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3. SUICÍDIO ASSISTIDO NO BRASIL E ALGUNS INSTITUTOS

3.1 SUICÍDIO ASSISTIDO NO BRASIL

3.1.1 Suicídio assistido e o Código Penal

Para punir a prática de crimes contra as pessoas e contra a vida, foi necessário estabelecer em Lei, especificamente no Código Penal Brasileiro, elencados nos artigos 121 e 122, com o objetivo de regulamentar as atos ilícitos cometidos pelos seres humanos na sociedade.

De acordo com o pensamento jurídico moderno, uma das funções essenciais do direito penal é a proteção de bens jurídicos – bens essencialmente tutelados em razão de sua importância para a manutenção da convivência social (SWIDEREK, 2007, p. 26).

O direito penal protege a vida a vida enquanto bem jurídico essencial desde a formação embrionária, mas, como visto, não de maneira absoluta, pois com exemplo, o aborto é admitido, em certos casos, por fundamento legal e jurisprudencial.

Após o nascimento, o direito protege ainda mais a vida, prevendo no art. 121 do Código Penal a conduta típica o ato de “matar alguém”. O bem jurídico tutelado, no crime de homicídio, indiscutivelmente é a vida humana (BITENCOURT, 2011, p. 47). O suicídio não é punido pelo Direito, pois não é considerado crime, nem mesmo a sua tentativa. Contudo, são considerados delitos a indução, instigação ou auxílio (artigo 122 do Código Penal). Punir aquele que tentou o suicídio só irá aumentar a sua angústia e desprezo pela vida, levando-o a outras tentativas. O suicídio não é uma agressão à sociedade, porque o indivíduo tenta contra a própria vida (VIEIRA, 2006, p. 95).

Também chamado de autoquíria, o suicídio é uma forma peculiar de morte. Suicidar-se é dar a morte a si próprio; assassinar a si mesmo; estar ciente de que produz a sua própria morte. Para muitos, esta é a única forma encontrada para se livrar de uma vida infeliz, sem perspectivas de melhora. Para o médico francês Simonin, suicídio “é um ato paradoxal e inquietante, uma monstruosidade biológica,

um crime contra a natureza, que por ser a negação do instinto de conservação, deixa prever seu caráter mórbido” (VIEIRA, 2006, p.93).

Não importa a situação em que se encontra a vida humana, configura delito de homicídio a morte dada a qualquer pessoa, ainda que ela esteja prestes a morrer (PRADO, 2010, p. 78, apud BERSOT e MARTINEZ, 2016, p. 301).

Não obstante, há excludentes de ilicitude como visto, quando o crime é cometido para salvar a própria vida do agressor, seja em legitima defesa ou por estado de necessidade. Logo, uma relativização é inerente ao bem vida e está presente no ordenamento jurídico em várias situações específicas.

Nos casos de eutanásia, cometidos por compaixão, a chamada “morte piedosa”, a vida continua protegida, mas o agente agressor teria sua pena reduzida, uma vez que o § 1º do art.121 do código penal, apresenta hipóteses de diminuição da pena.

Nesse sentido, a eutanásia é um tipo de “homicídio privilegiado”.

Considera-se privilegiado se o agente: a) é impelido por motivo de relevante valor social; b) é impelido por motivo de relevante valor moral; c) atua sob o domínio de violenta emoção, logo após injusta provocação da vítima (PRADO, 2010, p.81).

De acordo com Bitencourt, na obra “Tratado de Direito Penal”, define relevante valor moral como sendo:

Aquele que, em si mesmo, é aprovado pela ordem moral, pela prática, como, por exemplo, a compaixão ou piedade ante o irremediável sofrimento da vítima. Admite-se por exemplo, como impelido por motivo de relevante valor moral o denominado homicídio piedoso (BITENCOURT, 2011, p.69).

Motivo de valor relevante para Prado (2010, p.96), é aquele cujo conteúdo revela-se em conformidade com os princípios éticos dominantes em uma determinada sociedade. Aqui seria portanto, os motivos nobres, altruístas, havidos como merecedores de indulgências. Portanto se encaixaria a eutanásia enquanto “morte piedosa”, movida por compaixão quanto ao sofrimento da vítima, no caso, um paciente terminal, que perdeu sua sadia qualidade de vida.

O relevante valor moral liga-se aos interesses individuais, particulares do agente, entre eles sentimentos de misericórdia, compaixão e piedade. “Assim, o homicídio praticado com o intuito de livrar um doente, irremediavelmente perdido, dos ferimentos que o atormentam goza de privilégio de atenuação da pena” (CUNHA, 2004, p.26).

A relevância desse valor, social ou moral, é avaliada de acordo com a sensibilidade média da sociedade e não apenas segundo a sensibilidade maior ou menor do sujeito ativo, embora não se possa esquecer que a relevância do valor social ou moral é subjetiva e não puramente objetiva (BITENCOURT, 2011, p.69).

De outra forma, o suicídio é entendido como a deliberada destruição da própria vida (PRADO, 2010, p. 94). No mesmo sentido, suicídio pode ser entendido como a morte de si mesmo (CASSORLA, 1985, p.09).

Segundo as palavras de BITENCOURT “O ordenamento jurídico vê no suicídio um fato imoral e socialmente danoso, que deixa de ser penalmente indiferente quando concorrer com a atividade da vítima outra energia individual provinda da manifestação da vontade de outro ser humano” (2011, p.125).

Sendo assim existe uma determinada escolha por parte do legislador pátrio a ser contestada atualmente, em favor do princípio da dignidade da pessoa humana e da autonomia da vontade, no reconhecimento de uma ordem coletiva não pode ser colocada em face de uma ideologia ou religiosidade dominante que vá contra a vontade de um paciente terminal, que solicita auxílio para se matar, sem que precise utilizar outros meios, como por exemplo a clandestinidade.

Apesar de não se reconhecer ao ser humano a capacidade de dispor da própria vida, a ação de matar-se foge à consideração do direito penal. A não incriminação do suicídio não exclui, contudo seu caráter antijurídico, em razão da proteção do bem jurídico vida. Por razões que se voltam à impossibilidade de punição do suicídio e à política criminal não se incrimina a prática de suicídio (MIRABETE, 2009, p.46).

Assim, no direito penal o suicídio não é considerado uma conduta criminalizada, demonstrando mais uma vez uma flexibilização do dogma absoluto da vida no direito brasileiro.

De acordo com os ensinamentos de Damásio E. De Jesus:

O suicídio, sob o aspecto formal, constitui um indiferente penal. Isto significa que a legislação não pune o fato como infração. Nem a tentativa de suicídio é apenada. Em face de medida de Política Criminal, entende-se que a tentativa de suicídio não pode ser submetida à imposição de sanção penal, uma vez que a punição exercida pelo Estado constituiria um acoroçoamento à repetição do tresloucado ato.

A punição ao que tentou suicídio serviria de alento a novas tentativas, até chegar o sujeito à consumação do fato. A conduta, embora não constitua ilícito penal, é ato que contraria o ordenamento jurídico. É ato ilícito. Tanto que não constitui constrangimento ilegal a coação exercida para impedi-lo, nos termos do art. 146,§3º, II, do CP. Ora se o legislador diz que não constitui constrangimento ilegal a conduta de impedir o suicídio, significa que é comportamento absolutamente legal o fato de não se permitir a alguém a conduta de tirar a própria vida . O constrangimento, nesse caso é legal, pelo que se entende que a conduta do suicídio é ilegítima (DAMÁSIO, 1979).

Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resultar lesão corporal de natureza grave. Parágrafo Único. A pena é duplicada: I – se o crime for cometido por motivo egoístico; II – se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

Portanto, não se deve achar que só por não ser apenada a tentativa, que deve ser praticada a qualquer momento o suicídio, pois o ato é ilícito e contraria o nosso ordenamento jurídico, a lei penal brasileira é bastante transparente ao colocar em seu Código Penal, que a indução, instigação ou auxílio ao suicídio é crime. Cumpre asseverar que a conduta tipificada é a participação em suicídio, desse modo, a conduta é penalmente irrelevante, sendo, portanto, atípica.

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