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3.1 PROSTITUIÇÃO ENQUANTO EMPREGO

3.1.5 Subordinação jurídica

118DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr,

2014, p. 299.

119Ibidem, p. 300. 120Ibidem, pp. 300-301.

A subordinação jurídica pode ser considerada o pressuposto mais importante na caracterização da relação de emprego, pois facilita sua identificação. É esta que marca a diferenciação entre a relação empregatícia e as demais formas de contratação de prestação de trabalho121.

Apenas a prestação de trabalho de forma subordinada garante a conformação da relação empregatícia.

A subordinação consiste na situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o empregado se compromete a acatar o poder de direção empresarial no modo de realização do trabalho122.

Esta deve ser percebida sob o prisma essencialmente objetivo, considerando- se que atua sobre o modo de realização da prestação de trabalho, não sobre a figura do empregado123.

Não deve ser analisada, portanto, sob a ótica subjetiva, em que se observa o estado de sujeição (status subjectiones) do empregado. Apesar de ser encontrada a situação de sujeição em algumas relações jurídicas empregatícias, esta não explica, do ponto de vista sociojurídico, o conceito e a dinâmica essencial da relação de subordinação. É incapaz, pois, de perceber a subordinação em relação a trabalhadores intelectuais e altos empregados124.

A subordinação possui caráter eminentemente jurídico, originado em um contrato de trabalho. Não é possível considerá-la como um fenômeno de natureza econômica (dependência econômica) ou de natureza técnica (dependência técnica ou tecnológica), tendo em vista que o empregado pode possuir maior capacidade econômica ou melhor qualificação técnica que o empregador125.

O que interessa é a possibilidade do empregador dar ordens, comandar, dirigir e fiscalizar a atividade do empregado, ou seja, intervir no modo que a prestação de serviços ocorre. Dessa forma, a subordinação jurídica não

121GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. 18. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2008, p. 85.

122DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr,

2014, p. 303.

123Ibidem, loc. cit. 124Ibidem, loc. cit.

125CAIRO JR., José. Curso de Direito do Trabalho. 6. ed. Salvador: JusPODIVM, 2011, pp.

necessariamente se manifesta através da submissão a horário ou pelo controle direto do cumprimento de ordens126.

É preciso, ainda, refletir sobre as três dimensões principais do fenômeno da subordinação: a clássica, a objetiva e a estrutural.

A subordinação clássica consiste na situação jurídica derivada do contrato de trabalho, em que o empregado se compromete a acolher o poder de direção empresarial quanto ao modo de realização do seu trabalho. Manifesta-se, pois, pela intensidade de ordens do empregador sobre o respectivo trabalhador. Esta é a dimensão original da subordinação e se mantêm como a mais comum e recorrente modalidade de subordinação127.

A subordinação objetiva se manifesta pela integração do obreiro nos fins e objetivos do empreendimento do tomador de serviços, ainda que suavizados os rígidos traços do vínculo empregatício. A subordinação é, neste caso, vinculada ao critério objetivo: a integração do empregado e seu trabalho aos objetivos empresariais128.

A subordinação estrutural, conforme M. Delgado129, é evidenciada “pela

inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento”. Logo, a subordinação seria identificada pela vinculação estrutural do empregado, qualquer que seja a função ou especialização deste, à dinâmica operativa da atividade do tomador de serviços, incorporando, necessariamente, a cultura cotidiana empresarial ao longo da prestação do trabalho.

O fenômeno da subordinação possui, portanto, caráter multidimensional, o que permite, na medida em que se conjugam as três dimensões da subordinação, enquadrar os fatos novos do mundo do trabalho, surgidos a partir das modificações da realidade, ao tipo jurídico da relação de emprego. Para fins de reconhecimento

126BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2013,

p. 210.

127DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr,

2014, p. 305.

128Ibidem, p. 306.

129Idem. Direitos Fundamentais na Relação de Trabalho. Revista LTr, São Paulo, v. 70, n.

06, jun., 2006, p. 667 apud DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 306.

da relação de emprego, faz-se necessário incorporar os conceitos de subordinação objetiva e de subordinação estrutural, equiparando-os à subordinação clássica130.

Importante aludir também ao chamado trabalho parassubordinado. É um terceiro gênero – sugerido pela doutrina italiana – que se situa entre o trabalho subordinado e o trabalho autônomo.

No trabalho parassubordinado, segundo Barros131:

[…] embora permaneça a disponibilidade do trabalhador e, em consequência, em certa medida, os modos pelos quais realiza o seu trabalho, […] os trabalhadores mantêm uma certa autonomia, preservando a própria individualidade, tendo em vista um objetivo final que representa o interesse comum.

O trabalho parassubordinado pode ser caracterizado, então, por meio de três aspectos, quais sejam: a presença pessoal dominante, evidenciada pela infungibilidade; a coordenação e a interação funcional com a estrutura da empresa ou com o interesse do tomador de serviços; e a continuidade do empenho no tempo, até atingir o resultado132.

O trabalho da prostituta envolve subordinação jurídica. Lacerda133 elucida:

[…] pois há a efetiva obediência de ordens por parte das prostitutas, tais como oferecer bebidas aos clientes e incentivar que sejam consumidas; muitas vezes há proibição do uso de preservativos; o modo de realização da atividade sexual e o tempo despendido com cada cliente são especificados pelo gerente do estabelecimento; o preço das variadas práticas sexuais é fixado pelo bordel; o oferecimento e tais ou quais instalações, a depender do cliente, é determinado pela organização da casa, a depender do número de quartos e sua disponibilidade etc.

Nesse sentido, conta Leite134:

Mas logo ela abandonou a formalidade e continuou com o esperado trivial: “Muito bem, a diária é de 50 cruzeiros. Não gosto de mulheres mal-arrumadas e sem maquiagem. Na minha casa não entra nenhuma droga pesada. Bebida durante o trabalho é proibido e não gosto de ver minhas mulheres sentadas no bar da esquina depois do

130DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr,

2014, pp. 306-307.

131BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2013,

p. 213.

132Ibidem, loc. cit.

133LACERDA, Rosangela Rodrigues Dias de. Reconhecimento do vínculo empregatício

para o trabalho da prostituta. Curitiba: Editora CRV, 2015, pp. 132-133.

134LEITE, Gabriela. Filha, mãe, avó e puta: a história de uma mulher que decidiu ser

prostituta. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, pp. 49-50. Disponível em: <http://lelivros.love/book/download-livro-filha-mae-avo-e-puta-gabriela-leite-em-epub- mobi-e-pdf/>. Acesso em: 28 jan 2018.

expediente. O programa mínimo é de 30 cruzeiros e você, dentro do quarto, pode negociar para mais, nunca para menos, pois acostuma mal os clientes”.

Ainda que, para a prática de sua atividade, a prostituta apenas alugue um quarto na casa de prostituição, é possível entender como trabalho subordinado, pois esta se insere na cadeia produtiva empresarial, objetivando o lucro e com apropriação de mais-valia, independente de estar sujeita a controle rígido, fiscalização ou submissão ao empregador135.

Em observância aos conceitos de subordinação estrutural e de trabalho parassubordinado, é possível pensar em um trabalho em que a prostituta pudesse recusar clientes ou mesmo deixar de laborar em um dia de indisposição física/mental, sem que isto descaracterizasse a relação empregatícia pelo afastamento da subordinação.

Atualmente, pode o empregador conceder uma maior autonomia aos empregados, para uma maior qualidade do trabalho. Deste modo, por exemplo, a frequência pode ser flexibilizada, não se observa uma hierarquia rígida e nem problemas gerenciais a serem discutidos com o chefe, e os trabalhadores podem negociar com os clientes – até um determinado teto limite. Este cenário não implica a ausência de subordinação, uma vez que ainda presente a apropriação dos frutos do trabalho136.

Conforme Lacerda137:

Essa nova configuração das relações laborais enseja uma falsa percepção de que a subordinação não mais existe, que os trabalhadores têm plena autonomia, que hoje o gerenciamento é feito em rede e não mais em estrutura piramidal e que, portanto, não há mais que se cogitar de aplicação das normas celetistas, de resto já tão vetustas, segundo o discurso neoliberal. Em verdade, a subordinação apenas modificou a sua configuração fática, porém a exploração do trabalho alheio continua a existir, a despeito de todo o discurso pós-modernista.

É a subordinação jurídica o principal elemento que invoca a proteção propiciada pelo contrato de emprego.

A essência da relação de trabalho é a exploração de mão de obra e, na medida em que esta se manifesta como apropriação alheia do trabalho de outrem, constitui-se como a exploração da própria pessoa. A condição de subordinado – e 135LACERDA, Rosangela Rodrigues Dias de. Reconhecimento do vínculo empregatício

para o trabalho da prostituta. Curitiba: Editora CRV, 2015, p. 132.

136Ibidem, pp. 129-130. 137Ibidem, p. 130.

também de explorado – do trabalhador é a causa e a razão de ser do Direito do Trabalho138.

Entretanto, cabe ao Direito do Trabalho, haja vista que seu caráter protetivo, limitar a exploração desse trabalho humano.

O Direito do Trabalho, então, questiona a desigualdade entre o empregador e o trabalhador no contrato de trabalho, contestando a hipossuficiência nas relações laborais, mas possui a função geral de legitimar a exploração capitalista139.

De acordo com M. Oliveira140:

É este o dilema ético do Direito do Trabalho. Numa análise mais detida, sabe-se que a proteção trabalhista articulada na legislação conforma-se como mecanismo de dominação, porque assegura a continuidade da exploração do trabalhador, advinda da apropriação do resultado do trabalho por conta alheia. [...] Proteger significa dominar e colocar, sob o jugo do protetor, o protegido que, graças à sua condição de dependente, irá se satisfazer com a qualidade de protegido.

Assim, o caráter protecionista do Direito do Trabalho pretende a limitação, em termos individuais, da exploração para um padrão considerado civilizatório, embora, concomitantemente, legitime a mesma apropriação sobre o trabalho alheio em termos sociais141.

Segundo Lacerda142, “no caso do trabalho da prostituta, esta exploração torna-

se verdadeira espoliação, porquanto sequer é reconhecida liceidade ou juridicidade à prestação dos serviços”.

Em razão da negação de direitos a estas profissionais, é possível perceber a superexploração da mão de obra, o que provoca a supersubordinação destas trabalhadoras143.

A ideia de supersubordinação é proposta por Souto Maior144:

138OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. A (re)significação do critério da dependência

econômica: uma compreensão interdisciplinar do assalariamento em crítica à dogmática trabalhista. 2011. 264 f. Tese (Doutorado em Direito do Trabalho) – Curso de Pós- Graduação em Direito, Setor de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Paraná. Curitiba: 2011, pp. 173-175.

139Ibidem, p. 175. 140Ibidem, p. 17. 141Ibidem, p. 248.

142LACERDA, Rosangela Rodrigues Dias de. Reconhecimento do vínculo empregatício

para o trabalho da prostituta. Curitiba: Editora CRV, 2015, p. 131.

143Ibidem, p. 132.

144SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. A supersubordinação: invertendo a lógica do jogo. São

Paulo: 2008, p. 29. Disponível em: <http://www.jorgesoutomaior.com/uploads/5/3/9/1/53916439/a_supersubordina

O supersubordinado, portanto, por definição, é o trabalhador, ser humano, reduzido à condição de força de trabalho, já que desrespeitados, deliberadamente e como estratégia econômica, seus direitos fundamentais.

O supersubordinado não é um tipo específico de trabalhador. É a designação do trabalhador, em qualquer relação de emprego, que tenha tido a sua cidadania negada pelo desrespeito deliberado e inescusável aos seus direitos constitucionalmente consagrados.

Não reconhecer a possibilidade de vinculação da prostituição ao emprego indica um alto grau de tolerância com a superexploração das prostitutas.

Assim como nas demais profissões, há nesta a confusão entre o trabalhador e sua força de trabalho. Isto porque a natureza da relação de trabalho subordinado decorre da impossibilidade fática de separação entre o trabalho e a pessoa do trabalhador145.

Conforme Gomes e Gottschalk, no trabalho humano subordinado146:

O sujeito da relação emprega não só as suas energias físicas, que não são por si mesmas um objeto descartável do ente humano, mas ainda investe a própria pessoa humana, como fonte permanente da qual emanam aquelas energias. É este aspecto do trabalho dependente – que não tem sido suficientemente destacado pela doutrina – que singulariza o contrato de trabalho. Sob este aspecto, podemos dizer que enquanto os contratos de direito comum giram em torno de coisas, de bens, de patrimônio, o contrato de trabalho apanha a própria pessoa, envolvendo-a na sua essência humana. (grifo do autor)

Existem diversas atividades que implicam o contato corporal, a exemplo do trabalho de massagistas e atletas (de MMA, por exemplo). Nesses casos, supera-se o fato de há a exploração do corpo do trabalhador, para garantir a proteção trabalhista.

A exploração sexual evidenciada na prostituição é uma exploração do corpo da trabalhadora. Tal qual acontece com outros tipos de trabalho, o Direito do Trabalho precisa assimilar esta forma de exploração, devido à necessidade imediata de assegurar a proteção advinda do contrato de emprego às prostitutas, libertando- as da condição de superexploradas e supersubordinadas.

%C3%A7%C3%A3o.pdf>. Acesso em: 07 fev 2018.

145OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. A (re)significação do critério da dependência

econômica: uma compreensão interdisciplinar do assalariamento em crítica à dogmática trabalhista. 2011. 264 f. Tese (Doutorado em Direito do Trabalho) – Curso de Pós- Graduação em Direito, Setor de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Paraná. Curitiba: 2011, p. 175.

146GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. 18. ed. Rio de

3.1.6 O emprego como categoria apta a oferecer proteção às prostitutas

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