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6 ANÁLISE DOS DADOS EM TERMOS DE FREQUÊNCIA ABSOLUTA E PESO

6.5 VARIÁVEL LINGUÍSTICA ESTATISTICAMENTE RELEVANTE

6.5.2 Sobre o forma cê

De acordo com a proposta de Vitral (1996), o item cê passa por uma das etapas da gramaticalização: a cliticização

O autor analisa a forma cê, evidenciando essa possibilidade pelo fato de se ter como referência o pronome lexical Vossa Mercê, que se apresenta atualmente como forma gramatical. Vitral mostra os seguintes estágios para a forma cê:

Item lexical: Vossa Mercê> item gramatical: você > clítico: cê> afixo flexional.

Sobre a ordem proposta por Vitral, podemos demonstrar a gramaticalização do item:

Item lexical> vossa mercê (variante vosmecê e outras) > item gramatical forma pronominal

você (variante ocê)> clítico cê.

Esse processo de gramaticalização, que implica perda de substância fônica, é perceptível tanto na evolução de Vossa Mercê> você como na evolução de você>cê. Os clíticos são formas dependentes e não têm autonomia prosódica, por isso não aparecem sozinhos, motivo por que se apóiam em palavras que os acompanham. Assim, os clíticos no português brasileiro dependem de um hospedeiro e não ocorrem sem um elemento à direita. Essa dependência pode ser fonológica e/ou sintática. Na opinião de Vitral (2002), a dependência de cê é sintática, tanto que considera que o item sofreu redução fonológica de você. Este se tornou um item gramatical com o passar dos tempos e, por isso, sofreu enfraquecimento do significado em sua forma fonológica. Dessa forma, cê é um clítico do pronome você, uma forma gramatical que depende de um elemento hospedeiro. Os clíticos, no português brasileiro, ocorrem sempre antes do verbo; no português europeu, ocorrem de modo contrário. Assim, para os itens você, ocê no sintagma nominal na posição pré-verbal não há restrição de

ocorrência, entretanto essa situação não se aplica para o uso da forma cê, pois, dependendo do lugar ocupado por essa forma, a frase fica agramatical.

Vejamos os exemplos24, alguns retirados dos corpora desta pesquisa, que podem atestar a reflexão anterior, no sentido de se afirmar que você e ocê transitam em qualquer situação, e, por isso, podem ocupar lugar tanto antes como depois do verbo. Já a forma cê, que se encontra em processo de cliticização, como postulam Vitral e Ramos, possui restrição de uso e só aparece em posições específicas.

1) Não pode ocorrer depois de preposição, pois essa ambiência é propícia de formas tônicas:

a) Informante: Que eu mais gostei quando eu fui pra Fortaleza com meu pai e a minha tia já

te falei acho pra você, nos fomos pra São Paulo de Vitória pra São Paulo e lá compramos uma Camionete e famo embora lá pra lá pra Fortaleza.

b) já te falei acho pra ocê (pro`cê).

c) * já te falei acho pra cê.

2) Não pode ser modificada por um advérbio:

a) Entrevistador: e:: você tem... é sua irmã:: ela estuda também:: ou:: só você aqui?

b): ou:: só ocê aqui?

c) * ou:: só cê aqui?

3) Não pode ser dado ênfase ou foco na forma cê:

a) Informante: Aí.. sabe você...quanto era a verba?

b) Aí sabe ocê quanto era a verba?

24

Cabe esclarecer que os dados assinalados pela numeração 1, 2, 3, 4 e 5, todos relativos ao pronome você, são dados reais, retirados dos corpora, e os dados entre parênteses relativos aos dados ocê e cê são hipotéticos.

c) * Aí sabe cê quanto era a verba?

4) cê não pode ocorrer na função de item topicalizado como uma resposta isolada, pois a atonicidade não permite essa construção:

a) Entrevistador: Quem pulou no Vital? Informante: Você (risos)

Entrevistador: Eu não (risos).

Entrevistador: e você fica em algum blo::co ou você::

Informante: não, eu fico na muvuca (risos) só (ininteligível) eu fiquei na arquibancada fiquei

na arquibancada e papai ia comprar camarote (ininteligível)

b) Entrevistador: Quem pulou no Vital? Informante: ocê (risos)

c) Entrevistador: Quem pulou no Vital? * Informante: cê (risos)

5) Não pode ser topicalizado:

a) Entrevistador: E como era assim a sua vida antes da conversão (falando sobre a Igreja Evangélica), você, ela (referindo-se à mãe da informante) acha que... quais era as diferenças

de antes de depois que mudou.

b) ocê, ela (referindo-se à mãe da informante) acha que...

c) *cê, ela (referindo-se à mãe da informante) acha que...

Segundo Vitral e Ramos, a agramaticalidade de cê em ambientes nos quais outros clíticos não são aceitos no português brasileiro comprovaria a adoção de cê como um novo clítico.De fato, a forma cê não ocorre em todos os ambientes, conforme pôde ser visto nos exemplos anteriores. Em todos os casos teóricos de Vitral, o cê comporta-se como um clítico, visto que é pré-requisito para um clítico necessitar de um outro elemento como hospedeiro. Dessa forma, o elemento cê, naqueles contextos, tem restrição de ocorrência, pois não houve um

elemento no qual esse item pudesse se escorar. No nosso corpus, mesmo aparecendo nas orações de sujeito precedido da preposição para, onde ocorre um hospedeiro (verbo+oração), ainda assim a forma cê foi inibida, não foi uma situação recorrente, conforme se comprova no

corpus, na tabela 33, pois de quarenta e seis ocorrências apenas em duas situações foi

identificada a presença desse item.

Tabela 33 - Efeito do sujeito precedido da preposição para em relação à forma você no PORTVIX Função

sintática

Frequência de você

Total das formas você

e CE Percentual da forma você

Sujeito precedido da preposição para

44 46 95,7%

São elas:

Informante: Estuda pra cê têr um grau maior de... de de de est de conhecimento. Informante: Pra cê vê, né?

A ausência de cê como complemento de preposição, como vimos na tabela 31, p. 107, está conforme as previsões de Ramos e Vitral e também em consonância com os resultados de Andrade (2004) para os dados de Brasília. Temos, dessa forma, evidências também no nosso trabalho do processo de cliticização do pronome cê.