4 A ÉTICA COMO OBJETIVO PRINCIPAL DA EDUCAÇÃO
4.3 POR UMA EDUCAÇÃO CIDADÃ
4.3.1 Sobre a noção de cidadania
O conceito de cidadania desenvolve-se a partir do conceito rousseauniano de
autodeterminação. É verdade que, na linguagem dos juristas, “cidadania” teve
durante longo tempo apenas o sentido de nacionalidade ou pertencente a um
Estado, só ultimamente o conceito foi ampliado no sentido de um status de cidadão
envolvendo direitos civis (HABERMAS, 1997).
Rousseau explica a sua noção de “cidadão”, um dos seus temas essenciais a
respeito da posição das pessoas como membros de uma sociedade civil, que
recebem o nome de povo e chamam-se em particular cidadãos, enquanto partícipes
da autoridade soberana, e súditos enquanto submetidos às leis do Estado.
Para Rousseau são quatro os principais pontos a assinalar no tocante à
cidadania. Primeiro, “ser um cidadão é possuir um certo status ou posição no
Estado”. É ter certos direitos e qualificações, assim como deveres e
responsabilidades conferidos às pessoas pelas leis positivas do Estado, para cujo
tranqüilo gozo está dirigida toda a força do corpo político (DENT, 1992; CANTO-
Segundo, a cidadania propriamente dita, conforme a entende Rousseau, um
direito ocupa uma posição central: “é a participação na formação ou ratificação de
legislação soberana”. Um indivíduo não é cidadão se for o recipiente passivo da
legislação de outros, mesmo que estes outros estejam sinceramente agindo em seu
benefício. Goza ainda menos de cidadania se for subjugado pela força ou um poder
inescapável; isto é servidão. Um cidadão é, antes, alguém que se encontra em pé de
igualdade e desempenha um papel igual a todas as outras pessoas na formulação de
regras gerais comuns e competentes por meio das quais todos organizarão suas
vidas no Estado (OLIVEIRA AFONSO, 2000).
Terceiro, a aquisição do status de cidadão introduz nas pessoas, diz
Rousseau “uma mudança moral”, a qual se reflete nos atos de indivíduos que
estavam até então apenas “naturalmente” relacionados. “Ao atuar como cidadão,
uma pessoa está exercendo não meramente sua força, mas também seus títulos e
direitos; e tem justificação moral e civil para as suas ações”, sendo protegido, se
necessário, na execução das mesmas. Tais ações não expressam somente desejo,
elas consubstanciam projetos racionalmente justificados, tendo atrás de si o peso da
razão legítima (DENT, 1992; CANTO-SPENBER, 2003).
Quarto, Rousseau sustenta que, “em qualquer Estado justo e bem ordenado o
status de cidadão é desfrutado de modo precisamente idêntico por todos os
membros do estado, sem exceção”, e esse é o mais importante status de que
qualquer indivíduo pode gozar. Uma pessoa pode ocupar outras posições no Estado,
efeito, todas essas outras posições são autorizadas por seus ocupantes
responsáveis perante cidadãos em sua capacidade de membros do corpo soberano.
Assim, alguns são governantes e alguns são governados, mas aqueles que ocupam
tais posições de importância só o fazem pela decisão de todos atuando em sua
capacidade de cidadãos (CANTO-SPENBER, 2003).
A expressão “cidadania” vem sendo empregada não apenas para definir a
pertença a uma determinada organização estatal, mas também para caracterizar os
direitos e deveres dos cidadãos. Na filosofia do direito encontramos duas
interpretações contrárias e conflitantes acercada cidadania ativa. Na tradição liberal
do direito natural, que remota a Locke, cristalizou-se uma compreensão individualista
e instrumentalista do papel do cidadão; ao passo que a tradição republicana da
doutrina do estado que remonta a Aristóteles, gira em torno de uma compreensão
ética comunitária desse papel. No primeiro caso, a cidadania é concebida de acordo
com o modelo de uma pertença organizacional capaz de fundamentar uma posição
jurídica; no outro, ela é vista através do modelo de pertença a uma comunidade
ético-cultural que se determina a si mesma.
Segundo a primeira interpretação, os indivíduos permanecem exteriores ao
Estado, contribuindo de certa maneira para sua reprodução a fim de conseguir em
troca benefícios organizacionais. Segundo a outra interpretação, os cidadãos estão
integrados na comunidade política como partes de um todo, de tal modo que para
formar a sua identidade pessoal e social, eles necessitam do horizonte de tradições
Como cidadão é um título compartilhado igualmente por todos, não requer
servidão nem autoriza dominação. É na base somente dessa igualdade que a noção
de cidadania pode ser estabelecida. Pois, se a igualdade for eliminada, dominação e
subordinação devem tomar seu lugar; e tal situação impede o reconhecimento
humano e moral recíproco entre pessoas. A idéia contida no conceito de cidadão é
parte inalienável da dignidade humana, que todo e qualquer membro de um Estado
deve ter assegurada e cuja negação é uma iniqüidade moral fundamental.
As pessoas vivem em comunidades com limites e obrigações, que podem ser
de diferentes tipos. Somente uma cidadania democrática que não se fecha num
sentido particularista, pode preparar caminho para um status de cidadão do mundo,
que já começa a assumir contornos em comunicações políticas de nível mundial.
A cidadania é uma resposta à questão “quem sou eu?” e “o que devo fazer?” a
partir do momento em que sou introduzido na esfera pública. A pertença a uma
comunidade política fundamenta obrigações especiais, a lealdade a uma
determinada comunidade a qual se expressa através da vontade de sacrificar-se em
benefício da comunidade. As próprias potências mundiais não podem mais ignorar a
realidade dos protestos que atingem dimensões planetárias. O estado de cidadão do
mundo deixou de ser uma quimera, mesmo que ainda estejamos muito longe de
atingi-lo.
A cidadania está em crise, tanto da representação como da participação. O
exercício livre das faculdades morais dos indivíduos tem como conseqüência o
membros e sim o inverso por isso acreditamos que é necessária uma discussão
sobre a cidadania e seu exercício.