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3.3 “Viver na rua é muito difícil, mas é alegre também,

sabia?”

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: reflexões sobre a negação e a afirmação da vida

na rua

Todas as questões debatidas com os sujeitos entrevistados possibilitaram reflexões expressivas sobre a constante busca por afirmar a vida que se desenrola sobre condições adversas. Logo após atribuírem à vida na rua, uma série de aspectos duros que marcam profundamente suas histórias, transformando-os enquanto pessoas, os sujeitos da pesquisa firmam que, apesar de tudo, viver na rua também é bom, é alegre. Samara, sem titubear, diz que “a rua não é fácil não” e que a vida para ela,

[...] é ter um lugar pra ficar, um serviço, um lugar pra, sei lá, descansar, ir trabalhar, voltar. Aí é vida pra mim, mas essa vida aqui não é não. Porque essa vida não é pra ninguém. Experimenta ficar dois dias na rua pra você ver. Não é vida não! [...] A vida na rua é ruim pra caramba, não é boa não (Samara).

Para Rafaela a “[...] vida na rua é assim: é onde você apanha, chora e ninguém vê. Por quê? Você sofre. Pode estar frio pode estar calor. Você pode dormir com fome e não é sempre que você tem uma comida pra comer, entendeu? E é uma vida assim, difícil. Mas se você souber controlar, fica fácil”. O controle, segundo ela, “é evitar álcool, droga, companhias inadequadas” e esse controle é aprendido por meio das vivências na rua.

Você aprende assim, você pega, vive na rua, comendo o que os outros dão, bebendo o que os outros dão, vestindo o que os outros dão, certo? Você usa uma droga, você usa um álcool. Se você for no embalo assim, de tudo que você vai ter você vai vender pra comprar droga e álcool, você acaba se

125 perdendo. Então você tem que saber se controlar, entendeu? Porque a droga e o álcool não é tudo, principalmente na vida de rua (Rafaela).

Adriano nos conta que nunca se conformou em viver na rua e essa situação, só de lembrar, gera profundo sentimento de raiva.

[...] eu não me conformo com a situação que eu estive. Às vezes eu fico com raiva Sara. Eu fico com raiva, muitas vezes de lembrar, principalmente depois que você trouxe para mim o livro, eu fico com raiva de lembrar que em 1997, eu saí daqui do sindicato dos ferroviários, 23:30 da noite, tinha acabado de ser o lançamento do meu livro[...]. Eu subi essa avenida São Carlos aqui e uma amiga que estava no lançamento pegou e falou para mim naquela noite: “Tá feliz Adriano?” Eu falei assim para ela: “Se eu morresse hoje eu morreria feliz” (Adriano).

Ao mesmo tempo, reconhece que ter vivido, ainda que na rua, proporcionou momentos e oportunidades que lhe trouxeram alegria, o que nos leva a concordar com Valla (1996, p. 186) quando diz que “a vida vale a pena viver, mesmo dentro de uma perspectiva de que não se pode vislumbrar uma saída no futuro para o sofrimento e a pobreza que se atura diariamente”.

[...] hoje eu percebo que não é assim. Se eu tivesse morrido naquela noite, se o homem lá em cima tivesse me ouvido, eu teria tido o desprazer de não viver. E ao mesmo tempo ele teria tirado de mim a alegria de ter vivido tantas outras coisas, inclusive a oportunidade de eu ter tido de conhecer você. Se eu tivesse morrido em 97 eu não teria conhecido você. Que presente que Deus me deu! Ainda bem que ele não ouviu as minhas arrogâncias (Adriano).

Marcos Silva explica que viver na rua “[...] é muito difícil, mas é alegre também” e que “tem alegria mesmo com o sofrimento”. As dificuldades, de acordo com ele, estão atreladas ao não pertencimento e às privações que são ocasionadas pelo fato de viverem na rua – sem família, sem casa, sem emprego, sem se adequarem ao mundo que está dado e que circunscreve padrões estéticos, comportamentais, de consumo, de vida, impostos por uma ordem dominante que totaliza e mediatiza pessoas como objetos e não como entes sui generis (DUSSEL, 1977b). Adriano confirma o que Marcos afirma.

Às vezes as pessoas veem a gente na rua. Olham você de baixo para cima com nojo, sabe? O ser humano com nojo do ser humano. Aí às vezes eu vejo pessoas com cachorro, sabe? Cachorro no seu carro e cuidando melhor de um cachorro do que de um ser humano. Não que eu não goste dos animais, eu gosto, mas eu sempre pergunto assim para as pessoas quando eu vejo essa

126 atração por animais: ‘Jesus morreu por quem? Morreu por um cachorro ou por você que é ser humano?’ Morreu por mim que sou ser humano. Porque as pessoas acabam tratando melhor um cachorro, um animal do que o ser humano. Ela olha para o outro, Sara, com nojo. Com nojo e essas coisas doem (Adriano).

Marcos, por sua vez, ressalta que uma parte da sociedade olha a população de rua com uma indiferença que fere e esse aspecto, que está presente ao se viver na rua, torna a situação ainda mais difícil. Para ele “a sociedade vê a vida na rua de uma forma muito negativa e não enxerga toda a complexidade das relações que acontecem nela” (Marcos Silva). É como se as pessoas refletidas nesse olhar, que não é natural, fossem objetos descartáveis que não têm valor para o projeto de sociedade que se vislumbra construir.

[...] muitas vezes você está sendo visto e está vendo também, quer dizer, eu vejo nas pessoas. Eu, por ser morador, eu vejo como as pessoas veem. A gente entende, né? Tipo assim, você aprende a ver o que a pessoa, como a pessoa está te vendo. O que me alegra é que nem todos me colocam tão pra baixo, entendeu? Quer dizer, muitos te criticam, mas muitos sabem te entender. Muita gente sente que a falta é de respeito, entendeu? É a falta de respeito que faz a pessoa se sentir mal. Quando eu vejo que a pessoa olha e acha que é porque tá na rua, pode te humilhar, te expulsar dali, são coisas assim que deixam a gente triste. No mais a gente supera tudo, agora é nesse sentido que não tem como superar, entendeu? (Marcos Silva).

A noção do projeto de sociedade que é totalizante e que busca conservar ideias de vida baseados em modelos dominantes ajuda-nos a compreender o aprofundamento da percepção de quem vive na rua, a respeito do não pertencimento à sociedade ou à falta de tudo, como se tudo fosse apenas o que diz respeito à materialidade da vida humana em que é necessário, essencialmente, ter para ser. Outro elemento que contribui com as interpretações sobre viver na rua desenvolvidas pelos sujeitos da pesquisa, é a noção referencial de instância familiar que, de acordo com Martinez (2011, p. 38), “[...] é a lógica pela qual o Estado pensa os sujeitos”. Para a autora, essa lógica gera “implicações na delimitação de uma população excluída desta gramática” o que traz “poucas contribuições para a compreensão deste perfil populacional”.

Quando os referenciais são aqueles calcados nas relações que foram previamente rompidas no âmbito privado, o perfil da população de rua inevitavelmente é postulado em sua negação, porque o que se apresenta é a falta de referenciais. A população de rua é, então, composta por um perfil de sujeitos que estão basicamente excluídos de gramáticas relacionais

127 familiares: o trabalho, o domicílio e a comunidade. Excluídos e marginalizados por seus desligamentos familiares, este referencial pouco contribui para a compreensão dos vínculos produzidos nas ruas, extremamente importantes para se pensar a vida nas ruas (MARTINEZ, 2011, p. 39).

Nesse sentido, é possível compreender a fala de Marcos Silva quando relata que viver na rua é difícil por ser “uma situação em que você se encontra, de abandono, no meio da rua, nada tem. Muitas vezes você vê as pessoas com uma família, com os filhos abraçados, você não tá. As pessoas indo para casa dormir, você não vai. Esse é o lado triste”.

[...] eu acho que a maior dificuldade mesmo é quando você vê todo mundo indo embora pra um canto pra outro e você se dá conta de que você está na rua, sem ninguém. Pra mim a maior dificuldade é esse momento. Quando eu vejo todo mundo assim, as praças cheias, todo mundo alegre, eu acho contente. Agora quando eu vejo tudo deserto, aí dá aquela tristeza: ‘Poxa, e agora?’ Aí você vê o quanto, realmente, a sua situação é rua! Quando você abre os olhos, aí você vê a sua realidade. É isso que a gente procura esquecer no nosso dia a dia (Marcos Silva).

Contudo, ele expressa que “também tem o lado alegre, quando você nessa situação encontra muitas pessoas também, no mesmo sofrimento que você e se une, se junta... Então você cria um pouco de alegria nisso aí. Conhece pessoas boas...” (Marcos Silva).

Ressaltar os processos de negação da vida que perpassam as vivências na rua e que são desencadeados dentro de suas mediações é tarefa urgente e indispensável àqueles que buscam compreendê-la e expressá-la sem idealismos ocos. Aqueles que, junto da população de rua, visam denunciar as injustiças do sistema que submete pessoas a condições cada vez mais precárias de vida. No entanto, paralela a essa demanda, dados coletados nessa pesquisa demostram que os primeiros impulsos das pessoas, ao “caírem na rua”, são de afirmação da vida em que aprendem a enfrentar o medo e a sobreviver material e simbolicamente, preservando sua existência humana. Perguntei ao Marcos se ele havia sentido medo ao cair na rua e ele respondeu que “num momento assim, não”. Que “num momento de raiva eu não tive medo”.

Movido pela raiva, pelo impulso eu fui. Depois que eu cheguei, peguei ônibus aqui, fui de a pé, fui em posto peguei carona e fui parar em São Paulo que eu cheguei lá é que bateu aquele medo. Eu falei: “Poxa e agora meu Deus, o que eu tô fazendo?” Eu vi aquele monte de gente pra lá e pra cá, mas nada, né? “Eu nada conheço, nada tenho, como é que eu vou dormir, o que vou fazer?” Então aí deu aquele medo sim, aquele princípio de medo, sabe,

128 mas a gente aprendeu. [...] Eu fui fazer o que eu tô fazendo aqui com você agora. Achei uma praça, sentei, fiquei, pensando, olhando, analisando e querendo achar força... porque ali era tudo novidade, difícil! (Marcos Silva).

A vida na rua se desenrola sobre impulsos afirmativos, motivados por sentimentos diversos que, perpassados pela esperança de sobreviver e melhorar, movimentam as pessoas a dar continuidade as suas caminhadas pela vida. Por vezes, a esperança é tombada por processos negativos vivenciados pela violência, pelo desprezo, pela solidão, pela indiferença, pelas privações materiais, pela dependência química. Porém, ao contrário de ideias fixistas disseminadas pelo senso comum de que na rua, quando há aprendizado, aprendem-se somente coisas ruins e erradas, meus interlocutores relatam a dialeticidade dos processos educativos que frutificam múltiplos saberes que carregam para toda a vida, dentro ou fora da mediação da rua.

Nesse sentido, Adriano narra que na situação de rua aprende muito...

[...] Experiências que eu jamais vou esquecê-las. Aprendi a conhecer um pouco melhor o ser humano. Aprendi a perceber que nem todo mundo é bom e ao mesmo tempo que nem todo mundo é ruim. Eu aprendi também que tem dor, tem sofrimento, tem lágrima, mas também tem malandragem, sabe? Tem um monte de malandragem. Tem pessoa que está do lado do outro dormindo, na mesma situação dele ou às vezes até pior e que tem a coragem de roubar o outro que está dormindo. O outro não tem nada! Eu aprendo que tem muita maldade na rua e se você deixar Sara, as pessoas que moram na rua manipulam, enganam. Então você não deve acreditar em tudo que as pessoas falam, sempre fica com o pé atrás, sabe?

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3.4.

“A rua é um mundo”

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: reflexões sobre o horizonte

existencial e a totalidade de sentidos na rua

A dialética da negação e afirmação da vida na rua culmina na categoria aqui analisada denominada “A rua é um mundo”. O alcance da compreensão teórica de suas múltiplas dimensões foi possibilitada pela apreensão de algumas das categorias filosóficas teorizadas por Dussel (1977a, 1977b, 1995) como: a totalidade vigente, o horizonte existencial, o mundo e a totalidade de sentidos. De acordo com o autor, o ser humano “cada um de nós, é um ser em seu mundo. É dizer, vivemos em um mundo; o mundo de uma cidade, o mundo de nosso bairro, ou o mundo de uma classe social” (DUSSEL, 1977b, p. 14, tradução minha).

Quando Rafaela se refere à rua como um mundo, interpreta essa mediação espaço- temporal, como cotidianidade mundana constituída por mulheres e homens que nela produzem, reproduzem e desenvolvem suas vidas. Esse mundo cotidiano é delimitado por um horizonte, sem o qual, segundo Dussel (1977b, p. 14), “nada se nos avanzaría y estaríamos en la oscuridad o en la confusión de imágenes; sería como estar em la profundidad de una mina, de una caverna”.

Marcos Silva, ao reconhecer que sua realidade hoje é a rua, imediatamente expressa a consciência de que há interposição de condicionamentos nesse horizonte existencial, sem cair, necessariamente, em uma visão ou atitude fatalista diante desse seu mundo, mas evidenciando um certo pragmatismo realista sobre sua condição existencial.

Não é que eu goste. Gostar eu não gosto, mas é a minha realidade hoje é isto, o que eu vou dizer pra você? Mas gostar a gente nunca gosta, né? Mas se a gente tá aqui, caímos aqui, fazer o que? Porque se não for a rua agora, vai fazer o que? Vai pra onde? Então tem que aprender, mas gostar eu não gosto não! A gente vive! (Marcos Silva).

A fala do Marcos dá vazão a duas interpretações possíveis: a primeira poderia atribuir a sua percepção sobre viver na rua, conformismo, falta de iniciativa e/ou apatia, tendência interpretativa muitas vezes expressada por quem, não vivenciando a realidade da rua, julga precipitadamente a visão que as pessoas que vivem nela têm sobre ela (VALLA, 1996); a segunda poderia considerar que Marcos enxerga alternativas de condução de vida, para as

130 quais apontaria a necessidade da educação como meio, tecendo nessa interpretação sobre a vida na rua “avaliação (conjuntural e material) rigorosa dos limites da sua melhoria” (VALLA, 1996, p. 181).

Ao interpelar Rafaela sobre suas primeiras vivências na rua, ela narrou que “foi meio estranho” porque conheceu uma moça chamada Damaris que “injetava cocaína com gasolina e com ela conheci o crack” (Rafaela). Em relação aos primeiros sentimentos, sensações, emoções gerados quando “caiu na rua”, contou-nos que foi “meio estranho porque você não conhece ninguém, você não sabe de nada. Você tem que estar aprendendo pra sobreviver” (Rafaela). As primeiras experiências de Rafaela no mundo da rua causaram-lhe estranhamento, fruto de quem adentra num mundo novo onde a totalidade de sentidos ainda não estaria formulada em contraste à trajetória anterior na casa de sua mãe.

[...] eu comecei a beber tinha 5 anos, comecei a fumar com 5 anos com meu pai. Com 9 anos minha mãe queria que eu conhecesse o meio da prostituição que era pedir o dinheiro pros homens que ela saía. Até com 12 eu não fui, ela pagou 10 reais pra um moleque me estuprar. Com 13 eu fugi de casa, 14 tive meu filho. Com 15 anos ela tirou meu filho de mim, hoje meu filho está no orfanato porque ela queria dinheiro pra ficar com o moleque, então, eu prefiro mais ficar na rua do que ficar do lado dela que é um meio assim, só de sofrimento (Rafaela).

Por meio desse relato, Rafaela expressa que a totalidade da casa possibilitou experiências e sentidos que a levaram a cair na rua, na busca por romper com vivências de sofrimento e opressão. “Porque Sara, você vê assim, você vai comer, vai beber, você escuta humilhação. Na rua não, na rua você bate na cara de alguém, pega sua comida e tchau! Agora lá não, minha mãe me humilhava, minha irmã, meu pai... Então, pra mim tão eles lá e eu cá” (Rafaela).

Segundo meus interlocutores, ao “cair na rua” é preciso começar a aprender para sobreviver e (re)começar projetos de vida diferentes dos anteriormente planejados, espontaneamente ou compulsoriamente, como ocorreu com Rafaela em relação ao que sua mãe almejou em torno da prática da prostituição. Segundo ela, aprende-se na rua “[...] no dia a dia. No dia a dia você vai aprendendo. Cada dia que passa você vai aprendendo o que é uma alimentação, o que é uma vida, o que é uma saúde, aí você vai aprendendo” (Rafaela). E os saberes aprendidos vão sendo guardados para que se desenrole a vida na rua ou fora dela.

131 “Ah, a gente guarda, né? A gente guarda porque é uma experiência que nunca tem fim. É uma coisa que você aprende, aprende e vai levando” (Rafaela).

3.5. “Na rua eu aprendi muito. Experiências que eu jamais

vou esquecer

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: uma escola chamada rua

As categorias teóricas que dizem respeito às dimensões empíricas do viver na rua demonstram que essas experiências são produzidas, reproduzidas e desenvolvidas a partir de processos educativos dinâmicos que contribuem para que mulheres e homens vivam material e simbolicamente, mediatizados pelo mundo da rua. Marcos Silva afirma que na rua aprende- se “pra ser um pouquinho menor o baque”. Aprende-se para “cuidar de si, pelo menos, manter um pouco da autoestima, da higiene” porque “tem certas coisas que são essenciais, não tem como você ficar sem, mesmo morando na rua”. Os processos educativos são passados, geralmente, dos mais experientes de rua (mais velhos de rua), para os mais novos e inexperientes.

[...] você quer aprender, vai com pessoas mais vividas porque eles vão ter bem mais pra ensinar. Conhecem melhor os trâmites, são ricos em informação. É diferente você pegar um cara que está há 20, 30 anos na rua e pegar um que está há 2 anos, 1 ano na rua, entendeu? De certa forma ele vai precisar de muita informação, tem que ter alguém, se juntar a um grupo pra aprender a andar pra lá, pra cá (Marcos Silva).

Renatinho relata que quando passou três dias com fome, até “na hora que a barriga fez ‘roooom’, o que? Eu saí e bati na primeira casa que eu vi e falei: ‘minha senhora, tô com fome’. Aí eu vi que era fácil”.

Para quem tem boca para pedir, conversar, não é tão ruim. Mas para quem não sabe pedir, não sabe conversar, passa perrengue. Porque aí não saber pedir, não vai saber pedir para comer nem para nada. Se bebe e fuma não vai saber pedir. Sabendo pedir não é tão ruim, mas não é todo mundo que ajuda. De vez em quando o povo esculacha você nas palavras. Mas no mais, você sabendo conversar não é tão ruim, você tem tudo o que você quer. Não todo dia e direto e sempre, né? Mas o dia que o povo está disponível a ajudar... (Renatinho).

132 No mundo da rua aprende-se junto, em comunhão, por meio do permanente desenvolvimento da linguagem que possui características próprias que variam de acordo com a territorialidade. Marcos Silva afirma que “é verdade que há um vocabulário próprio” [...] que “você tem que aprender, porque é a comunicação. Você tem que interagir, é essencial”. Renatinho também traz informações acerca da linguagem desenvolvida na rua.

[...] nós aqui das ruas é ‘salve’, ‘boa boa’. As pessoas perguntam ‘que isso boa boa neguinho? Nunca ouvi esse boa boa’. É ‘bom dia’, ‘boa tarde’ e ‘boa noite’. Aí outros falam: salve’ que é ‘oi’. Entendeu? Tipo assim, tem umas linguagens que nós que somos da rua, se uma pessoa chegar em mim e falar ‘cajibrina’ eu já sei o que é e se você falar ‘cajibrina’ pra outra pessoa, ninguém sabe o que é. Então tem umas palavras que nós temos um rito. A pessoa fala: ‘Oh, vai lá ‘cajibrina’... pras pessoas não saberem que é uma pinga... ou o tal da maconha: o ‘tchai’ (Renatinho).

Reitera que “somos pessoas que já nos conhecemos, conhecemos a mesma linguagem, então não precisa falar o português correto. Nós falamos entre nós porque nós já sabemos o que que é” (Renatinho). Samara relata que a primeira coisa que aprendeu na rua foi a “encharcar” que “aqui é “manguear”. Aprender a pedir”. Ela me ensina que a linguagem pode variar de lugar para lugar, mas que em relação ao manguear ou ao encharcar, na “língua original da rua é pedir”, e quem a ensinou a encharcar foi uma ex-mulher dela, com quem