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8 RESULTADOS E DISCUSSÃO

8.2 Significações da morte

8.2.7 Suicídio

A temática do suicídio foi marginal nessa pesquisa, o que não sabemos se é por tratar- se de um tema “tabu”. Apesar da maior visibilidade nos últimos tempos, especialmente nas campanhas de prevenção ao suicídio, no Setembro Amarelo, uma parcela da sociedade trata, ainda, tal como a morte, o suicídio como “tabu”, de modo que busca-se em certa medida evitar o assunto (DURKHEIM, 2011).

A tentativa suicida geralmente relaciona-se ao fato do indivíduo, diante de seus conflitos e sofrimentos, não conseguir perceber as possibilidades de solucionar tais questões, sendo a morte a resposta encontrada como uma solução (MINAYO; TEIXEIRA; MARTINS, 2016). A literatura aponta também que o risco de suicídio aumenta significativamente em pessoas cujo histórico familiar apresente suicídio ou tentativas de suicídio (PAPALIA; FELDMAN, 2012). Este foi o caso de um dos idosos, que abordou diretamente o tema como causa da morte de sua irmã e relatou tentativas de suicídio anteriores à entrada na instituição.

O suicídio da minha irmã eu não sei como foi que ela, aquela menina fez aquela coisa ali, que é fatal. E eu tenho uma parte das coisas dela. Eu tenho medo de mim porque eu já tentei um suicídio (Luciano, 67 anos, ILPI pública).

É uma coisa, é uma perturbação que vem, que a pessoa acha que não tem mais solução e tá tá tá, e desejava morrer. Depois foi que eu vi que, na última vez eu disse que não fazia mais (Luciano, 67 anos, ILPI pública).

O idoso relatou que as tentativas teriam ocorrido em momentos de muita turbulência em sua vida, inclusive em um período em que era dependente químico. Este fator seria

apontado na literatura como de risco para o comportamento suicida, o uso abusivo de álcool pode potencializar as tentativas, ao mesmo tempo em que pode apresentar-se como consequência e causa dos atos que conduzem ao autoextermínio (MINAYO; TEIXEIRA; MARTINS, 2016).

Além do uso abusivo de álcool e outras drogas, o risco de suicídio associa-se a uma série de outros fatores, como as doenças físicas incapacitantes, doenças mentais, e problemas que envolvem tanto questões familiares como também de ordem socioeconômica (MINAYO; TEIXEIRA; MARTINS, 2016).

No caso das doenças físicas e degenerativas, estas também podem associar-se ao suicídio quando juntas a outros fatores (CAVALCANTE; MINAYO, 2012). Minayo, Teixeira e Martins (2016) apontam que a dor do sujeito é ampliada diante de quadros de doenças que não têm cura, especialmente quando essas enfermidades conduzem o sujeito a uma condição incapacitante ou limitante. Esta, pois, pode tornar-se uma condição potencializadora do comportamento e/ou pensamento suicida, o que se pode observar nos seguintes fragmentos de fala de Roberto.

Pronto, minha vida é essa! Místico, respeitador, amo a vida de paixão, mas ficar inútil, em cima de uma cama dependente, eu mesmo faço minha partida, independente de qualquer religião, até mesmo da minha (Roberto, 63 anos, ILPI privada).

(...) Inclusive, saiu o resultado agora, eu estou com dois balões imensos de coagulação aqui no abdômen, dois, dois, quatro, seis, oito. Então, a cirurgia é de grande risco e pode ter a perna amputada e eu já disse ao próprio médico "se for para amputar a perna, eu mesmo tiro a minha vida" (Roberto, 63 anos, ILPI privada).

Roberto foi acometido por um aneurisma na perna que, segundo ele, foi tardiamente detectado, resultando na amputação do membro. E mais recentemente havia sido diagnóstico com mais 8 aneurismas, cuja cirurgia para remoção representaria grande risco de perda da outra perna, o que o deixaria numa condição ainda mais limitante. Roberto, mostrou-se inconformado com a situação e de uma forma ou de outra já experienciava um luto antecipado, seja pela possibilidade de morte (que ele próprio executaria) ou a perda de outro membro.

É interessante notar que Roberto faz referência à religião ao mencionar que tiraria voluntariamente sua vida independente de religião, subentendendo que a religião poderia em alguma medida interferir nesse aspecto.

Almeida e Lotufo Neto (2004) sugerem que a interrupção voluntária da vida seria um ato condenado pelas religiões, especialmente ao considerarem a vida um dom Divino e do qual não se deve dispor de forma voluntária.

Sob esta ótica, é interessante notar também que na instituição filantrópica, o suicídio não fez parte das falas das idosas. Isto levou-nos a refletir acerca do papel da religiosidade nesse contexto. Segundo Bhatia (2002), as religiões em sua maioria não aprovam o suicídio. E enquanto produtoras de sentido, as crenças religiosas cristãs mostraram-se muito presentes entre as idosas residentes nessa ILPI, atravessando as formas de pensar e de agir. Sendo assim, o suicídio seria considerado um ato contrário as suas crenças, especialmente ao crerem que Deus, enquanto onisciente e onipotente, é quem decide quando e quem morre.

No caso de Esmeralda, a idosa não menciona a palavra suicídio, mas de modo indireto fez uma afirmação que remetia à possibilidade de antecipação do seu fim, caso perdesse a sua irmã, com quem possui um forte vínculo.

Não. Aí é uma época, se isso acontecer (a irmã morrer), eu sou capaz de fazer uma loucura. Eu não gosto. Eu só vivo por causa dela (Esmeralda, 79 anos, ILPI privada).

Quando se trata do suicídio, a família é considerada um suporte fundamental para o indivíduo, e pode possuir um caráter de força protetora a este mesmo (CAVALCANTE; MINAYO, 2012; FIGUEIREDO et al., 2012), de modo que a presença ou ausência familiar, inclusive por morte, acompanhada da quebra dos vínculos afetivos pode ter repercussões negativas na vida da pessoa idosa que vive num contexto de ILPI, onde por si só os vínculos afetivos parecem diminuídos. E esse sentido de perdas de referências familiares pode imprimir no idoso um sentimento de abandono e solidão, culminando também em pensamentos suicidas.

Vemos, pois, que a tentativa de suicídio é um fenômeno complexo e de múltiplas causas, estando presente em sua constituição “diversos elementos, incluindo aspectos biológi- cos, história de vida pessoal, eventos circunstanciais e o contexto socioeconômico no qual a pessoa vive e viveu.” (MINAYO; TEIXEIRA; MARTINS, 2016, p. 37).

Nos casos analisados, vemos que o suicídio aparece como causa da morte, mas não há um único determinante no que diz respeito a isto. Este constitui um debate complexo e, por si só, constituiria um estudo à parte para aprofundar-se nas discussões que ele suscita.