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1. EM QUE MUNDO VIVEMOS? A SOCIEDADE DA CONEXÃO E DOS CONHECIMENTOS

1.2. A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO E DA CONEXÃO

Quando pensamos nos termos Sociedade da Informação e do Conhecimento, estamos diante de um tema que pode ser considerado recente em termos históricos, mas que, contudo, trouxe consigo profundas transformações nos campos do conhecimento, de uma nova forma de pensar e de estar no mundo, com o advento e crescente desenvolvimento das tecnologias digitais. Podemos dizer que houve uma grande aceleração desta sociedade, com impactos nas economias, nas linguagens, na educação e, sobretudo, nas formas de comunicação.

Como mencionamos anteriormente, o controle da informação, sua classificação e, inclusive, os usuários que se utilizariam para produzir tais conhecimentos era considerado a essência do futuro. Surgiram novas formas de aprender e ensinar, a partir da disponibilidade de informação sobre qualquer assunto ou área de conhecimento humano.

Em termos mundiais, o processo de globalização, do início dos anos 90 produziu uma nova infraestrutura de sociedade em que se estabeleceria relações para além das fronteiras

geográficas, proporcionada, cada vez mais pelo desenvolvimento de tecnologias comunicacionais que expandiram e aproximaram as relações locais e internacionais.

Os campos das comunicações merecem grande destaque, pois seu desenvolvimento impulsionou o que podemos chamar de a grande Rede. O desenvolvimento e movimento de convergência das mídias digitais permitiu um marco na história da humanidade no que se refere a fusão de tecnologias digitais. A intersecção dos termos “convergência” e “informação” ocorreu desde as décadas de 1960 e 1970, de acordo com Burke (2016). O autor prefere referir- se ao termo como “tecnologias” nesta época, pois existia uma grande diversidade em desenvolvimento. O termo convergência (JENKINS, 2014) refere-se muito mais a uma cultura de comunicação, pois envolve mais do que tecnologia. Há algo imaterial, mas também material quando se fala de convergência de mídias.

Passando pela convergência das mídias, temos os computadores e as telecomunicações, passando por satélites e cabos e finalmente, com a explosão da internet no final dos anos 90, estas convergências, no espaço virtual impulsionaram a formação do ciberespaço, ou ciber- mundo, como foi denominado. As linguagens poderiam existir todas num único espaço virtual que favoreceria o acesso à informação a milhões de pessoas em tempo real e em qualquer lugar do mundo.

Ela [a cibercultura] nasce nos anos 50 com a informática e a cibernética, começa a se tornar popular na década de 70 com o surgimento do microcomputador e se estabelece completamente nos anos 80 e 90: em 80 com a informática de massa e em 90 com as redes telemáticas, principalmente com o boom da internet (LEMOS, 2005, p. 16).

Segundo Peter Burke foi criado um “fluxo de vida” com uma metáfora em que se poderia navegar ou sobrevoar esse espaço virtual. Podemos compreender então, que a partir dessa nova forma de sociabilidade, uma nova cultura surge a partir do virtual que impactará, de forma veloz como nunca antes, as culturas e as comunicações mediadas por tecnologias digitais. Outra marca da forma ciber, aponta Lemos (2005) é o estabelecimento de uma dimensão que mantém uma relação complexa entre os conteúdos e a vida social. Segundo Pierre Lévy (2004), a cibercultura é uma nova forma de cultura que permitiu o prolongamento e evolução da linguagem.

A linguagem fez crescer uma nova vida no coração da antiga, aquela dos signos, da cultura e das técnicas. A linguagem vive. […] A cada etapa da evolução da linguagem, a cultura humana torna-se mais potente, mais criativa, mais rápida. Acompanhando o progresso das mídias, os espaços culturais multiplicaram-se e enriqueceram-se: novas formas artísticas, divinas, técnicas, revoluções industriais, revoluções políticas. O ciberespaço representa o mais recente desenvolvimento da evolução da linguagem (LÉVY, 2004, p. 11-12).

Não podemos falar de sociedade contemporânea sem lançarmos nosso olhar para essa história recente que transformou nossa realidade num continuum desenrolar de manifestações culturais que trouxeram novas formas de pensar e estar no mundo. São apropriações de imagens, signos, dispostos de forma não linear, criados, apropriados, inventados e compartilhados de forma livre, a partir de informações e dados dispostos na rede. Segundo Castells (1999, p. 497), “as estruturas sociais emergentes nos domínios da atividade humana levam uma conclusão abrangente: como tendência histórica, as funções e os processos dominantes estão cada vez mais organizados em rede”.

Este fenômeno traz diversas consequências, tanto para a expansão quanto para problemas que existem em todas as sociedades. A questão a ser pontuada é que por meio da tecnologia haverá sempre uma potencialização daquilo que acontece e se estabelece na rede, uma vez que a velocidade permite a dissipação de forma capilar e numa quantidade que se avoluma exponencialmente, próprios da contemporaneidade. As “redes constituem a nova morfologia social de nossa sociedade, e a difusão da lógica de redes modifica de forma substancial a operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura” (CASTELLS, 1999b, p. 497).

Uma das questões fundamentais que a internet trouxe foi o acesso rápido, e em fluxo constante e volumoso das informações e conhecimentos e, de certa forma, da democratização desses saberes, entendido como um maior número de pessoas passaram a ter acesso ao ciberespaço. Sabemos que tal acesso é desigual, mas essa questão de longa data na história da humanidade teve uma impressionante mudança, se pensarmos nos bilhões de seres humanos que estão conectados e apenas por um clique, ou mais recentemente, por um toque na ponta dos dedos conseguem ter em suas telas de computador portátil e móvel, smartphones e tablets milhares de informações sobre um determinado assunto, notícia, pesquisa, entre outros. Para Castells (1999), a tecnologia fornece a base material para a expansão das relações sociais e que, ao denominarmos de sociedade em rede, compreendemos que está “caracterizada pela primazia da morfologia social sobre a ação social” (CASTELLS, 1999b, p. 497).

Neste sentido, ao falarmos de novas formas de produção e disseminação de conhecimento, Peter Burke nos indaga se “o formato de uma certa sociedade determina ou simplesmente influencia os conhecimentos a serem encontrados dentro dela” e, ainda, se seria “a cultura (abarcando valores fundamentais) e não a “sociedade” que forma o conhecimento em um determinado lugar e época”? (2015, p. 154). Trata-se de uma questão relevante, pois estamos diante de uma sociedade que vive uma relação complexa entre novas possibilidades de

comunicação por meio das linguagens potencializadas pela tecnologia que permitem a existência de uma realidade planetária (MORIN, 2013). Neste contexto, a tecnologia computacional também se apresenta como um constructo cultural da contemporaneidade.

A convergência da evolução social e das tecnologias da informação criou uma nova base material para o desempenho de atividades em toda a estrutura social. Esta base material construída em redes define os processos sociais predominantes, consequentemente dando forma à própria estrutura social (CASTELLS, 1999b, p. 499).

Dentre os desafios contemporâneos estão a compreensão de que nossa vida social não poderá mais ser observada a partir de contextos históricos lineares, senão por um pensamento complexo, como nos aponta Morin (2013), que nos propõe um diálogo sensível ao religamento dos saberes e dos relacionamentos humanos que se manifestarão cada vez mais de forma coletiva e compartilhada.

Enquanto não religamos os conhecimentos segundo o conhecimento complexo, permanecemos incapazes de conhecer o tecido comum das coisas: não enxergamos senão os fios separados de uma tapeçaria. Identificar os fios individualmente jamais permite que se conheça o desenho integral da tapeçaria (MORIN, 2013, p. 192-193).

O ciberespaço torna vivo esse movimento e permite novas formas de pensar sobre os deslocamentos possíveis para movimentos de atenção coletiva.

A atenção viva e multiforme dos seres humanos traça um movimento fractal cada vez mais denso e rápido no ciberespaço. Esse movimento desenha a imagem virtual, labiríntica, hipertextual, multidimensional e viva do que queremos, do que procuramos coletivamente. O espaço da atenção coletiva se abre cada dia mais à extraordinária diversidade do que pode interessar à humanidade (LÉVY, 2004, p. 180).

Os conhecimentos e aprendizados, as formas de aprender e de ensinar também ganham uma dimensão importante no que se refere ao aprendizado coletivo, principalmente quando existe o encontro com diferentes grupos e culturas. O conceito de inteligência coletiva apresentada por Pierre Lévy (1999b) parte do princípio de que o aprendizado é fruto do encontro com o outro. Ou seja:

Se os outros são fonte de conhecimento, a recíproca é imediata. Também eu, qualquer que seja a minha provisória posição social, qualquer que seja a sentença que a instituição escolar tenha pronunciado a meu respeito, também sou para os outros uma oportunidade de aprendizado. Por meio de minha experiência de vida, de meu percurso profissional, de minhas práticas sociais e culturais, e dado que o saber é coextensivo à vida, ofereço recursos de conhecimento a uma sociedade (LÉVY, 1999b, p. 28).

A inteligência coletiva, apresentada por Lévy, é anterior ao boom da internet, mas consideramos totalmente condizente com o momento contemporâneo que vivemos o pensamento de que o encontro com o outro, principalmente em estruturas planetárias como a nossa, favorece os aprendizados e o compartilhamento de saberes de forma coletiva.

Contudo, o que vemos é que esse ideal de inteligência coletiva, pelo menos como Lévy (1994) propôs, apoiado no ciberespaço como o lugar de realização deste fenômeno, não acontece de forma “organizada” ou “coordenada”. Talvez pelo fato de termos o conhecimento fluido, transformado constantemente por meio de conexões instantâneas que, ao mesmo tempo oferecem um dinamismo, no entanto não se conservam em uma mesma forma, o que gera uma instabilidade e muitas vezes um mal-estar por não sabermos para onde, porque e com quem vamos.

Cabe aqui entender este fluxo caótico a partir do conceito de modernidade líquida criado por Bauman (2016) atribuído à metáfora dos líquidos, que diferentemente dos materiais sólidos, não conservam sua forma durante muito tempo e estão constantemente dispostos a mudar, a se transformar. Como nos propomos a mostrar a sociedade do conhecimento também é fluida devido ao fluxo do tempo. Para ele, estamos vivendo um momento de interregno, conceito que ele utiliza do filósofo Antonio Gramsci, que significa:

um estado transitório das coisas, um estado no qual os velhos – uma vez testados – modos de fazer as coisas não funcionam mais, ou pelo menos, não funcionam tão bem como costumavam funcionar e por isso sentimos que ‘as coisas não podem ir muito mais longe do que já estão’- mas novas maneiras efetivas que poderiam substituí-las se concentram em fase de experimentação sem resultado conclusivo; estão, pode-se dizer, ainda em fase de desenvolvimento – na prancheta (BAUMAN, 2016, 251-252).

A partir dessa perspectiva transitória das coisas, inconclusiva e incerta, propormo-nos a pesquisar sobre como a cibercultura, e a produção de conhecimentos, especificamente, no ambiente universitário, tendo a figura do professor como foco principal de nossa atenção, apresenta em seu espaço permanências e mudanças nas relações humanas, religação de saberes e além de um desafio é uma grande provocação. Como Bauman (2016) nos aponta, as novas maneiras de se fazer a coisas – em nosso caso, de pensar a educação – ainda estão na “prancheta”. São experimentações, muitas vezes inconclusivas, mas necessárias para o avanço e desenvolvimento desta sociedade permanente ou da conexão. Essa constatação nos coloca numa posição vertiginosa, principalmente no campo da pesquisa, pois cada vez mais somos chamados a investigar processos em contínuo desenvolvimento, o que significa pensar em uma forma de pesquisa que considere os processos em desenvolvimento e não tanto, os resultados “experimentais” enquanto causa e efeito, já que estamos vivendo uma era de continuum.

Nos dedicamos a realizar todo um percurso de compreensão do ciberespaço, das relações com a tecnologia e das possibilidades que esta revolução nos permitiu, além de lançar-nos sobre os desafios de uma sociedade em permanente construção, em que a própria forma não é mais linear, mas como rizoma (Deleuze, 1996), com uma rapidez e fluidez que transforma a história, sem que tenhamos como fixar pontos de grandes mudanças.

Podemos, a partir de Bauman (2015) também dizer que “cultura tornou-se uma ferramenta mais de mudança do que de conservação”. Como afirmamos anteriormente, se a cultura forma o conhecimento em uma determinada época (BURKE, 2016) e se, o ciberespaço deu início ao que estamos nomeando de cultura da conexão (JENKINS, 2014) – sendo esta entendida para além da cultura de convergência de mídias, então torna-se necessário debruçarmo-nos sob o campo do pensamento complexo para aprofundarmos como podemos religar os saberes (MORIN, 1999), num momento em que os conhecimentos passam, com maior intensidade, a ser desenvolvidos de forma coletiva (LÉVY, 2004), em rede de colaboração compartilhada.

A educação tem um papel imprescindível nesse contexto e os desafios para o desenvolvimento de uma revolução da educação estão postos pela cibercultura que impulsiona novas possibilidades de comunicação, de aprender e de ensinar, do desenvolvimento das linguagens digitais como artefato de apoio pedagógico e dos fenômenos próprios da sociedade da conexão. Entretanto, vivemos uma era em que a educação, em especial, a prática docente, vive ainda à margem das mudanças colocadas até o momento pela pesquisadora. Temos um formato de escola e um perfil docente condizente com o século XIX em pleno século XXI, formato estético que não dialoga com a sociedade em rede e mesmo líquida, com uma proposta de produção de conhecimento coletivo e com a religação dos saberes.

Castells (2013), ao analisar as práticas contemporâneas na educação afirmou enquanto conferencista do Projeto Sem Fronteiras, que a escola, em seus processos de aprendizagem, está obsoleta. O autor menciona que “a aprendizagem, na maior parte das escolas e universidades é totalmente obsoleta. Porque insistem em produzir uma pedagogia baseada na transmissão de informação. Não necessitamos de transmissão de informação, porque a informação está toda na internet” (CASTELLS, 2013).

A provocação do autor em 2013 nos é válida enquanto questionamento sobre a relevância de processos de apropriação de informação para a construção de conhecimentos tendo o professor como fundamental para a religação de saberes. A inquietação emerge diante do exposto sobre a própria história do conhecimento que nos apresentou uma realidade de divisão e de fragmentação de saberes, mas que se transformou e foi potencializada e multiplicada pelo

desenvolvimento das tecnologias digitais. Com isso desdobramos novos questionamentos: de que forma podemos construir significados às questões emergentes da sociedade líquida no campo da educação e da prática docente? Como o pensamento complexo de Morin (1999 e 2013) pode nos auxiliar a compreender o funcionamento de redes de colaboração?

1.3. O PENSAMENTO COMPLEXO PARA RELIGAÇÃO DE SABERES NA CULTURA