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Sofrimento, trauma, mudança de comportamento, vergonha e

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO DO PRIMEIRO ESTUDO:

5.1 PRIMEIRO TESTE DE ASSOCIAÇÃO LIVRE DE PALAVRAS:

5.1.3 Sofrimento, trauma, mudança de comportamento, vergonha e

abuso sexual

Conforme as professoras participantes da pesquisa, o ASI traz consequências duradouras para a vida das crianças. As crianças podem manifestar o sofrimento de diversas maneiras citadas pelas professoras: agressividade, isolamento ou choro. “As crianças ficam desconfiando dos outros e, por isso, se afastam” (Questionário Nº 27). Acerca dos elementos mais relacionados à criança diante do ASI, as palavras que surgiram na

periferia do primeiro TALP foram: “Comportamento”, “Infância”, “Sofrimento”, “Trauma” e “Vergonha”.

Na primeira periferia, com elementos muito frequentes, mas geralmente não considerados os mais importantes a partir da hierarquização, apresenta- se o termo “Sofrimento”, com frequência igual a 21 e OMI 3,381. Esse termo merece destaque no contexto da periferia, uma vez que foi o mais evocado dentre todas aquelas que foram lembradas no primeiro TALP. Sua OMI também não se distanciou tanto do ponto de corte que estabeleceu as palavras que fariam parte do possível núcleo central (MOMI 3,024).

Já a zona de contraste – que abriga elementos pouco lembrados, mas que, quando lembrados, figuraram dentre os mais importantes de acordo com a hierarquização realizada pelas professoras participantes da pesquisa –, contou com o termo “Trauma”. Essa palavra obteve OMI baixa, igual a 2,571, e foi evocada sete vezes no contexto do primeiro teste de associação livre de palavras.

Finamente, no que tange aos elementos relacionados à criança vítima de abuso sexual, as professoras participantes também evocaram as seguintes palavras: “Comportamento”, “Infância” e “Vergonha”. Tais elementos fizeram parte da segunda periferia, que congrega elementos relevantes para as representações de ASI, apresentando uma frequência mínima definida conforme os critérios já elencados aqui neste texto dissertativo. No entanto, os elementos que fazem parte da segunda periferia têm frequência abaixo e OMI acima do corte estabelecido para a distribuição dos elementos no quadro de quatro casas. Em outras palavras, os elementos constantes no quadrante que corresponde à segunda periferia são aqueles pouco lembrados e, quando lembrados, figuraram entre aqueles considerados como menos importantes no momento de hierarquização. “Comportamento” obteve frequência igual a dez e OMI 3,400, “Infância” obteve frequência cinco e OMI 3,200 e “Vergonha” obteve frequência seis e OMI 3,500.

Mesmo com essa distribuição de elementos em que alguns constam na primeira periferia, outros na zona de contraste e outros ainda na segunda periferia, observamos que os termos estão inter-relacionados. É o que pode ser observado nas justificativas escritas pelas professoras nos questionários que serviram de instrumento na primeira etapa da coleta de dados. Outro ponto relevante, é que os termos também estabelecem relação direta com o conteúdo do núcleo central das Representações Sociais de ASI, que salientou o elemento “Violência”.

Em relação ao sentimento da criança, podemos afirmar que, nas representações das professoras participantes da pesquisa, a criança se apresenta confusa e desamparada. “É o primeiro sentimento que a criança tem. É algo estranho que estão fazendo com o corpo dela e ela não sabe o que fazer” (Questionário Nº 03). O sofrimento e o trauma se expressam diante da complexa situação que vivenciam: “O medo é algo fortemente sentido pela pessoa abusada, o que, muitas vezes, sufoca. Sufoca pela repressão de não ter o socorro no momento que precisa” (Questionário Nº 39).

Esse medo, associado ao sofrimento que a criança sente, traz mudanças no comportamento. Diante dessa situação, a vítima precisaria, conforme as professoras participantes, de amparo especializado. O amparo, inclusive, é até mesmo mais importante e urgente do que a própria punição do abusador. “Em se tratando desse assunto, a pessoa que sofreu é quem deveria ser levada em consideração primeiro, antes de pensar em quem abusou” (Questionário Nº 12).

A criança abusada precisa de amparo em decorrência de todo o sofrimento causado pelo abuso sofrido: “O pensamento da dor associada à vítima. Dor em vários sentidos: físicos e emocionais” (Questionário Nº 37). Tal sofrimento não é apenas físico, mas, principalmente, emocional: “A dor não é somente física. É dor da alma, emocional, causa vergonha pela falta de compreensão” (Questionário Nº 18).

O sofrimento ocasionado pelo abuso sexual deixa consequências para a trajetória de vida da criança abusada, conforme pode ser observado nos trechos de justificativas transcritos a seguir: “A dor física e mental deixa feridas que nunca saram” (Questionário Nº 16). “[O abuso sexual infantil] deixa marcas por um período muito longo na vida de quem foi abusada” (Questionário Nº 23).

Uma das professoras, após ter respondido o questionário, relatou já ter passado pela experiência de abuso sexual. O ato sexual (em termos de penetração) nunca fora concretizado, mas ela contava o quanto foi difícil conviver com o assédio do próprio pai adotivo e com as feridas emocionais que essa experiência causou. Essa experiência influenciou a sua percepção do tema e, por sua vez, as representações que construiu sobre o ASI. Reflexo disso foi o que escreveu na justificativa do questionário utilizado como instrumento na primeira etapa da coleta de dados. Um trecho da justificativa dessa professora pode ser observado a seguir:

Eu já passei por uma situação assim com o meu pai adotivo. Isso marcou muito a minha infância, a minha adolescência e a minha vida adulta também. Mas eu perdoei. Hoje eu cuido dele, que já está com 87 anos e doente (Questionário Nº 31).

Outra professora relatou que já teve em sala de aula uma aluna que supostamente havia sofrido abuso sexual. O comportamento da criança, de acordo com a professora participante, não era compatível com a sua idade, apresentando as seguintes atitudes:

Eu já tive alunos com suspeita de abuso sexual. Uma menina colocava o lápis no órgão genital e amassava o peito. O comportamento muda, a libido fica mais aflorada (Questionário Nº 08).

Por não estar preparada para lidar com a sua sexualidade, no sentido de maturidade física, emocional e sexual, a criança ficaria, conforme as professoras participantes, confusa: “A criança não tem como se defender e, diante de sua fragilidade, acaba deixando-se levar pela situação (até gostando)” (Questionário Nº 15).

O ASI é de uma complexidade muito grande, ainda mais no que se refere aos sentimentos e compreensões da criança. Conforme defende Araújo (2002), quando o agressor do abuso sexual infantil é o próprio pai biológico da criança, as implicações são trágicas. Configura-se, portanto, uma relação incestuosa, na qual a criança fica confusa, oscilando entre o desejo de contar (para denunciar o que está se passando) e o amor pelo próprio pai. Em geral, o ASI (conforme já pontuado neste texto dissertativo) não deixa evidências físicas, principalmente quando se trata de crianças muito pequenas, podendo se apresentar nos moldes do voyeurismo e exibicionismo.

Araújo (2002) pondera que o abuso sexual infantil do pai biológico contra a criança abusada sexualmente se dá fora do complexo de Édipo. Lèvi- Strauss (1976) argumenta, nesse sentido, que o pai perpetrador infringe uma lei cultural que proíbe o incesto ao impor o seu desejo. Além disso, trai a confiança da criança, aproveitando-se de sua vulnerabilidade e imaturidade. Outro fator que causa mais sofrimento à criança é a imposição da lei do silêncio, diante dos complexos elementos que vimos aqui sinalizando. O silêncio é garantido, muitas vezes, com promessas, cumplicidade ou, até mesmo, ameaças. Muitas vezes, o abusador se beneficia da conivência ou suposta cegueira da mãe e de outros membros da família diante do abuso.

Em resumo, de acordo com as Representações Sociais das professoras participantes, a criança vive uma situação traumática e conflituosa, que perpassa por uma multiplicidade de sentimentos que estão imbricados. Alguns desses sentimentos foram expressos pelas professoras participantes, ao evocar as palavras relacionadas ao ASI no 1º TALP. Araújo (2002) lista o medo, a raiva, o prazer, a culpa e o desamparo como

sentimentos relacionados ao ASI. A criança, nesse sentido, teria raiva da mãe por não agir na direção de protegê-la. A criança também teria medo de revelar o que acontece, receando que não acreditem nela ou que a julguem culpada.

5.1.4 Quem é o agressor? É desumano, doente, se aproveita da