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2 LENTES TEÓRICAS

2.2 SUBJETIVIDADE E PRODUÇÃO DE SENTIDOS

Se o positivismo, ao enfrentar a contradição entre objetividade e subjetividade, perdeu o ser humano, produto e produtor da História, tornou-se necessário recuperar o subjetivismo enquanto materialidade psicológica (LANE, 1984).

Este estudo parte de uma concepção de homem e de subjetividade sob a ótica social e histórica, a qual implica lançar luz às relações complexas que o indivíduo apresenta com o contexto em que se insere e apreendê-lo em seu movimento ao longo do tempo. De acordo com Sawaia (2005), a concepção social e histórica apresenta um referencial

teórico frutífero para a análise crítica da sociedade e da realidade em que vivem os homens, superando dicotomias epistemológicas tradicionais da Psicologia Clássica, como subjetividade/objetividade; universal/singular; homem/sociedade; natureza/cultura; e indivíduo/coletivo.

Nessa abordagem, o homem e sua subjetividade são considerados como históricos, um ser que tem características forjadas pelo tempo e pela sociedade, e a relação indivíduo/sociedade é vista como dialética, na qual o homem se constrói ao construir a realidade, e vice-versa. Considera-se que o homem, ao atuar sobre a realidade, cria produções, as quais implicam maneiras de ser e estar no mundo, produzindo subjetividades (ZANELLA et al., 2004).

Contrapondo-se à concepção positivista de homem individual, racional, natural e abstrato, independentemente das condições de vida, a perspectiva social e histórica indica que não existe natureza humana universal, ao contrário, o homem é um ser ativo e social, que se constrói historicamente. Assim, não só as condições de dado momento histórico afetam a subjetividade, como o homem age, alterando a realidade material e coletiva ao seu redor.

De acordo com Lane (1984), a crença na separação entre indivíduo e grupo social não responde à realidade, pois “o homem não sobrevive a não ser em relação com outros homens”, e suas ações sobre o mundo dependem da aquisição que faz da cultura e da linguagem: “um código produzido historicamente pela sua sociedade, mas que ele apreende na sua relação específica com os outros”, em determinadas condições sociais, econômicas, culturais e políticas de uma sociedade situada geográfica e historicamente, e que está num constante processo de mudança (LANE, 1984, p.16). Como afirma Vygotski (2001), o homem ao nascer é candidato à Humanidade, mas somente a adquire no processo de apropriação do mundo, mediante contato com a cultura e o meio social.

A partir da perspectiva de Vygotski, o homem é considerado um ser concreto, único, singular e ao mesmo tempo histórico e social, constituído na e pela atividade humana, e nesse processo ele expressa, ao mesmo tempo, a historicidade e as relações sociais, bem como sua singularidade e os sentidos sociais e subjetivos que é capaz de produzir (AGUIAR, 2006). A perspectiva social e histórica compreende que os sentidos são produzidos pelos sujeitos na vivência com a materialidade, ao mesmo tempo em que se constituem na própria subjetividade do indivíduo, em um movimento dialético, único e singular, e ao mesmo tempo histórico e social. O sujeito vai construindo-se por meio de seus

movimentos no mundo e, nesses movimentos, nesse ir e vir em suas coerências e contradições, os sentidos vão sendo (re)produzidos também (VYGOTSKI, 1989, 1991; AGUIAR, 2006; GONZÁLEZ-REY, 2007).

Por subjetividade compreende-se a constituição de um plano de interioridade reflexiva, na qual se tem a noção do eu como eixo central e organizador das experiências vivenciadas na sociedade (FERREIRA, 2013). De acordo com Figueiredo (2010), a percepção do ser humano de possuir uma subjetividade privada não é algo natural e universal, mas sim uma construção social gradual, gestada lentamente ao longo do tempo a partir das mudanças ocorridas na sociedade, em cada época.

A subjetividade diz, então, respeito ao “foro íntimo”, a uma parte do ser humano que apenas ele tem acesso e que se apresenta como uma síntese singular, constituída na materialidade das relações sociais, permeada pela cultura e representada pelo conjunto de ideias, emoções, pensamentos, desejos e projetos da pessoa, enfim, aspectos próprios de cada um (FERREIRA, 2013, BOCK; AGUIAR; OZELLA, 2000).

Para Vygotsky (1991), o homem é produto e produtor da cultura por meio da criação de signos, a qual é produzida nas e pelas relações sociais. Ao transformar a natureza e a si mesmo na atividade, mediante processo de produção cultural, social e individual, o homem produz sentidos e significados. Nesse processo, a atividade humana ocorre em um sentido duplo, visto que o sujeito, ao transformar a realidade, objetiva-se e, transformando a si mesmo, subjetiva-se, sempre se apresentando como uma totalidade aberta e em movimento contínuo (MAHEIRIE, 2002).

De acordo com o autor russo (VYGOTSKY, 2001), o significado está associado à dimensão compartilhada e o sentido, à dimensão mais singular, sem, no entanto, um preexistir sem o outro, pois um não é sem o outro, e vice-versa. Ambos são produzidos juntos e se produzem conjuntamente, na apropriação do social e cultural (AGUIAR, 2006). Se o significado remete ao coletivo, a atividade do sujeito remete ao sentido pessoal, que diz respeito à forma como os fenômenos objetivos são apreendidos pela consciência individual. O sentido pessoal e subjetivo de uma determinada significação depende de sua apropriação na cultura e no social, bem como do grau e forma como é assimilada por cada sujeito (TOLFO et al., 2005).

Segundo as ideias de Vygotski (2001), o significado, no campo semântico, corresponde às relações que a palavra pode encerrar, já no campo psicológico, é uma generalização, um conceito.

Os significados são, pois, produções históricas e sociais. São eles que permitem a comunicação, a socialização de nossas experiências. Muito embora sejam mais estáveis, “dicionarizados”, eles também se transformam no movimento histórico, momento em que sua natureza interior se modifica, alterando, consequentemente, a relação que mantêm com o pensamento, entendido como um processo (AGUIAR, 2006, p.14). Os significados referem-se aos conteúdos instituídos, mais fixos, compartilhados na cultura e apropriados pelo sujeito, a partir de sua própria subjetividade. Já o sentido da palavra é, para Vygotski (1991), a soma de todos os eventos psicológicos evocados na consciência do sujeito, e nessa definição está sendo considerado o contexto como um todo e não apenas a unidade fonética. Dessa forma, há predomínio da frase sobre a palavra, do texto sobre a frase e do contexto sobre o texto, bem como do sentido sobre o significado, e a cada palavra podem ser atribuídos diversos significados, os quais serão transformados em sentidos singulares, de acordo com as emoções e necessidades que motivam seu uso (VYGOTSKI, 1989).

Ao se discutir significado e sentido, é preciso compreendê-los como sendo constituídos pela unidade contraditória do simbólico e do emocional, já que Vygotski (2001) utilizou em seus estudos uma concepção de homem como ser que pensa, raciocina, deduz, abstrai, mas também se emociona, deseja e se sensibiliza. O autor define que “as emoções são um sistema de reações prévias, que comunicam ao organismo o futuro imediato de seu comportamento”. Acrescenta ainda que “as reações emocionais exercem a influência mais substancial sobre todas as formas de nosso comportamento” (VYGOTSKI, 2001 p.143).

A esse respeito, Golzález Rey (1999) acredita que o emocional é condição da atividade humana, afirmando que as emoções representam a unidade essencial na constituição das necessidades de cada pessoa. Aguiar (2006), autora que estuda as contribuições de Vygotski, caminha na mesma direção, ao afirmar que:

A separação entre pensamento e afeto jamais poderá ser feita, sob o risco de fechar-se definitivamente o caminho para a explicação das causas do próprio pensamento, pois a análise do pensamento pressupõe necessariamente a revelação dos motivos, necessidades, interesses

que orientam o seu movimento (AGUIAR, 2006, p. 16).

Desse modo, para se compreender os sentidos, é necessário considerar também as contradições entre simbólico e emocional e as necessidades e motivos de cada ser humano. Os significados constituem o início da análise, mas se sabe que eles contêm mais do que aquilo que é evidente em uma primeira observação, e, segundo Aguiar (2006), por meio de um trabalho de interpretação, pode-se caminhar para as zonas dos sentidos que são mais instáveis, fluídas e profundas.

A partir do exposto, percebe-se que os sentidos de determinada atuação profissional são produzidos a partir das experiências que os sujeitos vivenciam na materialidade, já que representam a apreensão que o sujeito faz da realidade social e de certa forma se traduzem em sua própria subjetividade. Dessa forma, a seguir será discutida a profissão de psicólogo.