• Nenhum resultado encontrado

Subjetlvlsmo, objetivismo e intersubjetividade, numa pers­ pectiva de interação verbal

C o n f o r m e a c l a s s i f i c a ç ã o de B A K H T I N / V O L O C H I N O V (1981:72), a que já se fez r e f e r ê n c i a anteriormente, há duas o r i e n t a ç õ e s do p e n s a m e n t o f i l o s ó f i c o - l i n g ü l s t i c o q u e c o l o c a m a e x p l i c a ç ã o da língua fora da r e a l i d a d e do social; a p r i m e i r a o r i e n t a ç ã o é a do s u b j e t i v i s m o idealista, ligada ao Romantismo, a. segunda o r i e n t a ç ã o e a do o b j e t i v i s m o abstrato, l igada ao R a c i o n a l i s m o neoclássico.

A p r i m e i r a o r i e n t a ç ã o encontra suas origens, basicamente, em VOSSLER, mas e em HUMBOLDT, para q u e m o p s i q u i s m o individual c o n s titui a fonte da língua e das leis do d e s e n v o l v i m e n t o l i n ­ güístico, que p a r a ele são leis psicológicas, que se e n c o n t r a seu

maior r e p r e s e n t a n t e .

N e s s a p e r s p e c t i v a r o m â n t ico-idealista, a c a t e g o r i a da e x ­ p r e s s ã o é de n l v e l s u p erior e e n globa t a m b é m o ato de fala, a enunciação, c o m p o r t a n d o duas facetas; o c o n teúdo (interior) e sua o b j e t i v a ç ã o e x t e r i o r (para o u t r e m ou para si — discurso i n t e r i o r ) . E s s e d u a l i s m o da teoria da expressão, entre o que é in t erior e o que é exterior, faz com que, nessa orientação, h a ­ ja s e m p r e uma p r e v a l ê n c i a do p lano ideal. Daí o i d e a lismo h a ­ ver e n g e n d r a d o teorias que r e j e i t a m c o m p l e t a m e n t e a expressão. Como d e c o r r ê n c i a , o a s p e c t o ideoló g i c o é c o l ocado s i s t e m a t i c a m e n ­ te na d e p e n d ê n c i a do c o n t e ú d o interior.

"A forma da l íngua é c o n s t i t u í d a pelo que há de c o n s t a n t e e u n i f o r m e no t r a balho do espírito para t r a n s f o r m a r o som a r t i c u l a d o e m expre s s ã o do p e n ­ samento, c o m p r e e n d i d o tanto q u a n t o p o s s í v e l na sua e x t e n s ã o e a p r e s e n t a d o s i s t e m a t i c a m e n t e " (HUM­ BOLDT, a p u d lORDAN, 1982;152).

A l g u n s d e s d o b r a m e n t o s da teoria v o s s l e r i a n a d e s e m b o c a r a m na p r i m a z i a d o e s t i l í s t i c o sobre o gramatical. P o d e - s e citar como e x e m p l o CROCE, p a r a q u e m a l íngua c o n s titui u m f e n ô m e n o e s t é ­ tico e o a t o de fala individual, o fenômeno de b a s e da língua.

P a r e c e e s t a r aqui u m dos pontos f u n damentais de d i v e r g ê n ­ cia e n t r e a t eoria do subjet i v i s m o idealista e uma a b o r d a g e m so­ c i o l ó g i c a d a t eoria da enunciação. E n q u a n t o a p r i m e i r a c oloca o p s i q u i s m o individual como p r i n c í p i o de o r g a n i z a ç ã o da e x p r e s ­ são, a s e g u n d a afiínna que é antes a e x p r e s s ã o que o r g a n i z a a a t i v i d a d e mental;

"A situação social mais imediata e o m e i o social m a i s amplo d e t e r m i n a m c o m p l e t a m e n t e e, por a s s i m dizer, a p a r t i r de seu p r ó p r i o interior, a e s ­ tr utura da enunc i a ç ã o " (BAKHT I N / V O L O C H I N O V , 1981; 113) .

75

A s e g u n d a orientação, ainda segundo a c l a s s i f i c a ç ã o de B A K H T I N / V O L O C H I N O V , c oloca como centro o r g a n i z a d o r dos fatos da língua n ã o m a i s a c o n s c i ê n c i a individual mas o sistema como r e a l i d a d e ideal. Enquanto, na p r i meira orientação, a língua c o n s t i t u i u u m i n i n t e r r u p t o fluxo de atos de fala, na segunda, a língua c o n s t i t u i u m e norme arsenal, o n d e estão c o n t i d o s todos os seus t raços constitutivos; cada ato de fala ê ú nico e i r r e i t e r ã v e l • O s i stema lingüístico, a s s i m concebido, ê c o m p l e ­ t a m ente i n d e p e n d e n t e de todo o ato de c r iação individual e de q u a l q u e r i n t e n ç ã o o u v o n t a d e do falante. T r a ta-se de c o n s i d e ­ rar a l í n g u a como norma p e r e m p t ó r i a para o i n d i v í d u o e, neste sentido, a l íngua o p õ e - s e ao indivíduo. O sistema a s s i m c o n s i ­ derado ê g o v e r n a d o p o r leis imanentes e especi f i c a s que, ao c o n t r á r i o das leis ideológicas, referentes a p r o c e s s o s c o g n i t i ­ vos e â c r i a ç ã o artística, não d e p e n d e m da c o n s c i ê n c i a i n d i v i ­ dual. s ã o leis arbitrárias.

Se de iim lado, o s i s t e m a da língua a s s i m c o n c e b i d o i n d e p e n ­ de do i m p u l s o c r i a d o r e da ação individual, de o u t r o é p r o d u ­ to da c r i a ç ã o c o l e t i v a e, como toda criação social, é n o r m a t i v a p a r a c a d a indivíduo. Como sistema s i n c r o n i c a m e n t e t omado é imutável. Como e x p l i c a r que, historicamente/vima c o m u n i d a d e l i n ­ g ü í s t i c a e v o l u i ? Há, como se vê, n e s s a segunda o r i e n t a ç ã o , ' um d i v ó r c i o entre h i s t ó r i a do sistema l ingüístico e m q u e s t ã o e a a b o r d a g e m não histórica, sincr ó n i c a do mesmo. A e v o l u ç ã o h i s t ó ­ rica se e x p l i c a r i a p e l o s erros ou desvios inconscientes. Não há q u a l q u e r v í n c u l o entre a lógica da língua como s i stema for­ m a l e a lógica de sua evolução histórica.

E n q u a n t o para o subjet i v i s m o idealista as f o r m a s n o r m a t i ­ vas, r e s p o n s á v e i s pelo imobilismo do sistema l i n g ü í s t i c o ( e r g o n ) , não e r a m m a i s que "resíduos deteriorados da e v o l u ç ã o lingüi s t i -

ca", p a r a o o b j e t i v i s m o a b s trato é justamente o sistema de formas n o r m a t i v a s que se torna a substâ n c i a da língua.

Na p e r s p e c t i v a de a b o r d a g e m s o c i o l ó g i c a que a n i m a o p r e ­ sente trabalho, c q n s i d e r a m - s e inadequadas tanto a o r i e n t a ç ã o ’do su b j e t i v i s m o i d e a lista q u a n t o a do o b j e t i v i s m o abstrato: a, p r i ­ meira, não p o r p r o p o r que as e n u n c i a ç õ e s c o n s t i t u e m a essência, a s u b s t â n c i a real da língua, mas por ignorar ou d e i x a r de c o m ­ p r e e n d e r a n a t u r e z a social da enunciação; a s e g u n d a , p o r tomar a e n u n c i a ç ã o m o n o l õ g i c a como p o n t o de partida, i g n o r a n d o a s s i m a i n t e r a ç ã o verbal.

"A v e r d a d e i r a substância da língua não i c o n s t i t u í ­ da p o r u m sistema abstrato de formas lingüísticas, n e m pelo ato p s i c o l ó g i c o de sua produção, mas pelo f e n ô m e n o social da i n t e ração verbal, r e a l i z a d a a- travês da e n u n c i a ç ã o o u das enunciações. A i n t e r a ­ ç ão v e r b a l const i t u i a s s i m a realidade fundam e n t a l da língua" (Id., ibid.:124).

Como se v ê , n e m a o r i e n t a ç ã o subjetivista, n e m a o bjetivis- ta p o d e m d a r conta s a t i s f a t o r i a m e n t e da língua como realidade sociológica. Dado que a l i n g u a g e m o p e r a c o m signos, e o signo e r e a l i d a d e m a t e r i a l e não apenas parte de uma r e a l i d a d e que reflete o u "refrata" o u t r a realidade, p o d e - s e d i z e r que o signo ê a y a l i â v e l ideologicamente. Neste sentido, signo e i d e o l o g i a se

fundem:

"Tudo o que ê ideoló g i c o p ossui um v a l o r semiótico." "É seu v a l o r semiótico que coloca todos os f e n ô m e ­ nos ideológicos sob a m e s m a definição" (Id. i b i d . : 32-3).

Um signo i u m fenômeno do m u n d o exterior e o signo i d e o ­ lógico, n a o a penas u m reflexo, iima sombra da realidade, m a s "um fr a g mento m a t e rial" da realidade.

77

id e o l o g i a na c o n sciência, relegando o aspecto m a t e r i a l e e x t e ­ rior do s i g n o à c o n d i ç ã o de mero revestimento, e s q u e c e n d o que a p r ó p r i a c o m p r e e n s ã o só pode se m a n i f e s t a r por m e i o de m a t e ­ rial s e m i ó t i c o e que "a p r ó p r i a consci ê n c i a só pode s urgir e se a f i r m a r c o m o r e a l i d a d e m e d i a n t e a encarnação m a t e r i a l em sig­ nos" (Conf. B A K H T I N / V O L O C H I N O V , 1981:33). N esta perspectiva,com­ p r e e n d e r é r e s p o n d e r a u m signo c o m outros signos. Estabelece- se uma c a d e i a de signos n u m "continuum" semiótico.

É n e s s e sentido que n ã o se p o d e p e n s a r n e m e m subje t i v i s m o idealista, n e m e m o b j e t i v i s m o abstrato. Para o idealismo a c o n s c i ê n c i a t o r n o u - s e tudo, c o l ocada fora da realidade, acima da e xistência, m a n t e n d o a penas u m v i n c u l o h i p o t é t i c o e abstrato entre as f ormas e as categorias. Para o p o s i t i v i s m o psicolo- gista a c o n s c i ê n c i a r e d u z i u - s e a nada: simples r e a ç õ e s psico- f i s i o l ò g i c a s individuais. A ideol o g i a é posta numa p o s i ç ã o su- p r a - e x i s t e n c i a l , t r a n s c e n d e n t a l .

Na p e r s p e c t i v a do p r e s e n t e trabalho, a i d e o l o g i a ê c o n c e ­ bida cojno u m a c a d e i a que se estende de c o n s c i ê n c i a individual em c o n s c i ê n c i a individual, ligando-as. Os signos se c o n s t i t u e m no p r o c e s s o de i n t e r a ç ã o e n t r e as consc i ê n c i a s individuais. A s ­ sim é que se p o d e falar não era s u b j e t i v i s m o e objetivismo, mas em i n t e r subjetivismo:

"Os signos só p o d e m a p a r e c e r em um terreno i n t e r - i n d i v i d u a l . A i n d a assim, trata-se de um t e r r e ­ n o q u e nao p o d e ser c h amado de 'natural' n o s e n ­ tido a b s o l u t o da palavra: não basta c o l o c a r face a face dois h o m ò s apiens q u a i s q u e r para q u e os signos se constituam. E fundamental que esses dois indivíduos e s t e j a m socialmente organizados, q u e f o r m e m um grupo (uma unidade s o c i a l ) : só a s ­ si m u m sistema de signos pode c o n s tituir-se" (Id. ibid.:35).

mesma. Ê antes o m e i o i deologico e social que explica a c o n s ­ ciência individual. A consci ê n c i a s5 se define sociologicamente:

"A c o n s c i ê n c i a i ndividual ê um fato sõcio-ideolõ- gico" (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1981:35).

A l ógica da c o n s c i ê n c i a ê a da c o m u n i c a ç ã o ideol ó g i c a na i n t e r a ç ã o s e m i ó t i c a de u m grupo s o c i a l :

"0 e studo das ideologias não d e p e n d e e m n a d a da p s i c o l o g i a e nào tem nenhuma n e c e s s i d a d e dela.

... a p s i c o l o g i a o b j e t i v a deve se a p o i a r no e s t u ­ do das ideologias" (Id.,i b i d . :36).

A enunciação, o p r o c e s s o de interação v e r b a l a d q u i r e m , n e s ­ ta perspectiva, i m p o r t â n c i a fundamental:

"A r e a l i d a d e dos fenômenos i d eológicos ê a r e a l i ­ dade o b j e t i v a dos signos sociais. As leis dessa r e a l i d a d e são as leis da c o m u n i c a ç ã o semiótica e são d i r e t a m e n t e d e t erminadas pelo c o n junto das leis sociais e econômicas" (Id.,ibid.:36) .

O f e n ô m e n o ideológico, a s s i m concebido, passa a fazer p a r ­ te não da c o n s c i ê n c i a individual, mas l i g a-se âs c o n d i ç õ e s e âs formas de c o m u n i c a ç ã o social e os signos t o r n a m - s e m a t e r i a ­ l i zação d e s s a comunicação. Dentre os signos, a l i n g u a g e m a p a r e ­ ce como u m dos fatores c o n d icionantes mais poderosos.

"A p a l a v r a ê o fenôm e n o i d e o l ó g i c o p o r e x c e l ê n ­ cia" Cid.,i b i d . :36).

Se, de u m lado, a p a l a v r a ê u m signo i d e o l ó g i c o por e x c e ­ lência, de outro, ê o m a i s n e utro dos signos. A m a i o r i a dos signos estâ, por sua p r ó p r i a constituição, ligada a função ideo­ lógica p r e c i s a e a ela adere de forma absoluta. C o m a p a l a v r a tal não ocorre. Ela pode p r e e n c h e r q u a l q u e r e s pécie de função ideológica: estética, científica, moral, religiosa, l ú d i c a , etc... A palavra, a s s i m c o n c e b i d a por uma a b o r d a g e m s o c i o l ó g i c a da

79

linguagem, é i n s e p a r á v e l de q u a l q u e r c r iação ideológica. ,.A c o m p r e e n s ã o do c o n t e ú d o ideoló g i c o em todo o u n i v e r s o semiótico

(uma p e ç a m u s ical, u m quadro, uma escultura, uma fotografia, u m ritual, o c o m p o r t a m e n t o humano, etc.) só pode ser r e a l m e n t e al- oarjçadâ m e d i a n t e o d i s curso interior. A p a l a v r a t e m que e s ­ tar p r e s e n t e era todo ato de c o m p r e e n s ã o e interpretação.

N e s s a p e r s p e c t i v a de e n u n c i a ç ã o e intere s s a n t e ver como B E N V E N I S T E (1971) vê a questão. Sob o título "0 h o m e m na l i n ­ guagem", a p r e s e n t a uma sêrie de e l e m entos sobre o p r o b l e m a da subjet i v i d a d e . C o m e ç a n d o pelas r e l ações entre p e s s o a e verbo, a f i r m a q u e é i m p o s s í v e l se p e n s a r e m c o n s t r u i r uma t e o r i a l i n ­ g ü í s t i c a da p e s s o a v e r b a l sem t o m a r como base as o p o s i ç õ e s que d i f e r e n c i a m as pessoas. Para ele, a q u e s t ã o das p e ssoas não é lom p r o b l e m a de língua, mas u m p r o b l e m a de discurso. Nas duas p r i m e i r a s p e s s o a s há, ao m e s m o tempo, uma p e s s o a i m p l i c a d a e u m d i s c u r s o sobre essa pessoa. Q uando a l g u é m diz: E u fui ao c i n e ­ ma, há, ao m e s m o tempo, o ^ que se a n u n c i a e u m e n u n c i a d o s o ­ bre o e u .

A s e g u n d a pessoa, e d e s i g n a d a pelo eu e, se, de um l a ­ do, nao p o d e ser p e n s a d a a não ser de uma situação a p a r t i r do e u , de outro, p o r u m p r o c e s s o d e r e v e r s i b i l i d a d e na situação dialôgica, assume a função do eu. A i n t e r s u b j e t i v i d a d e d e c o r ­ re do p r o c e s s o de i n t e ração v e r b a l na situação de e n u n c i a ç ã o em que a s u b j e t i v i d a d e da língua, p o r m e i o do d i álogo dos i n t e r ­ locutores, t o r n a - s e i n t e r s u b j e t i v i d a d e discursiva. Para BENVE- N I S T E s o m e n t e o eu e o ^ são pessoas. Ele q u e s t i o n a a l e g i t i ­ m i d a d e da 3? p e s s o a e c oloca como c a r a c t e r í s t i c a das p e s s o a s eu/ tu a u n i c i d a d e e a i n v e r t i b i l i d a d e . Por u n i c i d a d e e n t e n d e - s e que em toda s i t uação de e n u n c i a ç ã o o ato do eu que se a n u n c i a e a n u n c i a O ' t u ê ú nica a cada vez, e n q uanto que o ele p o d e ser

uma i n f i n i d a d e de s u j eitos ou nenhum. Por invert i b i l i d a d e e n ­

Documentos relacionados