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1. INTRODUÇÃO

2.3. PLANO DE ANÁLISE

2.3.1. Sobre o conceito de Modelo

Vulgarmente, designa-se modelo um objeto cuja função é ser imitado e reproduzido, como um padrão. Assim, fala-se, por exemplo, num comportamento ou modo de vida ideal – como um professor ou estudante arquetípico (CARVAJAL VILLAPLANA, 2002). Mosterín (1987, p. 153, apud CALVO VÉLEZ, 2006) assinala que a palavra modelo apresenta dois sentidos fundamentais que se contrapõem na linguagem cotidiana. Por um lado, refere-se ao que foi representado; por outro, ao extremo oposto da relação, que é a representação em si. Tomando como exemplo um objeto A, tem-se que ele é modelo para o objeto B, que posteriormente vem a se tornar ele próprio um modelo do objeto A inicialmente reproduzido. Nesse sentido, pensa-se, em termos abstratos, num determinado comportamento exemplar a ser imitado, sendo ele próprio o modelo. Após incorporado por um determinado indivíduo, este torna-se, por sua vez, o modelo a ser representado.

Distinta da sua acepção vernacular, para Calvo Vélez (2006) a noção de modelo constitui, para âmbito da filosofia da ciência, um dos temas centrais. Historicamente presentes nas Ciências Naturais – Física, Química e Biologia –, os modelos têm sido utilizados como parte indispensável da explicação científica também nas Ciências Humanas e Sociais, como a Economia, Linguística, Psicologia, Antropologia, Ecologia. Tal centralidade tem se justificado, possivelmente, pela

utilização por parte da ciência de todo tipo de modelos para representar fenômenos de naturezas distintas, em uma tentativa de descobrir e compreender a partir de um ponto de vista racional as regularidades com as que o mundo se nos apresenta. Os modelos são hoje em dia uma ferramenta fundamental de análise, descrição e predição que a ciência dispõe para levar a cabo a sistematização, controle e compreensão dos aspectos mais relevantes da realidade física e social (CALVO VÉLEZ, 2006, p. 17).

Para Carvajal Villaplana (2002), em perspectiva epistemológica, o modelo pode ser considerado uma espécie de descrição ou representação da realidade (fatos, situações, fenômenos, processos, estruturas, sistemas entre outros), que, via de regra, está atrelada a pressupostos teóricos. Trata-se, para o autor, de uma idealização e aproximação esquematizada, visto que não tenta representar a realidade, mas seus somente aspectos importantes e significativos. Portanto, “o modelo é incompleto e nunca é o mundo real (CARVAJAL VILLAPLANA, 2002, p. 40).

Tal é a perspectiva do filósofo da ciência Mario Bunge, para quem modelos e teorias, entendidas como sistema de hipóteses que suposta e aproximadamente explicam um dado de realidade (BUNGE, 1969 apud CUPANI; PIETROCOLA, 2002, p. 108), são peças-chave e indissociáveis do processo de construção do conhecimento científico. Nesse processo de representação da realidade operado pelas teorias, é preciso notar que

que toda teoria factual enfoca tão somente alguns aspectos da realidade, considera unicamente algumas variáveis e introduz apenas algumas relações entre elas. Vale dizer que toda teoria investiga o mundo esquematicamente, referindo-se a um modelo e não à realidade em toda a sua riqueza e complexidade (CUPANI; PIETROCOLA, 2002, p. 109).

A construção de modelos teóricos que possam apreender, da maneira mais completa possível, determinado fenômeno é, conforme Bunge (1974), a atividade típica da pesquisa científica. Esse processo envolve a construção de objetos-modelo e modelos teóricos demarcados por uma teoria geral, a fim de dar conta do fenômeno.

Para Bunge (1974), o objeto-modelo é a representação esquemática de um objeto ou fenômeno. Escapa-lhe, contudo, certos traços do fenômeno em questão, capturando apenas aproximadamente as relações entre os aspectos a que ele refere. Por essa razão, “um objeto- modelo, mesmo engenhoso, servirá para pouca coisa, a menos que seja encaixado em um corpo de idéias no seio do qual se possam estabelecer relações dedutivas” (BUNGE, 1974, p. 23). Surge, então, o modelo teórico, “um sistema hipotético-dedutivo que concerne a um objeto modelo, que é, por sua vez, uma representação conceitual ou esquemática de uma coisa ou uma situação real ou suposta como tal” (BUNGE, 1974, p. 16). Como o objeto-modelo, todo modelo teórico é parcial e aproximativo e busca apreender apenas uma parcela das particularidades do objeto em questão. Tais elementos precisam ainda, de modo a compor um sistema teórico sólido, estar enxertados numa teoria geral que apresenta certos pressupostos que darão a tônica desse complexo explicativo.

Há muitas espécies de objeto-modelo, bem como de modelo teórico, os quais variam em função dos objetivos do pesquisador, bem como de seus pressupostos filosóficos e epistemológicos. Tomando como exemplo a atividade científica na Psicologia, é possível definir, como fenômeno a ser estudado, a conduta humana. Cada escola de pensamento, no entanto, irá propor distintas conceituações para a conduta humana, que conformam um objeto- modelo particular, com determinadas características do fenômeno ressaltadas e descritas, dispostas de maneira esquemática e conceitual num modelo teórico que estabelece dinâmica e funcionamento dos elementos do objeto-modelo em questão.

Em suma, temos o objeto-modelo representando os traços-chave de um objeto concreto (fenômeno); o modelo teórico especificado; o comportamento e/ou mecanismo interno; e a teoria geral9 que acolhe o modelo teórico (BUNGE, 1974). Para o autor, fica evidente que, embora os objetos-modelo e seus modelos teóricos correspondentes aspirem à explicação dos fenômenos, o conhecimento criado não retrata a realidade per se. A relação é sempre de aproximação, de modo que o “ajuste entre um modelo empírico e os dados experimentais nunca é total” (CALVO VÉLEZ, 2006, p. 12). Como expõem Cupani e Pietrocola (2002, p. 124) “a explicação científica não constitui uma cópia da realidade, mas uma representação simbólica sempre imperfeita, porém aperfeiçoável, da mesma”.

Um modelo – entendido daqui em diante sempre em sua composição dual de objeto- modelo e modelo teórico – apresenta segundo Ladrière (1978 citado por CARVAJAL VILLAPLANA, 2002), uma forma paradigmática que é o sistema, entidade ideal composta de elementos funcionais entre os quais se estabelecem relações e passível de ser decomposta em outros subsistemas. O real, por exemplo, pode ser compreendido como um complexo sistema, uma rede de relações entre seus elementos, e suscetível de ser repartida em subsistemas, como o cultural, o econômico, o político, o científico e o tecnológico, cada um deles agindo em função de algum outro subsistema, em constante interação (CARVAJAL VILLAPLANA, 2002).

Dado que, de uma perspectiva ontológica, o real não pode ser decomposto em partes, tal divisão serve para efeitos de estudo, e o modelo como meio para acessar a realidade, tendo, portanto, um caráter meramente instrumental e jamais deve ser usado como um fim em si mesmo (CARVAJAL VILLAPLANA, 2002).

9 Cabe, a título de esclarecimento, a advertência feita por Bunge (1974) no que tange às teorias gerais. No caso da

Psicologia, no sentido kuhniano uma área não-paradigmática, eventualmente o modelo teórico confunde-se com a própria teoria geral, dado o caráter de diversidade teórico-metodológica e a ausência de teorias generalizáveis.