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6 A OFICINA “CINEMA BRASILEIRO E FORMAÇÃO DE

6.1 As narrativas

6.1.1 Sobre o que é cultura e o que é cinema

Visando identificar os diferentes tipos de percepção em relação ao que é cinema e para dar início às discussões, formando a primeira categoria de análise, a primeira pergunta feita foi “o que é cinema para vocês? O que vocês consideram como cinema?” Fantin (2009, p. 206) também tenta fazer esse levantamento – citado no item 3.1 da investigação - “É arte, entretenimento, indústria, cultura? É narrativa, linguagem, dispositivo? É instrumento, meio ou fim? Enfim, quais dessas perspectivas estão mais presentes na educação?”.

Buscando responder de alguma forma as perguntas levantadas, podemos nos basear em algumas repostas dos estudantes:

LUCIANA - Uma exposição de uma arte.

PATRÍCIA - Uma reprodução de uma história, sendo ela fictícia ou real.

CAROLINA - Diversão.

BRUNA- Cultura, entretenimento.

LUCAS - O retrato de uma realidade, de um contexto.

As respostas foram simples, mas plurais. Apresentam uma visão reduzida do complexo objeto cinema. Muitos autores, no entanto, concordariam com a visão de PATRÍCIA, apontando que cinema, em última instância, ainda é contar histórias. Devemos, no entanto, ter cuidado com a palavra “reprodução”. Unindo essa à fala de LUCAS, podemos problematizar: cinema é construção, é representação, e pensá-lo enquanto um retrato de uma realidade ou um contexto, ou mesmo uma reprodução, pode ser uma forma ingênua de enxergar o meio - principalmente se pensarmos em documentários (que muitas vezes são

ingenuamente acatados como “verdadeiros”, sem o afastamento crítico de que aquilo é a construção de um ponto de vista).

Já ao falarmos de diversão e entretenimento, parece ainda ser essa a visão que predomina. Cultura e arte parecem ficar secundárias. É importante ressaltar que em nenhum momento aparece a concepção de cinema como linguagem, indicando, talvez, pouca atenção às particularidades do meio. A resposta “cultura” iniciou uma longa discussão sobre o que é cultura. Questionados sobre o termo, algumas das respostas foram:

LUCAS - Eu tenho uma preocupação com isso da gente conceituar o que é cultura. Porque falar que o filme que a gente vê no cinema é produção em massa não é cultural, claro que é, tanto que é chamado de cultura (em massa SIC) de massa. Mas é a questão, o que é cultura?

ULISSES– Na questão de ter não muito conhecimento, no caso de ter “pouca cultura”, por exemplo, se a pessoa é analfabeta, a gente fala “ah ela não tem cultura”, mas ela tem.

ULISSES - Tudo que é produção humana é cultura.

LUCIANA - Tudo é cultura.

LUCAS - E daí você consegue colocar em várias, você agrupa, dentro da cultura você tem as artes – artes cênicas, artes plásticas, artes visuais - você consegue fazer essa divisão. Mas toda essa produção é cultura.

Entendendo que cultura é um conceito amplo, os estudantes apresentaram suas visões tanto de produção de significado e produção artística

quando em relação a conhecimento adquirido. Sendo assim, não haveria melhor oportunidade de introduzir as discussões sobre a indústria cultural.

ULISSES - É uma indústria mesmo né, preocupada só no consumo ali; de cultural tem muito pouco. Igual um filme, uma ficção científica, tá preocupado só com o que vai arrecadar no cinema. Cultura mesmo tem pouco. Diferente de um filme documentário, que esse já está preocupado com a cultura, não está preocupado com o que você vai ganhar com aquilo ali.

A fala do estudante deixa clara a questão do consumo e retira o conceito de “cultura”, pensando-o mais como algo “benéfico” ou artístico, assim, “A sua profundidade pode ser identificada justamente naquilo que possui de mais ambíguo, pois se ambos os termos – indústria e cultura – são interdependentes, contudo não se realizam completamente” (ZUIN, 2001, p. 10-11). No entanto, podemos perceber a falta de discussões sobre o documentário, que ainda é visto como algo redentor, sem preocupações com lucro, mas preocupado em melhorar o mundo.

LUCIANA – Eu acho que a indústria cultural, a partir do momento em que ela provoca ações e transformações na realidade do ser humano e faz com que o ser humano seja um reprodutor do que ele está vivenciando. Ele apenas reproduz o que a indústria oferece para ele, ou seja, o consumo, [...] tudo o que ela puder oferecer para que o indivíduo não tenha a capacidade, a liberdade de se expressar, ou pensar sobre o que ele está vivenciando. Mas apenas aceitar o que está sendo imposto e reproduzir.

O pensamento de LUCIANA é bem elaborado em relação às consequências da existência da indústria cultural. Isso porque aponta a

necessidade do consumo para participar da sociedade, bem como a imposição sobre a individualidade dos sujeitos. Suas ideias podem ser corroboradas pela fala de Zuin (2001).

Esse é o objetivo central do sistema de produção calcado na falsidade de que a massificação da cultura realmente possibilita a emancipação coletiva. Nesse reinado de clichês, tudo que possa vir a público já se encontra tão profundamente demarcado que nada pode surgir sem exibir de antemão os traços e os comportamentos demarcados pelo “gosto popular” (ZUIN, 2001, p. 12).

Assim, pode-se reiterar que o conceito de indústria cultural extrapola somente os meios de produção, mas, como aponta Canclini (2006) atinge todas as esferas transformando cidadãos em consumidores, impondo a identificação não mais pelo seu lugar no mundo (nação, região), mas por possuir marcas e ao frequentar bens culturais voltados para a massa. Nesse entendimento, então, a arte (produção cultural) seria vista como mais um objeto de mercadoria, sujeita a leis de oferta e procura do mercado, e que visa passar uma visão passiva e acrítica do mundo. O público tem o que quer, fechando-se a novas experiências estéticas.

Podemos trazer à discussão Duarte Júnior (2000, p. 171) que discorre sobre a educação do sensível:

Decorrentes de nossa sociedade industrial, as condições de mercado influenciam o tipo de educação a que estamos submetidos, a qual contribui, sem contestação, para a formação desse tipo de pessoa que, compartimentada, movimenta-se entre uma vida profissional e um cotidiano sensível, cotidiano para o qual parece não possuir o menor treinamento com base no desenvolvimento e refinamento de sua sensibilidade.

Com o debate ainda em torno de cultura, indústria cultural, cinema e consumo, levantou-se a pergunta: o espectador está preparado para saber identificar que esse é um filme “comercial”, “industrial”, “de entretenimento” ou de “arte”?

LUCAS - Esse cinema que a gente chama, essa produção em massa, o cinema de Hollywood, ele tem um valor significativo porque ele fomenta o ócio criativo, é um outro conceito. É a parte criativa de um indivíduo que é extremamente necessária para a formação.

LUCIANA - O problema é na forma de se expressar o conteúdo.

LUCAS - Eu gostaria de dizer, não tem filme bom ou filme ruim porque não existe produção cultural “arte boa ou arte ruim”, isso é julgar com valor moral. Agora, dentro de conceito, um filme é um filme, um quadro é um quadro, uma música é uma música. Como por exemplo, se alguém falar que funk não é música, dentro do conceito de o que é uma música, o funk tem melodia, tem letra, e isso o encaixa como música. Agora eu falo que é bom ou é ruim...

DIANA - Eu acho que esse sucesso é muito ligado à questão de investimento mesmo. Porque por exemplo, você põe “Malévola” de Robert Stromberg (MALÉVOLA..., 2014), com Angelina Jolie, que é uma pessoa que o mundo conhece e faz em cima disso uma “puta” produção, de 3D, de maquiagem, de figurino, de tudo, sabe, por mais que você tenha um senso crítico para assistir aquele filme, é uma coisa atraente. Assim como todos os outros filmes de super-herói. A grande maioria deles é uma produção gigantesca.

Ao falar de produção em massa, entende-se que os estudantes falam do universo da cultura de massa,

[...] isto é, produzida segundo as normas maciças da fabricação industrial; propaganda pelas técnicas de difusão maciça (que um estranho neologismo anglo-latino chama de

mass media); destinando-se a uma massa social, isto é, um

aglomerado gigantesco de indivíduos compreendidos aquém e além das estruturas internas da sociedade (classes, família, etc) (MORIN, 2007, p. 14).

Embora LUCIANA nem tenha percebido, pode estar apontando possibilidades de pensar a forma cinematográfica, os estilos e as formas narrativas, sinalizando que existem diferentes formas e que elas geram diferentes sensações e estímulos ao pensamento, e que, de alguma maneira, essas formas se relacionam com o “objetivo” de cada cinema, de cada produto. Já LUCAS aponta a necessidade da criatividade na formação do indivíduo, e volta a abranger o conceito de cultura a um sentido antropológico: tudo é cultura, não só o que a indústria cultural produz.

Ou ainda, de acordo com Morin (2007, p. 15) “a cultura de massa é uma cultura: ela constitui um corpo de símbolos, mitos e imagens concernentes à vida prática e à vida imaginária, um sistema de projeções e de identificações específicas”.

E ainda, o produto dessa cultura de massa, o produto cultural, “está estritamente determinado por seu caráter industrial de um lado, seu caráter de consumação do outro, sem poder emergir para a autonomia estética” (MORIN, 2007, p. 18), o que pode começar a explicar a separação dos diferentes tipos de cinema.

Para concluir o presente assunto, segue a fala de um dos pibidianos no diário de bordo:

“A conversa inicial juntamente com as questões apresentadas, contribuiu para construir e desconstruir representações tanto no conceito da cultura e indústria cultural, como também considerar o cinema além de entretenimento/consumo/massa, e sim, produção sóciocultural”.