• Nenhum resultado encontrado

PARTE 2 : EIXO Y AÇÃO

4.1 O AGIR SOCIAL

Nos estudos das Ciências Sociais, diversas são as correntes teóricas que colocam na defesa da ação seu ponto central de fundamentação. Na verdade, a relação indivíduo / sociedade traz, como o ponto de tensão que liga esses conceitos, um espaço elástico onde atuam, de um lado, as forças da determinação social, como no estruturalismo e no funcionalismo, e de outro, e as forças da ação individual, como o Interacionismo Simbólico e os Estudos Culturais. A partir de um paradigma de investigação interpretativo, são apontadas algumas reflexões de autores que se detiveram sobre a questão da Ação nos processos interativos sociais, como as linguagens.

Max Weber (1864-1920), sociólogo e cientista político alemão, considerado um dos fundadores da Sociologia, foi também um dos mais importantes pensadores a abordar essa questão de forma a dar a devida importância ao aspecto da subjetividade individual nas interações sociais, e que servirão de ponto de partida para diversas outras reflexões sobre a Ação. De todo o seu amplo conjunto teórico, nesta tese, a discussão será limitada apenas às suas considerações sobre esse tema, do indivíduo como agente social. Como comenta Domingues:

Para aqueles que enfatizam o papel do indivíduo na vida social, as explicações da sociologia deveriam, ao fim e ao cabo, ser "reduzidas" a seu comportamento. Esta é a reivindicação dos "individualistas metodológicos". Weber, talvez o primeiro deles, observou que todas as construções conceituais da própria vida social - como, por exemplo, segundo ele mesmo, o Estado - devem ser "reduzidas" ao sentido que o indivíduo atribui a elas. Em si mesmas, elas não existem ou não tem significado. (DOMINGUES, 2004, p. 13-14). (grifos do autor).

Contemporâneo de Karl Marx (1818-1883), porém em oposição teórica a ele, ao combater a ideologia do materialismo histórico e enfatizar o papel do sujeito como determinante sobre as estruturas sociais, Weber relativiza assim essa relação e dá importância aos sujeitos, aos contextos e formas culturais, como lembrado por Geertz (1989, p. 15), em que prevalecem os processos subjetivos de atribuição de significados a esses contextos pelos indivíduos.

Na perspectiva da tese, o conceito importante em Weber é de ação social, que está intimamente ligada às idéias de interação e de significados compartilhados, e que caracterizam e diferenciam essas ações de outras ações individuais:

Por "acção" deve entender-se um comportamento humano (quer consista num fazer externo ou interno, quer num omitir ou permitir), sempre que o agente ou os agentes lhe associem um sentido subjectivo. Mas deve chamar- se acção "social" aquela em que o sentido intentado pelo agente ou pelos agentes está referido ao comportamento de outros e por ele se orienta no seu decurso. (WEBER, 2009, p. 21) (grifos do autor).

Weber coloca como assim como condição das ações sociais a participação do outro, um aspecto de alteridade, que demanda e constrói a produção dos significados para essas ações. O "sentido social" só existe assim se orientado para a ação humana, pois ela está inextricavelmente ligada à interação com o "outro". Como resultado dos processos culturais, os elementos objetivos do mundo também são resultantes e geradores de significados nessas interações, pois carregam esses significados implícitos, tanto na sua produção quanto no seu uso, como enfatizado no Capítulo 1, em que se discutiu a subjetividade presente, mesmo nos processos científicos pretensamente objetivos. Weber explica que:

Todo o artefacto, por exemplo, uma 'máquina', só é interpretável e compreensível a partir do sentido que a acção humana ( com metas possivelmente muito diversas) conferiu (ou quis conferir) à produção e ao uso deste artefacto; sem o recurso a tal sentido permanece de todo incompreensível. O que nele há de compreensível é, pois, a referência ao agir humano, que como 'meio' ou como 'fim', imaginado pelo agente ou pelos agentes e que orientou sua 'acção'. Só nestas categorias tem lugar uma compreensão de semelhantes objectos. Em contrapartida, permanecem alheios ao sentido todos os processos ou estados - animados, inanimados, extra-humanos, humanos - sem conteúdo significativo intentado, enquanto não entram na relação do 'meio' e 'fim' para agir, mas representam somente uma ocasião, estímulo ou obstáculo. (WEBER, 2009, p. 24-25) (grifos do autor).

Além disso, diversos são os fatores contextuais que influem no grau de representatividade do sentido implícito nas ações sociais:

A invasão do golfo de Dollart, no final do século XIII [1277], tem (talvez!) significado 'histórico' como desencadeamento de certos processos de restabelecimento de considerável alcance histórico. O sistema da morte e o ciclo orgânico da vida em geral - desde a impotência da criança até à do ancião - têm, naturalmente, um alcance sociológico de primeira classe graças aos diferentes modos como a acção humana se orientou e orienta por tal estado de coisas. (WEBER, 2009, p. 24-25) (grifos do autor).

Mas, Weber alerta que nem toda ação é ação social. Não são sociais aquelas que se definem, exclusivamente, a partir de objetos e ações materiais que resultam em condutas isoladas, como algumas das atividades cotidianas que não dizem

respeito à interação com outros indivíduos. Nem mesmo aquelas que têm um caráter de expressão externa são - como acontece na contemplação religiosa ou na oração solitária -, segundo Weber, sociais. "Um choque de dois ciclistas, por exemplo, é um simples acontecimento, como uma ocorrência natural. Mas a sua tentativa de se esquivar ao outro e os insultos, a rixa ou a explicação amistosa subsequentes ao choque, seriam "ação social" (WEBER, 2009, p. 44)

Assim, para que uma ação seja social, é necessário, segundo Weber, que ela seja orientada para o comportamento, a participação ou a interação, de algum modo, com outros indivíduos. Por exemplo, como acontece com a significação de troca no uso do dinheiro, em que se estabelece um código, um simbolismo compartilhado coletivamente, onde o indivíduo "orienta sua acção pela expectativa de que muitos outros, mas desconhecidos e indeterminados, estarão também, por seu turno, dispostos a aceitá-lo numa troca futura". (WEBER, 2009, p. 43).

Embora Weber (2009) classifique ainda as ações sociais segundo quatro fundamentos que as determinam - racional com ordem a fins; racional quanto a valores; afetiva; tradicional - 33, o que interessa aqui é a discussão inicial proposta por ele, quanto à distinção entre as ações cujo fundamento é individual e as ações sociais, aquelas orientadas para o discurso e a interação.

Outra contribuição importante para a discussão aqui proposta sobre a Ação são os estudos da filósofa política alemã Hannah Arendt (1906 - 1975). Em seu livro "A condição humana" (2010), Hannah Arendt identifica três categorias de atividades humanas fundamentais: O Trabalho (o trabalho físico), A Obra (o trabalho intelectual) e a Ação (o agir político). Nas palavras da autora:

O Trabalho é a atividade que corresponde ao processo biológico do corpo humano, cujo crescimento espontâneo, metabolismo e resultante declínio estão ligados às necessidades vitais produzidas e fornecidas ao processo vital pelo trabalho. A condição humana do trabalho é a própria vida. A obra é a atividade correspondente à não-naturalidade [unaturalness] da existência humana, que não está engastada no sempre recorrente [ever-recurrent] ciclo

33 1) racional com ordem a fins, determinada por expectações do comportamento de objectos do

mundo exterior e dos outros homens, utilizando estas expectações como 'condições' ou 'meios' para fins próprios racionalmente intentados e ponderados como resultados; 2) racional quanto a valores, determinada pela crença consciente no valor - ético, estético, religioso ou de qualquer outra forma que se interprete - específico e incondicionado de uma determinada conduta puramente como tal e independente do resultado; 3) afectiva, sobretudo emocional, determinada por afectos e estados sentimentais actuais; 4) tradicional, determinada como um hábito vital". (2009, p. 45-46). Weber alerta ainda que estas formas de orientação da ação (que não são, absolutamente, "classificações exaustivas"), não são excludentes. Ao contrário, "a acção, sobretudo a acção social, só rarissimamente está orientada por um ou outro destes tipos". (WEBER, 2009, p. 48).

vital da espécie e cuja mortalidade não é compensada por este último. A obra proporciona um mundo 'artificial' das coisas, nitidamente diferente de qualquer ambiente natural. Dentro de suas fronteiras é abrigada cada vida individual, embora esse mundo se destine a sobreviver e a transcender todas elas. A condição humana da obra é a mundanidade [worldliness]. A ação, única atividade que ocorre diretamente entre os homens, sem a mediação das coisas ou da matéria, corresponde à condição humana da pluralidade, ao fato que os homens, e não o Homem, vivem na Terra e habitam o mundo. Embora todos os aspectos da condição humana tenham alguma relação com a política, essa pluralidade é especificamente a condição - não apenas a conditio sine qua non, mas a conditio per quam - de toda vida política. (ARENDT, 2010, p. 08-09) (grifos da autora).

Estas três condições da vida ativa do homem já eram discutidas pelos filósofos gregos, que as associavam aos espaços privado e público34. Segundo Arendt (2010), no primeiro, é onde o homem exercia as atividades do trabalho para prover suas necessidades da vida (animal laborans) e da fabricação de utensílios, instrumentos, artesanato e outros recursos não existentes no mundo (homo faber). No espaço público, do diálogo, é onde o homem efetivamente exercia, junto aos outros, sua mais alta condição: a liberdade da ação política. Dessa maneira, a ação é a condição humana por excelência ao estar associada e só se realizar na interação com os demais indivíduos. A crítica de Hannah Arendt é que, com a Modernidade e seu modelo tecnicista, se instala no espaço público uma valorização do trabalho como atividade humana em detrimento da ação política como valor de liberdade.

Mas, embora a ação seja suplantada neste novo espaço público pela atividade burocrática, que limita e comporta os indivíduos, Hannah Arendt argumenta que a ação é condição inerente e necessária ao homem, e que uma vida sem discurso e sem ação "é literalmente morta para o mundo; deixa de ser uma vida humana, uma vez que já não é vivida entre os homens." (ARENDT, 2010, p. 221).

E isso acontece porque os homens são iguais, mas também diferentes. A pluralidade humana é assim, conforme Hannah Arendt (2010, p. 219), condição básica tanto da ação (o que iguala os homens segundo a condição de indivíduos que agem) quanto do discurso (o que os distingue como indivíduos):

Se não fossem iguais, os homens não poderiam compreender uns aos outros e os que vieram antes deles, nem fazer planos para o futuro, nem prever as

34 "De todas as atividades necessárias e presentes nas comunidades humanas, somente duas eram

consideradas políticas e que constituíam o que Aristóteles chamava de bios politikos: a ação (práxis) e o discurso (lexis), das quais surge o domínio dos assuntos humanos (ta ton anthropon pragmata, com chamava Platão), de onde está estritamente excluído tudo o que é apenas necessário ou útil. (ARENDT, 2010, p 29) (grifos da autora).

necessidades daqueles que virão depois deles. Se não fossem distintos, sendo cada ser humano distinto de qualquer outro que é, foi ou será, não precisariam do discurso nem da ação para se fazerem compreender. Sinais e sons seriam suficientes para a comunicação imediata de necessidades e carências idênticas. (ARENDT, 2010, p. 219-220).

O discurso e a ação juntos revelam assim um ser único, e são "os modos pelos quais os seres humanos aparecem uns para os outros". (ARENDT, 2010, p. 220). Dessa maneira, assim como Weber (2009), Hannah Arendt (2010) não vê possibilidade de existência de ações e discursos humanos isoladamente, pois eles são "circundados pela teia de atos e palavras de outros homens, e estão em permanente contato com ela". (ARENDT, 2010, p. 235). isso enfatiza que os aspectos de interação, tanto objetiva quanto subjetiva, estão implicados na própria concepção de indivíduo, localizado culturalmente em um espaço de mútua influência. Nas artes, o agir estético é a condição inerente ao fazer artístico, que dialoga e suscita a interação estética do observador, o instiga a agir.