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CAPÍTULO 3 A LÓGICA DA DIVERSÃO COMO PROMOÇÃO DO PÚBLICO E

3.2 Algumas hipóteses sobre o processo formativo dos jovens sob a égide da

3.2.1 O vazio social em tempos virtuais

A primeira hipótese é a de que na sociedade contemporânea, dada a velocidade e o avanço tecnológico dos meios de comunicação presentes na vida do indivíduo e mundo do trabalho cada vez mais acelerado, as pessoas estão cada vez mais adaptadas ao mundo do consumo desenfreado e sem a possibilidade de reflexão sobre tal fato.

A partir dessa pequena experiência relatada no início desse capítulo refletimos sobre o fato de na sociedade grega haver uma clara definição do que era público e o que era privado e na sociedade contemporânea isso não ser mais possível. É claro que temos de considerar as diferentes épocas, a evolução e revolução das sociedades nos seus mais diferentes âmbitos, porém o destaque aqui é no sentido de compreender como essa amálgama entre público e privado interfere na formação de nossa sociedade, em especial, sobre as crianças e adolescentes por meio da influência da indústria cultural midiática e de entretenimento.

O fato de na sociedade contemporânea as crianças e adolescentes terem acesso constante aos meios de comunicação sem um devido cuidado e intervenção por parte dos pais que, na maioria das vezes, não possuem tempo pelos mais variados motivos, parece estar produzindo indivíduos cada vez mais isolados das relações humanas, pois passam a maioria de seu tempo mergulhados num mundo de centenas de amigos virtuais, com os quais se relacionam por meio de redes sociais instaladas em seus celulares e computadores e, em alguns casos, até mesmo pelos aparelhos de televisão na sua versão mais avançada, como as smart- tvs que possuem acopladas internet com aplicativos de redes sociais, jogos, entre outros.

Bauman (2011, p. 13), em sua obra 44 cartas do mundo líquido moderno, relata uma publicação de um jornal americano que conta a história de uma adolescente que nunca está sozinha, está sempre conectada ao mundo virtual, porém nunca está consigo mesma:

O jornal Chronicle of Higher Education publicou recentemente em uma página da internet (http://chronicle.com) a história de uma adolescente que enviou três mil mensagens de texto num único mês. Isso significa que ela mandou uma média de cem mensagens por dia, ou cerca de uma mensagem a cada dez minutos do tempo em que esteve acordada – “manhã, tarde e noite, dias úteis e fins de semana, tempos de aula, horas de almoçar e fazer dever de casa, de escovar os dentes”. Assim, a adolescente nunca ficou sozinha por mais de dez minutos; nunca ficou só consigo mesma, com seus pensamentos, seus sonhos, seus medos e esperanças.

Nesse caldo cultural descrito por Bauman e que parece ser uma constante na sociedade contemporânea, a possibilidade de se fazer experiência tradicional, (erfahrung) tal qual Benjamim a concebeu, se torna cada vez mais difícil, pois se o ser humano está alijado de seu próprio “eu”, de suas necessidades fundamentais e, consequentemente, incapaz de olhar para si mesmo, seu passado, seus desejos, suas vontades, só lhe resta a vivência (erlebnis) num mundo administrado pela sociedade capitalista, no qual o indivíduo se apresenta paralisado e destituído de seu próprio histórico-cultural.

Nessa incapacidade de praticar a arte de olhar para si mesmo e com um esforço descomunal para lidar com a dolorosa solidão que assola inúmeros indivíduos, as redes sociais como facebook, twitter e outras surgem como alento para tais indivíduos, em especial, os jovens, já que estes nasceram sobre a égide da era da virtualidade e da conexão. Nesse sentido, Bauman se refere a uma pesquisa de um professor da Universidade de New York que relata que em cada quatro adolescentes norte-americanos, três utilizam todo o seu tempo útil em sites de bate- papo. Bauman (2011, p.14) exemplifica:

Eles são, por assim dizer, viciados em fazer e receber sons eletrônicos ou imagens, diz o professor. As páginas de bate-papo são novas drogas poderosas em que os adolescentes se viciaram. O leitor sem dúvida já ouviu falar nas crises de abstinência que acometem as pessoas, jovens ou não, viciadas em outros tipos de drogas, e por isso talvez seja capaz de mentalizar a angústia desses adolescentes quando um vírus(os pais, professores) lhes bloqueia o acesso à internet ou desliga seus celulares.

De acordo com Bauman, seria uma tolice responsabilizar a tecnologia eletrônica por essa solidão, pois a eletrônica, como a conhecemos, surgiu a partir da necessidade de suprir o vazio humano que a própria sociedade construiu. É certo, por outro lado, que esses aparatos vinculados à indústria cultural aproveitam dessa pobreza de experiência para vender a promessa de eliminar esse estado de solidão oferecendo seus produtos que prometem “nunca deixar ninguém sozinho”, como se pôde observar na exemplificação da adolescente relatada pelo autor, porém, longe de si mesma.

Esse tipo de mensagem é veiculado constantemente nos meios de comunicação de massa, às vezes de forma explícitas, às vezes mascaradas em programas televisivos, desenhos, propaganda de produtos, etc.. Independente da maneira como a mensagem é veiculada, o objetivo é sempre o mesmo: a promessa de companhia a qualquer momento e a qualquer hora, pois os dispositivos virtuais estão sempre disponíveis, diferente da família e entes queridos que, talvez por isso mesmo, se encontrem cada vez mais distantes. Segundo Bauman (2011, p.14-15):

Os inventores e vendedores de walkmans...sabiam que havia milhares de pessoas nas ruas que se sentiam solitárias e odiavam essa solidão dolorosa e abominável; pessoas que não só estavam privadas de companhia, mas que sofriam com essa privação. Em lares cada vez mais vazios durante o dia, onde o coração e a mesa de jantar da família foram substituídos por aparelhos de TV presentes em todos os cômodos –“cada indivíduo preso em seu próprio casulo” -,um número sempre decrescente de pessoas podia contar com o calor revigorante e alentador da companhia humana; sem companhia, elas não sabiam como preencher as horas e os dias.

Se essa situação cada vez mais comum nos lares demonstra o fracasso das relações humanas na qual o indivíduo tenta desesperadamente fugir da solidão, por outro lado acelera a ascensão dos mecanismos de substituição desse vácuo por algum produto da desperta indústria cultural, pois esta não mede esforços para se aproveitar do dolorido vazio deixado pelas fraturas das relações humanas e substituí-lo por seus produtos. Quando as fraturas, entretanto, são maiores que a própria relação humana, essa situação se converte em objetivação do indivíduo tornando-o o objeto dos produtos. Nesse sentido, Bauman (2011, p. 17) assevera que fugir da solidão é deixar escapar a solitude:

Fugindo da solidão, você deixa escapar a chance da solitude: dessa sublime condição na qual a pessoa pode “juntar pensamentos”, ponderar, refletir sobre eles, criar – e, assim, dar sentido e substância à comunicação. Mas quem nunca saboreou o gosto da solitude talvez nunca venha a saber o que deixou escapar, jogou fora e perdeu.

Diante dessa colocação de Bauman a respeito da não experimentação da solidão ou da impossibilidade da nova geração de ter esse tipo de experiência que parece ser fundamental para a emancipação do indivíduo, a possibilidade de formação de nossas crianças e jovens parece sofrer um duro golpe da semiformação, termo que aqui se refere ao fato de que se os jovens e crianças estão impedidos por conta dessa atual situação, a que se refere o autor de “nunca ter saboreado” a condição de estar consigo mesmo, contribui para a formação de indivíduos que cada vez mais se afastam da sua essência humana. Afinal, é na relação humana que se aprende a ser humano.

Como escreveu Bauman (2011), a atual conjuntura social agarrada aos meios de comunicação virtual e midiáticos tem criado indivíduos sozinhos no meio da multidão e instala-se nos lares, nas escolas – em momentos de descanso entre um período e outro -, no trabalho, nas ruas empanturradas de transeuntes que não se olham, nos shoppings abarrotados de gente caminhando com seus fones de ouvido conectados a algum aplicativo social ou de games, enfim, instala-se nos momentos de tempo livre, de diversão e entretenimento das pessoas.