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4.3 O CEJA e o olhar do corpo discente

4.3.1 Sobre a escola

No contexto analisado, os enunciadores (alunos do CEJA) manifestam uma postura clara no que se refere à conquista do diploma: o aluno jovem tem pressa e não quer perder tempo na escola; já o mais adulto idealiza este momento e desfruta o retorno aos bancos escolares. Como o tempo é determinante para esses alunos, demarcamos o período em que ingressaram na escola para uma noção do período que permanecem na escola até a conclusão dos estudos.

Não, comecei agora. Em... em agosto. [A entrevista foi realizada em agosto de 2012.] (Joana, p.219, l. 4) Eu levei bastante tempo porque eu comecei desde o primeiro ano é... eu demorei ... desde outubro do ano passado até agora foi mais ou menos uns 14 meses assim... [Estávamos no mês de dezembro de 2012] (Gabriel, p.221, l. 6-7)

Olha, eu venho aqui há um bom tempo, porque eu tive um percurso acho que um pouco diferente, né? Eu venho de outra escola, e, por motivos pessoais, eu tive que interromper o meu Ensino Médio na outra escola, porque era uma escola técnica que eu cursava...[...] Eu comecei, se não me engano, em 2009.. Eu protelei muito... (Anderson, p. 223, l. 8-17)

Júlia [A aluna havia feito a matrícula no CES no próprio mês de dezembro, pois ficou reprovada em sua escola de origem e neste mesmo mês já havia concluído o Ensino Médio]. (Júlia, p.226)

Seis meses [...] Eu tô... praticamente no início (Geraldo, p.227, l. 17) Comecei há uma semana.(Marcela, p. 229, l. 8)

Hum ...mais ou menos... porque na verdade eu me matriculei tem dois anos e eu venho... sei lá desses dois anos se eu vim quatro vezes pro colégio foi muito...(Vânia, p.232, l. 6-7)

Os alunos possuem singularidades no que se refere à realização de seus estudos, no entanto, todos têm como prioridade terminar rapidamente o Ensino Médio. Constatamos que a clientela da EJA é heterogênea e não se configura somente como aquela cujos alunos nunca haviam frequentado uma escola ou formada por trabalhadores rurais, que deslocados

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para as cidades, necessitavam seus diplomas por uma demanda da sociedade. Embora saibamos que o diploma é um fator preponderante, há caso de alunos que o fazem para realizar um desejo, como é o caso da aluna Joana.

Ao especular o motivo pelo qual optaram por esta escola, temos:

É...Eu...vi as pessoas falando sobre módulo...aí descobri que aqui tinha o módulo que é pra mim estudar e aí eu vim aqui pesquisar e gostei (Joana, p. 219, l. 18-19)

Eu procurei porque, na verdade, eu tava tipo com a maior dificuldade de terminar no XXX, maior dificuldade de terminar no XXX, tava cheio de dependência nas costas e eu pensei: “Pô, eu terminando no XXX cara eu vou terminar pô com vinte anos na cara quase, eu preciso reduzir isso, vou fazer supletivo. Aí todo mundo fala: Ah não, faz Wakigaua, faz o Pinheiro. Eu falei: Não, vou fazer o que minha prima fez que ela falou que a prova lá do professor vai ficar lá no stand e você vai fazer a prova você pode terminar quando você quiser. Na real, se a pessoa tiver bem focada ela termina isso aqui em uma semana, se ela tiver pouca prova pra fazer ... (Gabriel, p.221, l. 24-29)

Quando, quando eu vi que não pude continuar no Ensino Médio, eu teria que concluir o Ensino Médio de alguma maneira. A única maneira seria através de uma Educação de Jovens e Adultos. Resolvi procurar e percebi que existia duas formas: essa forma a distância e a maneira que é através de aulas, semanais, né? Com um período letivo muito reduzido. Eu optei pelo a distância devido à flexibilidade... (Anderson, p.223, l. 27-30) Eu sabia que ia ter que fazer algum supletivo pra... conseguir o diploma aí a gente procurou na internEt mas aí demorava mUIto vários meses aí a menina da secretaria do XXX [escola na qual ela estudava e ficou reprovada]indicou aqui... (Júlia, p.226, l. 10-11)

É...porque...mais facilidade né? de chegar até o colégio, apesar de morar longe, mas aqui tem mais facilidade de horário...horário...é... que os outros lugares eram assim um pouco de risco aí eu não...

Facilidade de chegar mesmo, de horário...

Horário fixo, ser locais onde não corro risco de... de... chegar ao colégio, de sair... aqui pra mim foi bom, tá sendo bom por isso... existem outros lugares mais perto, eu não moro aqui, eu moro...

Eu moro em São João de Meriti... mas eu pego o metrô, é rapidinho... Pra mim aqui foi bom, eu já conhecia que eu fazia XXX que é o mesmo sistema pra eu poder concluir mais rápido, assim eu não demoro tanto... (Geraldo, p.227, l. 22-31)

porque eu me formei nos Estados Unidos e daí, meu diploma vai demorar pra chegar, e eu preciso fazer minha matrícula na faculdade. Porque eu já passei na PUC. Aí eu morei lá um ano e voltei agora e passei para a faculdade, preciso do meu diploma rápido.(Marcela, p.229, l.8-9)

Ah que me contaram que aqui... na época né aqui dava pra... era só vir fazer as provas, eu achei que fossem poucas provas na verdade que eu tava fazendo colégio lá perto de casa só que aí era meio rebelde, não ia pro colégio aí eu falei vou parar, vou trancar a matrícula no colégio e vou me matricular lá no CEJA. Aí em um mês eu acabo se eu for todo dia, mas eu não vim... mas dá pra fazer como era só o terceiro ano em um mês dá pra fazer se eu vier realmente de segunda a sexta, mas eu não vim... (Vânia, p.232. l.27-31)

Nos fragmentos acima, constatamos que – a exceção da aluna Joana – os entrevistados mencionaram, de forma unânime, vocábulos, como: “rápido” em “preciso do

meu diploma rápido”, “concluir mais rápido”, “reduzir” em “preciso reduzir isso”, “período letivo reduzido” como cerne dessa modalidade de ensino, ou seja, direcionados para um “encurtamento” do período letivo das escolas regulares e não como uma particularidade de “suprir algo” que ficou escasso na vida desses alunos. As avaliações assumem uma função imperiosa, já que não ser habilitado significa passar um tempo maior na escola. No entanto, nos documentos

a avaliação na EJA também implica enfrentar o desafio e a lógica perversa da cultura hierárquica e submissa que formou o povo brasileiro. Mais do que pôr “cada um em seu lugar”, pensamento a ser abandonado, cabe agora pensar de que modo cada sujeito se apropria dos conhecimentos e os faz seus, para si, para sua comunidade, para a sociedade. Esta avaliação remete à necessidade de certificação, referendo de um sistema de reconhecimento formal na sociedade. Como documento burocrático, o certificado muitas vezes tem sido o motor que conduz jovens e adultos de volta à escola, sem que esta se dê conta de estar diante de uma bela oportunidade de transformar a expectativa inicial dos sujeitos, minimizando seu valor, e maximizando o valor do conhecer e da competência de jovens e adultos pelos aprendizados realizados (BRASIL, 2008, p. 4)

Retomamos aqui a menção aos termos “módulos de ensino” e “supletivo” configurando-os novamente como possuidores do caráter de fórmulas discursivas, concepções já discutidas previamente na presente tese e concebendo-os como vocábulos cristalizados. A aluna Sônia não procurou a escola, mas o “módulo” – ecoando quase como algo personificado – vocábulo do qual “via as pessoas falando bastante” até que resolveu matricular-se. Recuperamos aqui a fala da professora responsável pela implantação de um dos CES referindo-se ao módulo “como se fosse o professor”, ou seja, é aquele que treina e dá os passos a serem seguidos pelos alunos. Contrastando, neste momento, com o valor de saberes que a escola deve lhes oferecer e oportunizar a expectativa que esses alunos- trabalhadores têm com essa modalidade de ensino.

Em relação ao aluno Gabriel, veja-se que o mesmo menciona dificuldades na escola regular e para terminar “isso” resolve fazer supletivo. O aluno faz uso do discurso direto relatado para mostrar conselhos de amigos na busca por escolas que têm como marca a aprovação fácil e o fato de serem desprovidas de grandes entraves. O aluno mantém este discurso para justificar sua escolha: ali ele pode ir e vir quando assim o desejar. Ele é o protagonista de sua história e o professor fica no “stand”, ou seja, a sua espera e não ao contrário como acontecia na escola regular. Nota-se também que há uma consciência de

que muito depende do aluno “se a pessoa tiver focada ela termina em uma semana”. Assim, o “você” (ele + demais alunos do CEJA) toma uma importância no discurso, pois agora são eles os responsáveis por seus atos.

O aluno Anderson evidencia um enunciador consciencioso (MAINGUENEAU, 2002) ao buscar informações sobre as escolas nas quais poderia frequentar, esclarecendo inclusive existirem as modalidades de EJA presencial e a distância, esta última escolhida por ele devido a flexibilidade de horários, entre outros fatores dos quais precisava para concluir os estudos. Percebe-se até este momento, que se assentam como responsáveis por suas pendências escolares e gerentes de suas escolhas. O pronome pessoal “eu” é usado reiteradamente pelos entrevistados e, de forma clara, busca manifestar e mostrar suas determinações.

A aluna Júlia ratifica buscar no CEJA uma solução para seu problema, ao mencionar em sua fala que “sabia que teria que procurar algum supletivo para conseguir o diploma” e que por outros meios levaria muito tempo. Ou seja, neste momento, não se leva em consideração “o nome” e o ensino/aprendizagem da escola destacada pela própria como sendo “muito boa”, mas tão somente a obtenção do diploma escolar. Destaca-se que a permuta do pronome “eu”, de primeira pessoa, usado inicialmente pela aluna em “eu sabia” para o uso de “a gente”, neste caso, referindo-se não só a ela, mas também aos pais como agentes e responsáveis na busca por uma solução imediata. Cabe-nos aqui retomar a questão discutida pelos professores entrevistados que mencionaram ser esta uma das particularidades do CEJA. Sabemos que a lei permite que o aluno delibere dessa maneira, mas questionamo-nos se seria apropriada tal resolução.

O aluno Geraldo corrobora estar ali porque assim pode “concluir mais rápido”. Uma questão não colocada pelos demais entrevistados e mencionada por este é sua preocupação com a segurança, pois menciona haver outras escolas mais próximas, mas, nesta, ele não corre risco de chegar ao colégio.

A aluna Marcela confirma a fala com sua entoação – discurso acelerado de quem não pode perder tempo – sua necessidade: estudou, fez o Ensino Médio e o concluiu. Portanto, precisa validá-lo aqui no Brasil o mais breve possível “preciso do meu diploma rápido”. Este episódio também se ratifica como um dos subsídios da escola, pois, como aluna, não vai deixar de passar pelos trâmites escolares, apesar de já tê-lo concluído em outro país. Mas,

novamente, vê-se o termo supletivo relacionado a algo rápido e não a uma ação de suplência.

A aluna Vânia posiciona-se como adolescente da EJA que busca nessa modalidade uma forma de solucionar seus problemas. Observe que ela mesma admite ter sido uma adolescente rebelde e ter visto no Supletivo (termo usado pela mesma) um caminho mais fácil para resolver seu problema com a escola. Veja-se que ela diz “me contaram na época que era só vir fazer as provas”, prevendo que seria uma tarefa rápida e fácil. O modalizador “na época” demonstra que com ela foi diferente, uma vez que fazia dois anos que ela estava ali e não havia concluído o Ensino Médio – vale a ressalva de que só faltava o terceiro ano para a conclusão. Este episódio corrobora a imagem superficial que as pessoas têm de que estudar nessas escolas é uma jornada fácil por se tratar de ensino supletivo. Tal pensamento também foi alvo de comentário na entrevista da professora Ana ao falar sobre o perfil de tais alunos, comentando que alguns chegavam com a ilusão de que rapidamente fariam as provas e concluiriam o curso, mas logo se davam conta de que não era tão simples.

É significante a forma pela qual Vânia relata por meio do discurso direto “Aí eu falei: vou parar, vou trancar a matrícula no colégio e vou me matricular lá no CEJA. Aí em um mês eu acabo se eu for todo dia, mas eu não vim...”. O uso do conectivo “se”, implicando determinadas condições a serem seguidas por ela, seguido do conectivo “mas”, que contrapõe a lista de obrigações não realizadas, romperam com suas expectativas. Para que tudo acontecesse, ela precisaria estudar e fazer as avaliações, mas não o fez. Repare que a aluna mostra seu desapontamento ao reforçar por duas vezes o fragmento “mas eu não vim”, o que reafirma o discurso de que nesse ambiente escolar o aluno aparece como responsável por seus atos – analisado também nas demais entrevistas.

Resgatando a importância que os alunos conferem à escola no que tange a expectativa de que ali concluíram de forma rápida seus estudos, temos os seguintes fragmentos:

Bom, eu querIa terminar esse ano, mas se não der....espero que...a minha...de acordo com os meus estudos eu consiga...(Joana, p. 219, l.13-14)

Sim, eu queria ter terminado na real no meio desse ano, mas... isso é um pouco por causa... você pode vir quando você quer, você não tem os horários, você não tem que assistir aula, você termina meio que empurrando com a barriga, né? Aí no finalzinho do ano...(Gabriel, p.221, l. 11-13)

Olha, eu venho aqui há um bom tempo, porque eu tive um percurso acho que um pouco diferente, né? Eu venho de outra escola, e, por motivos pessoais, eu tive que interromper o meu Ensino Médio na outra escola, porque era uma escola técnica que eu cursava... (Anderson, p.223, l.8-10)

[A aluna havia feito a matrícula no CES no próprio mês de dezembro, pois ficou reprovada em sua escola de origem. Ao perguntar sobre seus estudos, a aluna mencionou rapidamente o nome da escola de onde veio] No XXX... terminei agora eu fui reprovada nas exatas aí vim resolver isso aqui (Júlia, p. 226, l.6)

[O aluno Geraldo não estipulou um prazo.]

Tenho, tenho. Ai, eu não sei quando, porque eu ainda não conversei com a faculdade, mas com certeza até o dia primeiro de março, que é quando eles começam as aulas. Ah... eu queria terminar assim agora em dezembro. Mas não vai ter como. Ainda faltam 30 provas pra fazer e não tem condição em 4 dias, não tem condição.(Marcela, p.229, l. 35-36, l.106-107)

Não, falta bem pouco na verdade. Faltam Química, Biologia, Sociologia e Filosofia... No máximo quarta-feira... (risos) esse ano! [Estávamos já em meados de dezembro]

Mas dá pra terminar, faltam poucas provas. Hoje eu termino Química, amanhã não porque eu tenho trabalho. Aí segunda eu faço... termino Biologia e... Filosofia; terça-feira é Artes e...quarta-feira Sociologia...(Vânia, p.232, l.15, l.19-20)

No tocante às respostas relativas ao prazo estipulado para o término do Ensino Médio, estas nos servem como base para constatar nossa hipótese de que o aluno espera acompanhar o ritmo da escola, mas nem sempre consegue cumprir as metas estabelecidas por eles mesmos. E, em especial, na resposta do aluno Gabriel percebe-se que, muitas vezes, a flexibilidade de horários e de escolhas se, por um lado facilita a vida do aluno, por outro, faz com que ele não estabeleça um vínculo maior com a escola. À exceção da aluna Júlia que ficou na escola um curto espaço de tempo, pois só lhe restava concluir três disciplinas relativas ao terceiro ano – com um número bem reduzido de provas – os demais estavam na escola um tempo maior que o previsto.

Confirma-se a suposição de que os alunos buscam nessa escola a expectativa de concluir rapidamente seus estudos; no entanto, nem sempre conseguem. Neste aspecto, nos deparamos com um problema comumente encontrado nos centros de estudos, cujo cerne reside no fato de o aluno ser responsável por ele mesmo, por seus horários e seus estudos. Veja-se que Gabriel menciona “aí no finalzinho do ano...” sugerindo que há uma correria própria da época para a tentativa de se concluir o Ensino Médio dentro do ano estipulado. Assim, ao fazer uso do diminutivo em “no finalzinho do ano”, o aluno reforça o pouco tempo para a conclusão dos estudos e, com isso, gera-se uma expectativa de iniciar o próximo ano com as mesmas pendências.

A correria da qual se refere o aluno Gabriel vê-se de forma bem concreta na resposta da aluna Juliana que admite faltar uma série de disciplinas e ainda assim pretender terminar o Ensino Médio dentro do ano corrente – já estávamos no mês de dezembro. Observe-se que a aluna enumera as disciplinas que irá cumprir a cada dia por meio de modalizadores “hoje, amanhã, segunda e terça”. Cabe-nos refletir sobre o conceito de suplência versus a finalidade única de obtenção do diploma.

Há que se ressaltar que, nos fragmentos, o uso de modalizadores deônticos, tais como “queria terminar” o qual manifesta um desejo improvável de ser concretizado e “eu queria ter terminado” denotando já a consequência de um desejo não realizado. Por outro lado, na fala de Marcela o uso da negação expressa uma imprecisão em relação ao término dos estudos. Já a fala do aluno Anderson “eu tive que interromper” impetra uma ordem imposta, extraindo de si a responsabilidade de não ter concluído o Ensino Médio.

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