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é a mais jovem dentre os sujeitos entrevistados Tem 25 anos, é mulher branca e, assumidamente, lésbica Minha intenção em pontuar sua orientação sexual deu-se,

CIÊNCIA SOCIAL CRÍTICA

Samara 66 é a mais jovem dentre os sujeitos entrevistados Tem 25 anos, é mulher branca e, assumidamente, lésbica Minha intenção em pontuar sua orientação sexual deu-se,

não por querer impor rótulos às pessoas em decorrência de suas sexualidades, mas porque saber que Samara é homossexual ajudou-me a compreender suas andanças pelo mundo da vida. Conheci Samara na mesma época em que tive os primeiros contatos com a Rafaela. Ambas chegaram ao Centro POP por meio de encaminhamentos feitos sob os mandos da secretária de cidadania e assistência social mandatária no período de 2010 a 2012 e sua chegada foi conturbada, dado que, ao passar pelo atendimento técnico, foi atribuído a Samara o perfil67 que não correspondia à política de atendimento do Centro POP. Não sendo natural de São Carlos e não possuindo vínculos familiares e/ou comunitários duradouros no município, a única alternativa para Samara era viajar. Assim, foi feito encaminhamento de passagem para sua cidade natal (Piracicaba) e no momento em que soube que retornaria, Samara entrou em evidente desespero, saindo da unidade e lá não voltando mais, pelo menos até o dia em que lá trabalhei. Vim reencontrar Samara pelo menos 2 anos depois dos acontecimentos descritos, momentos em que ela narrou fragmentos de sua história de vida marcada pelo preconceito e rejeição da família em decorrência do fato de ser lésbica, de sua coragem e desejo de se afirmar como tal desde a infância e das movimentações promovidas em sua vida pela dependência química, especialmente pelo uso de crack. Foi no encontro com Samara que senti a concretude do que Dussel fala a respeito da movimentação de horizontes que se dá quando há reconhecimento mútuo de alteridades. Foi ela que mediou meu acolhimento na Praça da Catedral quando disse, estendendo-me a mão: “Vem querida, que eu te levo”.

Entre 2010 e 2012 avistei Adriano68 quando realizava abordagens de rua, mas nunca estabelecemos contatos verbais. Durante minha atuação no Centro POP ele não frequentou a unidade nenhuma vez. No dia 10 de março de 2013 foi a primeira vez que conversamos e

66 Ver apêndice H que contém transcrição da entrevista com Samara.

67 Sobre perfil de atendimento no Centro POP em São Carlos ver a dissertação de mestrado de Oliveira (2012). 68 Ver apêndice I que contém transcrição da entrevista com Adriano.

103 provocamos o encontro de nossas alteridades. Adriano é homem negro, poeta. Sua trajetória de vida antes de cair na rua foi marcada pela militância no movimento negro da cidade. Porém, a dependência do álcool o levou a ter conflitos com a família que culminou na ida para a rua. Nesse primeiro dia de conversa, Adriano relatou que escreveu um livro “Vaga mundo” e que não guardou um exemplar para si. Contou que a cópia da Biblioteca Municipal foi retirada e não devolvida e que, portanto, seu livro estaria vagando perdido pelo mundo. Anotei o título e quando cheguei em casa busquei por ele no website da Biblioteca Comunitária da UFSCar69. Para minha surpresa havia um exemplar que no dia seguinte fui retirar. Seu livro é composto por mais de 60 poesias, algumas autobiográficas e outras engajadas à luta das pessoas negras no país. No dia 17 de março retornei à praça da Catedral e mostrei o exemplar do livro para Adriano que ficou emocionado ao ver e tocar sua obra. Naquele momento, senti como se nosso vínculo de amizade e confiança houvesse se formado e passamos a dialogar mais assiduamente sobre o viver na rua. A partir desse acontecimento, Adriano se disponibilizou a me conceder entrevista gravada, o que havia negado na semana anterior e, ainda, compôs um poema em meu nome (Anexo II) que quis ler em voz alta, entonando na declamação a mesma emoção que relatou ter sentido ao retomar a escrita de suas poesias, desejo despertado a partir do reencontro com seu “Vaga mundo”. Fiz cópia do livro e lhe dei uma caneta para que voltasse a escrever poesias. Atualmente, soube que Adriano está “internado” voluntariamente em uma comunidade terapêutica, na busca por superar a dependência química do álcool.

69 ELIAS, Adriano. Vaga mundo. São Carlos: s.n., s.d.. 79 p. O livro está disponível na biblioteca comunitária

da UFSCar e pode ser encontrado da seguinte forma: http://200.9.84.221/cgi- bin/wxis.exe?IsisScript=phl82.xis&cipar=phl82.cip&lang=por.

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2.3.4. Análise e organização dos dados

As 6 rodas de conversa possibilitaram o levantamento dos primeiros elementos temáticos (quadro 3) que reagrupadas evidenciaram os 6 temas geradores utilizados para a elaboração do roteiro de entrevista semiestruturado (figura 6).

Figura 6. Processo desencadeado pelo desenvolvimento dos procedimentos metodológicos da pesquisa.

A realização das entrevistas individuais possibilitaram etapas de codificação e descodificação de situações existenciais dos sujeitos que vivem na rua, sendo que a codificação é a representação dessas situações e a descodificação configura-se como uma etapa de análise crítica da situação codificada (FREIRE, 2005).

Sendo as mulheres e homens, seres em ‘situação’, se encontram enraizados em condições tempo-espaciais que os marcam e a que eles igualmente marcam. Sua tendência é refletir sobre sua própria situacionalidade, na

Rodas de conversa: diários de campo Elementos temáticos Temas geradores: roteirode entrevista Categorias analíticas: dimensões da vida na rua

105 medida em que, desafiados por ela, agem sobre ela. Esta reflexão implica, por isto mesmo, algo mais que estar em situacionalidade, que é a posição fundamental. Os seres humanos são porque estão em situação. E serão tanto mais quanto não só pensem criticamente sobre sua forma de estar, mas criticamente atuem sobre a situação em que estão (FREIRE, 2005, p. 118).

Nesse sentido, feita a entrevista piloto com Marcos Silva, realizei a transcrição e pré- organização dos dados (ver quadro 5), o que possibilitou a melhoria do roteiro de entrevistas que utilizei com os demais sujeitos70. Finalizadas as entrevistas, realizei transcrição e, ao lê- las diversas vezes, fiz destaques de palavras e/ou frases que foram organizadas dentro de 3 grandes temas (A rua / Viver na rua e Processos educativos na rua), cujas palavras evidenciaram as primeiras categorias analíticas (ver quadros 6, 7, 8 e 9).

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Quadro 5. Organização dos dados obtidos na entrevista piloto com Marcos Silva.

ENTREVISTADO CATEGORIA ELEMENTOS QUE CONSTITUEM A CATEGORIA

Marcos Silva Desenraizadores Enraizadores A RUA Tristeza Dureza Abandono Solidão Despossuimento Dificuldades Insegurança Fuga Alegria Companheirismo União Solidariedade Amigos/as

Diversos contatos com diferentes pessoas A rua é um mundo que ensina

OS PROCESSOS EDUCATIVOS (extrapolam as

questões de sobrevivência biológica, instintivas)

Aprende na marra (se não aprende, apanha)

Conviver com a diversidade Respeitar as igualdades de diferenças Conversar

Aprende a viver Superar o medo

Conhecer onde está pisando

Necessidade de saber se comunicar sem enganar ou iludir seu interlocutor

Manter a higiene pessoal

Que a vida na rua pode ser passageira e também permanente

COMO SUPERÁ-LAS