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Sono como uma separação das figuras cuidadoras relevante para os padrões de

II. Revisão da Literatura

3. Sono e a Vinculação

3.1. Perspectiva da Crianças na relação com os pais

3.1.1. Sono como uma separação das figuras cuidadoras relevante para os padrões de

Na década de 60 a 70, num estudo conduzido em Israel, várias crianças foram afastadas dos pais enquanto dormiam com o objectivo de avaliar o impacto que isso teria nelas. Foram encontradas vinculações mais inseguras nas crianças que não dormiam com a presença física dos pais, comparativamente com as crianças que não eram afastadas dos seus pais durante o sono, pois estas crianças não tinham as suas figuras de vinculação disponíveis e acessíveis de forma a responder-lhes de modo sensitivo quando necessário (Sagi et al., 1994; Owen set al., 2000). Tal enfatiza a ideia de que o sono é sentido como uma separação, sendo activado o sistema de vinculação e contribuindo para aquilo que serão os modelos internos dinâmicos acerca das figuras de vinculação. Contudo, importa referir que estes resultados podem estar associados também a factores ambientais decorrentes da experiência, nomeadamente a diferença nos cuidadores e a responsividade inconsistente das figuras de vinculação que se ausentavam à noite (Sagi et al., 1994; Sagi & Aviezer, 2006). Por outro lado, existem questões culturais pois sabe-se que em culturas Ocidentais não é comum que as crianças aprendam a autorregularem-se em termos fisiológicos e psicológicos sem a figura de vinculação (Bowlby, 1990). Ainda assim, as crianças Portuguesas em idade escolar consideram que as melhores estratégias que os pais poderão ter no sentido de os ajudar a adormecer é o suporte, tendo atitudes de carinho e acompanhamento na hora de adormecer (Ribeiro, 2013).

De facto, existem poucas excepções que não responderam à problemática do sono por meio da teoria da vinculação (Scher, 2001b; Scher & Asher, 2004; Higley & Dozier, 2009; Beijers, Jansen, Riksen-Walraven & Weerth, 2011; Simard, Bernier, Bélanger & Carrier,

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2013) contrariamente à maioria que refere que a vinculação insegura está associada aos problemas de sono (McNamara et al., 2003; Morrell & Steele, 2003; Vaughn et al., 2011; Beijers et al., 2011; Zentall et al., 2012; Simard et al., 2013). Contudo, importa ter em atenção que alguns dos estudos que não associaram a vinculação com os problemas de sono foram realizados em culturas com particularidades distintas como é o caso destes estudos em amostras israelitas onde os factores culturais associados a uma maior proximidade com os pais e consequentemente a uma maior dificuldade em se auto-regular podem ser um dos factores explicativos desta diferença de resultados (Sagi, Lamb, Lewkowicz, Shoham, Dvir & Estes, 1985). O leitor poderá consultar em anexo uma análise crítica dos estudos que contradizem esta relação (anexo 2, sono e vinculação).

3.1. 2. Ruptura das relações com o mundo exterior e susceptibilidade ao medo

O adormecer é sentido como um momento de necessidades e/ou desejos contraditórios (Ajuriaguerra & Marcelli, 1984; Marcelli, 2005). Tal acontece porque o sono ocorre concomitantemente com uma ruptura das relações com o mundo exterior, pelo que pode ser sentida como uma separação desejada ou angustiante em relação aos adultos (Ajuriaguerra, 1974), o que causa stress relacionado com esta mesma separação (Field, 1991; Sadeh, 1996b) e associado com a ideia de abandono, pelo que os pais devem responder-lhes de modo sensitivo para que mais tarde então se consigam auto-regular (Tracy, 2015).

Ao adormecer os medos internos são libertados (Silva, 2012), pois existe uma maior fragilidade associada ao baixar das defesas físicas para adormecer (Marques, 2011). Este medo humano é definido por Bowlby (1993) como sendo composto por elementos racionais e irracionais, conscientes e inconscientes, provenientes de elementos do pesamento mas também da imaginação. De facto, existem evidências clínicas que sugerem que aproximadamente aos 4 anos de idade, as crianças começam a manifestar dois tipos de preocupações: (1) medo de monstros, coisas debaixo da cama e no armário e (2) preocupações com a segurança da família incentivando a que tenham cuidado e evitem os perigos (Cicchetti et al., 1990). Estes estão associados com a maior prevalência de pesadelos nesta idade pré- escolar (Marcelli, 2005) bem como medos e fobias (Cicchetti et al., 1990). No escuro, existe um medo acrescido bastante comum nas crianças e que se relaciona com o medo de estar sozinho numa situação em que os estímulos visuais familiares se tornam ambíguos e de difícil interpretação, sendo igualmente difícil interpretar os sons que causam estranheza (Bowlby,

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1993). O escuro acaba então por fazer a criança sentir-se sozinha, uma vez que o medo de ficar só aparece mascarado no medo da escuridão (Bowlby, 1993).

Na teoria de Bowlby (1993), o medo é visto como tendo uma função adaptativa pois o estar só é um dos indícios naturais do aumento de risco de perigo, pelo que coincide com a procura de cuidados perante a inacessibilidade, sinalizando as suas necessidades de vinculação perante os estímulos de escuro e solidão como forma de obter protecção do cuidador. Portanto, mais do que uma explicação interaccionista, Bowlby (1993), considera o valor evolutivo dos comportamentos de vinculação, pois perante o medo que sentem devido à condição de estarem sozinhos no escuro onde sentem perigo potencial, independentemente do perigo real, activam o sistema de vinculação e os comportamentos de vinculação no sentido da proximidade. Neste sentido, o sistema de vinculação e o de medo estão intimamente relacionados pois quando o medo é activado, a vinculação também como forma de se protegerem contra este mesmo medo que pode estar associado com a escuridão, estar sozinho, barulhos ou movimentos que assustem (Cassidy, 1999).

Bowlby (1993) defende então a ideia da susceptibilidade ao medo que é determinada pela previsão quanto à probabilidade das figuras de vinculação estarem acessíveis, o que é determinado através da estrutura dos modelos que as crianças têm baseados nas experiências anteriores com as figuras de vinculação e acerca do seu eu. Estes têm tendência a permanecer ao longo da vida mas são activados quando existe uma perda ou presságio de uma perda da figura de vinculação. De facto, existem alguns estudos que suportam esta ideia relacionando-a com os problemas de sono como uma forma de separação da figura de vinculação (McNamara et al., 2003; Brisch, 2006; Vaughn et al., 2011; Troxel et al., 2013).