• Nenhum resultado encontrado

6 SOBRE A LEITURA DA CONSTRUÇÃO DA ATMOSFERA DURANTE

6.2 SOBRE OS SIGNOS CINÉTICOS: A EXPRESSÃO FACIAL, O GESTO

Entramos agora no campo dos signos relativos ao trabalho corporal. Temos aqui a analogia entre o corpo do ator e o espaço-tempo onde as imagens estabelecidas por eles criam significados a partir de suas relações.

O trabalho da direção aqui é minucioso, pois Forjaz sempre afirma que o seu maior prazer é o trabalho com o ator, ou seja, com a direção de ator. É neste momento que a diretora atua com maior precisão. Cada detalhe da cena é sempre estudado, estruturado e revisado pela diretora e pelos atores. A diretora realiza em quase todos os ensaios um trabalho de decupagem das cenas revisando as intenções de cada gesto, de cada expressão facial.

Porém, neste trabalho da direção de estruturação dos corpos dos personagens na efetivação uma narrativa corporal, Forjaz conta com o auxilio da coreógrafa Lu Favoreto, que já trabalha há um bom tempo com a diretora. Favoreto é responsável pela direção de movimentos, ou seja, pela expressão corporal dos atores. Seu oficio é conduzir os atores ao entendimento do que venha ser o corpo dos personagens. Ela instiga e provoca os atores no seu processo de criação.

As relações não são fechadas, mas há uma busca pelo entendimento dos corpos desse casal que está em processo de transformação. É essa atmosfera de transformação que ultrapassa a cena e está presente no trabalho corporal que configurará na atmosfera do espetáculo.

Temos aqui no processo da coreógrafa um trabalho estruturação de corpos que estão em trânsito. Neste ambiente onde tudo está se transformando, onde uma coisa se transforma em outra que Forjaz e Favoreto estabelecem a espacialização da cena. A atmosfera aqui é de trânsito, corpos em um ritual de passagem. Existe a construção de uma comunicação visual que é direcionada no intuito de evidenciar essa atmosfera de transformação.

Favoreto auxilia os atores na criação de partituras para os personagens estabelecendo uma estruturação física para estes. Durante o trabalho ela também teve certo cuidado com o ator Edgar Castro, pois percebeu nele a necessidade em estabelecer um corpo feminino, principalmente nos momentos em que personagem entra em crise. Era preciso que o ator entendesse ali naquela crise os hormônios femininos. Este cuidado é também para evidenciar as diferenças; o ator está interpretando uma personagem feminina que sofrerá uma transformação inesperada e intensa em sua vida. Na mesma via existe também a busca pelo corpo masculino na atriz Lúcia Romano.

Favoreto utilizou com os atores o que ela define como: sistema reto e o sistema cruzado. A coreógrafa afirma que desenvolve este procedimento a partir de sua relação com os trabalhos de Klaus Vianna. Favoreto declara que a proposição destes sistemas corporais auxilia os atores na criação de seus papéis.

Os atores devem estar atentos ao sistema que estarão utilizando em sua atuação. O sistema reto e o sistema cruzado é segundo Favoreto uma tentativa de estruturação. Ela considera tais sistemas como um procedimento de direcionamento corporal. Afirma também que um sistema se apoia no outro. O sistema reto se utiliza do sistema cruzado para se dinamizar. O sistema cruzado se utiliza do sistema reto para se estruturar. O entendimento destes sistemas proporciona uma possibilidade do percebimento de como um ator se coloca em oposição ao outro.

Em dado momento questionamos o sistema reto como um direcionamento mais masculino e o sistema cruzado mais feminino, no entanto Favoreto é pontual em afirmar que não existe um direcionamento tão certeiro, mas que existem sim preponderâncias. Segue aqui um trecho da entrevista onde Favoreto nos explica sobre estes sistemas:

Lu Favoreto - Sua origem vem da coordenação motora. A fundamentação do meu trabalho tem a ver com Klaus Viana e a coordenação motora e todos os links que eu consegui construir com esses métodos de consciência corporal. No caso do Klaus Viana tem uma técnica de improvisação. A coordenação motora tem esses dois conceitos, sistema reto e sistema cruzado. Que se articulam pra gente se mover dentro da coordenação motora. O sistema reto tem a ver com endireitamento, rolamento e simetria objetividade e sustentação; o sistema cruzado tem a dinâmica, sinuosidade, instabilidade. Não é separado, eles trabalham juntos no nosso corpo, mas se a gente for separar o sistema reto é entre aspas mais da estática outro e da dinâmica.

Breno - Podemos dizer que trabalho você definiu o sistema reto e cruzado como masculino e feminino?

Lu Favoreto – Não é bem definir, são preponderâncias, tem que tomar cuidado com essas aspas, eles trabalham juntos, que nem tempo-espaço não existe um sem o outro, mas nesse lugar do feminino da sinuosidade a gente chegou mesmo a reconhecer uma preponderância. (Entrevista concedida pela coreógrafa Lu Favoreto, na cidade de São Paulo no dia 24 de abril de 2015).

O entendimento da utilização destes sistemas nos revela um pouco mais sobre a natureza significativa que se estrutura na relação entre os corpos e o espaço-tempo. A peça fala o tempo todo desta relação entre corpos femininos e masculinos em estado de transformação, em estado de passagem.

Os corpos criados dentro deste trabalho são corpos fluídos, porque os atores além deste processo de transformação pelo qual os personagens passam, têm de estar sempre preparados, pois nunca sabem qual personagem irão interpretar em cada dia de apresentação. Mais uma vez evidenciando a atmosfera de transformação que se faz presente o tempo todo na peça.

Um momento que podemos descrever a respeito do trabalho corporal e suas relações com o espaço são os momentos de crise da personagem Ela. No texto de Cássio Pires estas cenas acontecem fora de cena e a indicação é para que se ouvissem barulho da quebra de eletrodomésticos. Porém, na encenação de Forjaz esta cena acontece visível para o público com a personagem jogam jogando gelo para todos os lados. Aqui a pesquisa corporal é intensa, neste momento foi preciso todo um trabalho com ator, para quando ele estivesse interpretando Ela, entendesse a relação dos hormônios femininos. Pois esse era o momento onde a personagem tinha acabado de descobrir que um pênis havia saído de dentro dela.

São relações diferentes que se instauram na criação de cada ator, referenciais diferentes para as duas possibilidades que estavam no jogo. Quando Lúcia Romano estava interpretando Ela havia a necessidade do entendimento corporal em uma mulher que estava recebendo um pênis, quando Edgar Castro interpretava Ela havia a necessidade do entendimento de como seria não ter um pênis. E obviamente as transformações hormonais e físicas advindas dessa transformação. Todo este delicado trabalho de entendimento destes signos, deveriam aparecer presentes na cena. Na atmosfera destes corpos em transformação.

Importante afirmar que as potencialidades estabelecidas por suas interpretações reverberam em diferentes atmosferas. Estabelecendo dois espetáculos diferentes, pois o tônus de cada ator na interpretação é dado pela sua visão do texto e da peça; mais que isso também é dado por sua visão de mundo. É fato, também, que o gênero e sua estrutura corporal influenciam na criação de cada ator.

Em entrevista, Favoreto mais uma vez afirma a seriedade do trabalho de imersão no tema e no texto como sustentação para a estruturação destes corpos na pesquisa acerca da expressão corporal, facial e na espacialização da cena. A coreógrafa ressalta a importância de um contundente estudo do tema e do texto anterior à pesquisa corporal:

No caso do “Maria que virou Jonas” especificamente foi bem importante, pois eu participei bastante do trabalho de mesa, sempre que possível. Isso pra mim foi bastante importante e a gente percebia na própria dramaturgia, no texto do trabalho, percebíamos que existia uma abertura para o trabalho corporal, para um trabalho coreográfico. Então as pistas que a gente encontrou pra entrar no trabalho mais dançado vieram muitas do próprio texto. Claro que da nossa leitura do texto. Por exemplo, quando indicava os surtos e que os surtos tinham a ver com quebrar, quebrar coisas e que pra gente era quebrar dentro do corpo. Então essa leitura, esse trânsito do que aconteceria num gesto mais funcional em relação ao objeto a uma leitura mais quotidiana de um surto que pra gente virou um surto dançante, coreográfico. Então, por exemplo, pra mim o surto foi uma pista muito forte, esse surto de transformação do corpo. Foi um grande prazer, em vários textos que trabalhamos não tivemos essa pista, tínhamos que achar na própria encenação e não no texto. No trabalho em geral eu tenho um procedimento que tem a ver com encontrar pistas de construção e de apoio do personagem no corpo interno, nos

princípios de movimento, estruturas corporais e no caso do Maria que virou Jonas tínhamos essa questão do gênero.” (Entrevista concedida pela coreógrafa Lu Favoreto, na cidade de São Paulo no dia 24 de abril de 2015).

Apontamos nesta fala de Favoreto o ponto que nos interessa acerca do trabalho de estruturação corporal a partir dos procedimentos adotados por ela e de como estes auxiliam a diretora e os atores na efetivação da cena. Para a coreógrafa existe a importância de uma pesquisa anterior ao trabalho de sustentação corporal que juntos compõe a criação da cena. Este trabalho de base é um dos fatores que coloca o ator em consonância com a atmosfera do espetáculo.

A coreografia criada por Forjaz junto aos atores na espacialização de cena se apropria destes signos estabelecidos no trabalho de Favoreto. De modo que os movimentos gerados a partir dos procedimentos de Favoreto, realizam uma narrativa muito objetiva no que tange este processo de transformação.

Forjaz procurava sempre que possível discutir e questionar com Lu Favoreto o estudo da espacialização e corporeidades. Durante os ensaios as cenas eram sempre estudadas, mesmo quando estão consideradas prontas. Cibele permanecia em todos os ensaios sempre atenta e cuidando para que toda a movimentação acontecesse de forma limpa e clara. Para que cada gesto tivesse a sua precisão no que ele precisava comunicar