais mudassem o seu discurso. Tal como afirma Amaro (2000, p. 161), “há aqui uma revolução que vem de

dentro, que vem por parte dos técnicos que estavam a acompanhar estes

processos que começam a pôr em causa e a sugerir novas propostas de conceitos.”

Quando se analisa o período que vai desde o final da Segunda Grande Guerra até ao início da década de 70 do século XX verifica-se que existem alguns aspetos que merecem atenção especial. Este período de trinta anos ficou conhecido pelos “anos dourados”, contudo se por um lado, se assistiu a um grande progresso por outro lado, ficou bem visível que uma parte da população mundial ficou de fora desse processo. Amaro (2004) enumera um conjunto de fatores que evidenciam os contrastes produzidos pelo progresso nesses trinta anos, sublinhando até, que algumas dessas situações se encontravam sinalizadas desde há duzentos anos.

Esquematicamente esses contrastes podem ser sintetizados da seguinte forma:

Progressos

 Aumento da produção e do consumo com impacto ao nível da melhoria do bem - estar material das sociedades;

 Melhoria acentuada na eficiência produtiva;  Melhoria considerável da taxa de alfabetização;

 Melhoria nas condições de saúde com impacto positivo na redução da taxa da mortalidade infantil e aumento da esperança média de vida;

 Avanço científico em vários domínios;

 Alteração radical em diferentes sectores da vida: na produção, no consumo e no lazer.

Retrocessos e privações

 A melhoria no bem - estar social atingiu apenas 1/3 da população, deixando de fora uma fatia de 2/3 da população mundial;

 Persistência e agravamento de algumas condições nos países do Terceiro Mundo (fome, analfabetismo feminino e epidemias de doenças para as quais já existe a cura);

 Surgimento de “novas formas de mal-estar social”, originadas pelos novos padrões de vida, acentuando-se a solidão, o individualismo e a consequente quebra dos laços de sociabilidade, a quebra dos padrões familiares, aumento do stress e da competição profissional, produzindo novos problemas sociais;

 Tomada de consciência de que o modelo de desenvolvimento alcançado provocara danos irreparáveis, sobre a biodiversidade, sobre a qualidade do ar e da água e sobre o consumo desenfreado dos recursos naturais, deixando o planeta em situação ruinosa;

 Surgimento de “novas doenças públicas” com impacto a nível global;

 Aposta num modelo de industrialização onde o ser humano é complemento da máquina;

 Modelo educativo extremamente focado na tecnicidade em detrimento de um modelo holístico, com graves implicações na solução de problemas de encadeamento;

 Surgimento de confrontos religiosos e culturais, motivado por políticas económicas que ergueram barreiras nas relações do ocidente com o oriente.

Dos aspetos assinalados por Amaro (2004) é possível concluir que se o progresso trouxe consigo numerosos benefícios, a realidade constatou que os efeitos do progresso, não resolveram todos os problemas relacionados com o desenvolvimento de grande parte da população mundial, mas ainda agravou e desencadeou outros.

Tal como argumenta o autor é difícil decidir se este modelo tem um saldo positivo ou negativo, pois depende muito sobre que tónica se orienta a análise.

O modelo de desenvolvimento revelou-se ineficaz em outras circunstâncias, encontrando-se culturalmente desfasado das condições específicas dos países do Terceiro Mundo, razão pela qual não surtiu os efeitos desejados. Deste modo, mostrou-se necessário repensar as

estratégias e adotar um modelo de desenvolvimento de base comunitária. Amaro (2004) fundamenta essas estratégias em três eixos:

1º A participação popular no diagnóstico das suas necessidades; 2º A mobilização dos recursos locais, como forma de resposta às

suas necessidades;

3º A resolução dos problemas deve ser abordada de forma integral contemplando a articulação das várias estruturas e sectores. Como ficou claro, o modelo de desenvolvimento baseado na industrialização teve consequências nefastas para os diferentes países, quaisquer que fossem as suas orientações. Quer fossem países de orientação capitalista, quer socialista, ou os países nórdicos, bem como os subdesenvolvidos, ou em vias de desenvolvimento, o problema tornou-se transversal.

Em forma de resumo Amaro (2004) aponta de forma excecional as lacunas das principais orientações políticas. Assim, os países cuja orientação assenta numa base “capitalista liberal”, acentuou-se o individualismo e descurou-se, a comunidade e o ambiente. Já os países de orientação “socialista real” concentraram-se na esfera coletiva em detrimento da individual e ambiental.

Todos os modelos apresentaram deficiências do ponto de vista estrutural, pois incidiram apenas sobre uma parte dos problemas. A falta de uma abordagem holística e integrada resultou em graves assimetrias, que não só colocaram em risco os seres humanos mas também o planeta.