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Capítulo 2 – Novos caminhos da supervisão

2.2 Supervisão escolar – no centro de todas as dinâmicas

No novo contexto para que se evoluiu, formado por escolas-comunidades educativas, dotadas de autonomia, novos desafios se foram colocando também à supervisão, que conheceu diferentes oportunidades de intervenção e linhas de desenvolvimento. Assim mesmo entende Oliveira (2000, p. 48):

“O conceito de escola orientada para o reforço da sua autonomia e, nesse sentido, responsável pela qualidade pedagógica do projecto educativo que norteia toda a acção dos seus profissionais leva-nos a enquadrar o conceito de supervisão no contexto mais amplo da escola, enquanto comunidade educativa, e da sua dinâmica pedagógica e administrativa”.

Enquadrada nesta nova realidade, a supervisão encontra espaço para assumir novos contornos, sempre ao serviço da prossecução da qualidade pedagógica e administrativa da instituição escolar. E se este alargamento do conceito de escola proporciona novas formas de realização da supervisão, também é legítimo falar do efeito recíproco deste, isto é, de como “a área de conhecimentos desenvolvidos no domínio da supervisão pode trazer um contributo importante para a construção e dinâmica deste novo conceito de escola autónoma” (Idem, p. 52). São, pois, duas realidades que se complementam e entre as quais existe uma circularidade: o desenvolvimento da escola e o desenvolvimento da própria supervisão.

Num ambiente assim, importa valorizar a participação e a intervenção de todos, ao serviço da realização dos propósitos comuns e dos grandes ideais que são a qualidade do ensino e a formação de cidadãos de pleno direito. Trata-se de uma escola colaborativa, orientada para uma missão própria e singular e caracterizada por um clima colegial de cooperação, na qual novas funções se impuseram como imprescindíveis – tal necessidade transpareceu, desde logo, ao nível da própria gestão de topo, mas também num degrau intermédio, onde houve lugar à afirmação de capacidades de liderança, de organização, de iniciativa, de coordenação, que envolvessem o colectivo em todas as necessárias dinâmicas de mudança.

Surge, nesta nova forma de considerar a escola, a noção de supervisão escolar, cujo “objecto não é o sujeito individual, mas a organização escolar” (Santiago, 2000, p. 30) e que constitui “uma alavanca fundamental da aprendizagem organizacional, através da influência que pode exercer nas condições que promovem a qualidade das

interacções entre os actores na escola” (Idem, p. 34-35). Para este autor, a qualidade das actividades educativas depende, sobretudo, “da forma como os actores negoceiam, dialogam, gerem os conflitos e partilham definições colectivas sobre as normas e regras que correspondem ao espaço de autonomia da escola” (Idem, p. 28); em suma, depende das interacções entre os diversos actores. Promover a qualificação dessas interacções constitui o âmago da acção supervisora, que deve ter sempre como fundamento a ideia de que existe uma “estreita interdependência entre a qualificação da escola como organização e a qualificação dos seus actores” (Idem, p. 29). Essenciais a esta perspectiva são as ideias de: comunicação, partilha, reflexão colectiva, tomada de consciência dos problemas que são comuns e procura de soluções inovadoras, por via do desenvolvimento de competências no grupo.

Também Alarcão (2000, p. 7) apresenta uma nova acepção de supervisão, que entende como “acção facilitadora e mobilizadora do potencial de cada um e do colectivo dos seus membros e, simultaneamente, responsabilizadora pela manutenção do percurso institucional traçado pelo projecto educativo da escola”. Considera mesmo que as mudanças na conjuntura fazem apelo a que a supervisão assuma uma “dimensão colectiva” (Idem, p. 17), devendo pensar-se

“a supervisão e a melhoria da qualidade que lhe está inerente por referência não só à sala de aula, mas a toda a escola, não só aos professores isoladamente, mas aos professores na dinâmica das suas interacções entre si e com os outros, na responsabilidade do ensino que praticam, mas também pela formação e pela educação que desenvolvem, na responsabilidade, igualmente, pelas características, pelo ambiente e pela qualidade da sua escola”.

A supervisão não se restringe a uma acção reflexiva, formativa e avaliativa que tem lugar no seio de conjuntos restritos de professores, nem o seu palco por excelência se circunscreve aos muros da sala de aula. Ela mobiliza os actores educativos na sua totalidade, visando com especial atenção as interacções entre os professores e a sua contribuição colectiva para a construção da sua escola. Por outro lado, toma como referência fundamental o projecto educativo, numa atitude de responsabilização e de controlo exercido internamente à própria organização.

É neste contexto em que a supervisão se estende à organização escolar que Sá- Chaves e Amaral (2000, p. 82) entendem que “todos os professores e gestores pedagógicos são, na essência destas funções, supervisores aos mais diversos níveis”. É a instituição no quotidiano das escolas de uma cultura de supervisão generalizada, assente numa formação contextualizada, uma supervisão que “coordene, sistematize, oriente e

ampare os subsistemas nela existentes (Idem, p. 83), que autonomiza e prepara a escola para deixar de temer qualquer possível supervisão de tipo inspectivo. No fundo, fala-se de supervisão que, numa perspectiva ecológica, instaura uma cultura de rigor, de auto- regulação e de qualidade a todos os níveis do funcionamento da escola.

Discorrendo ainda à volta deste alargamento do conceito de supervisão, Alarcão (2001, p. 35) redefine o seu objecto, numa escola reflexiva, como sendo “o desenvolvimento qualitativo da organização escolar e dos que nela realizam seu trabalho de estudar, ensinar ou apoiar a função educativa por meio de aprendizagens individuais e coletivas, incluindo a formação dos novos agentes”. Posteriormente, a autora viria a apresentar este conceito acrescentado de novas perspectivas, ao afirmar que o movimento de autonomia das escolas “alarga as funções de supervisão para além do campo estrito da formação de professores para a estender aos aspectos organizacionais e de desenvolvimento da escola” (2002, p. 218). Existe uma óbvia complementaridade entre ambas as ideias.

Quando uma escola investe na formação dos agentes educativos, está simultaneamente a investir na sua própria qualificação enquanto organização, uma vez que existe uma dependência mútua entre estes dois processos. Neste esforço de desenvolvimento das instituições escolares, é primordial o papel da supervisão, função à qual compete detectar as debilidades, fazer sobressair as potencialidades e facilitar as interacções. Continuando embora a formação a apresentar uma forte conexão com o conceito de supervisão, este reveste-se actualmente de características muito mais amplas, na medida em que a sua área de intervenção se estende ao processo de autonomização e de desenvolvimento organizacional.

Atentemos nas palavras de Garmston, Lipton e Kaiser (2002, p. 110), que mencionam “o desenvolvimento da organização como outra das grandes funções da supervisão”. Abordando a supervisão escolar à luz da teoria sistémica, que “tem por base a noção de que qualquer sistema inclui níveis de relações (ou sistemas dentro dos sistemas), cada uma delas influenciando e sendo influenciada por outra”, afirmam o seguinte:

“A supervisão como intervenção sistémica contrasta com modelos nos quais o crescimento profissional ao longo de um continuum é facilitado por intervenções face a face entre supervisor e professor. A aplicação da teoria sistémica para o desenvolvimento organizacional altera o palco para as interacções mediadoras das trocas diádicas para o envolvimento de toda a escola”.

Em suma, os horizontes da supervisão são agora, definitivamente, de nível institucional. Não se limitando mais a contextos restritos de interacção entre supervisor e professor, ela passa a assentar em intervenções mais generalizadas, que se repercutem no funcionamento geral da escola. Tendo visto acrescentada a sua área de actuação, ela mantém, contudo, o propósito fundamental da prossecução da qualidade, agora a níveis mais vastos – desde a sala de aula até à organização como um todo.

Harris (2002, p. 142) apresenta a seguinte definição de supervisão, que considera entre as mais alargadas: “liderança educativa para a mudança nas escolas, orientada para o melhoramento do ensino e da aprendizagem”. Sublinhamos as seguintes referências: liderança – mudança – melhoramento, por considerarmos que esta é uma trilogia fundamental para caracterizar o conceito em estudo. Capacidade de motivar, envolver, criar dinâmicas de reflexão e de mudança, tendo em vista o aperfeiçoamento das práticas, constituem as condições básicas de exercício da supervisão.

Nas palavras de Oliveira (2000, p. 46), a supervisão, entendida no seu sentido mais lato de “supervisão escolar ou geral”, caracteriza-se como o

“conjunto de actividades orientadas para a organização do contexto educativo e o apoio aos agentes da educação com vista à concretização das orientações da escola (desenvolvimento de projectos, organização de actividades paraescolares, relação com a comunidade, gestão do pessoal, actividades de formação do corpo docente e auxiliar, etc.)”.

Complementando estas ideias, definiu-a também como: “um processo de coordenação, apoio e decisão nas áreas pedagógicas, curriculares e de desenvolvimento profissional dos actores sociais da escola (professores e outros agentes educativos)” (2000, p. 47). Mais adiante (Idem, p. 51), podemos ver ainda mais clarificado o mesmo conceito:

“A supervisão escolar surge assim associada a práticas de planificação, organização, liderança, apoio, formação e avaliação que, incidindo sobre a organização escolar, visam a mobilização de todos os seus profissionais numa acção conjunta e interacção dinâmica adequada à consecução dos objectivos da escola”.

Trata-se, então, de uma função plural e multifacetada, que pode cobrir uma multiplicidade de áreas ligadas à organização e ao funcionamento de uma escola. Para a autora, neste novo ambiente haverá mesmo lugar a uma vertente de supervisão no desempenho de todos os cargos de administração, de gestão, de coordenação e liderança pedagógica e curricular, de acompanhamento ou de orientação profissional, em suma, nos cargos de gestão intermédia, uma vez que serão cometidas aos detentores desses

cargos tarefas de apoio e orientação de professores ou de coordenação e avaliação de projectos e actividades. Advoga-se mesmo que a formação dos gestores intermédios passe a incluir a vertente da supervisão escolar.

Assumindo o pleonasmo, diremos que a supervisão constitui, nesta acepção, uma responsabilidade de todos os que assumem funções de responsabilidade organizativa numa escola, ao serviço da mobilização, do apoio, da coordenação, da formação, da gestão, sempre tendo por finalidade facilitar a acção dos agentes educativos, enaltecer as suas potencialidades e favorecer a realização dos objectivos traçados para a organização. Mantay (2004) afirma mesmo que a supervisão tem um papel político, pedagógico e de liderança no espaço escolar.

Entendendo a supervisão como uma função fundamental para garantir a melhoria da qualidade das escolas, Alarcão (2000, p. 20) quase cede à tentação de afirmar que compete a “todos, tal é o grau de responsabilidade de cada um pela auto- aprendizagem e pela hetero-aprendizagem, pelo autodesenvolvimento e pelo heterodesenvolvimento”. Considera, porém, que defini-la desta maneira torna a responsabilidade do seu exercício demasiado difusa, sendo, pois, conveniente que, para além da sua expressão a nível intermédio, essa função seja de facto exercida por um elemento que integre a equipa de gestão da escola.

Garmston, Lipton e Kaiser (2002, p. 19), falando de cenários prospectivos, antevêem “escolas onde a função de supervisão evolui no sentido de uma orientação colaborativa e sistémica, onde aprender acerca do ensino seja responsabilidade de todos”. Por outro lado, reconhecem que “a função de supervisão se afigura como muito importante, independentemente de quem a realiza” (Idem, p. 22), que podem ser desde pessoas investidas em cargos de chefia até aos próprios pares. Segundo a lógica de que as práticas profissionais são particularmente afectadas pela cultura do local de trabalho, estes autores perspectivam a supervisão como um “sistema de mediação que modifica a própria cultura laboral” (Idem, p. 103). Apontam como funções específicas da supervisão promover o melhoramento da prática, desenvolver a capacidade dos professores para aprenderem e ainda promover a capacidade de auto-renovação da organização. Na base de todo este processo, encontram-se o questionamento e a reflexão.

Referindo as tendências de evolução da supervisão, quer ao nível da teoria, quer ao nível da prática, Harris (2002, p. 136) aponta “uma maior focalização na mudança e melhoramento do ensino e aprendizagem”, bem como uma “optimização da função

pedagógica na escola”. Retomando as ideias de Fullan, sugere um “salto quântico” na supervisão, antevendo a gestão da mudança como aquela que poderia vir a ser uma das suas principais funções. Apresenta a “supervisão como planeamento para a mudança sistemática” (Idem, p. 140) como alteração recente do paradigma, embora se coloque ainda mais ao nível conceptual do que ao nível prático, por exigir “o inter- relacionamento das mudanças curricular, organizacional, do ensino, da avaliação, pessoal e política”.

Registe-se como primordial a aliança entre a supervisão e a mudança sistemática, não uma mudança pontual e isolada, não uma mudança circunstancial, mas uma mudança integrada numa dinâmica geral, afectando todas as áreas – curricular, organizacional, administrativa, pedagógica, passando pela própria avaliação – numa busca incessante pela melhoria da qualidade.

Realce-se ainda a importância da supervisão como função colaborativa, caracterizada por uma lógica de colegialidade. São vários os autores (Sá-Chaves e Amaral, 2000; Jesus, 2000) que se referem ao isolamento, ao isolacionismo, ao individualismo e à solidão tradicionais da classe docente. Vejamos, por exemplo, o que afirmam Pacheco e Flores (1999, p. 135):

“Diversos estudos confirmam a existência de uma cultura individualizada, muito longe de uma cultura de colaboração, em que cada professor cumpre a tarefa que lhe está atribuída não tendo por hábito partilhar as dúvidas, os problemas surgidos no quotidiano escolar”.

Esta é uma área possível de intervenção dos supervisores escolares, que podem actuar ao nível da instituição de práticas colaborativas e da modificação da cultura laboral, no sentido da criação de um clima de apoio, partilha e cooperação e da promoção de práticas de trabalho conjunto. Num ambiente assim caracterizado, os profissionais vêem reconhecidas as suas iniciativas e valorizada a sua contribuição, sentindo-se parte da dinâmica colectiva e co-construtores da mudança.

Acrescente-se a esta cultura de colaboração e integração o exercício efectivo de uma liderança colegial, democrática, partilhada, atenta e moderna e estarão encontradas as linhas de força para a construção de uma escola de qualidade, preparada para lidar com as necessidades do presente e as exigências do futuro. A supervisão pode funcionar, assim, como um mecanismo impulsionador do congregar das energias e do desenvolvimento colectivo.

Na medida em que, cada vez mais, se justificam a interacção, as práticas colaborativas, as experiências de trabalho e de reflexão em conjunto, surgem oportunidades para o exercício de diferentes modalidades de supervisão, no sentido vertical e horizontal, conforme refere Alarcão (2003). No limite, a contínua procura da qualidade do ensino, das experiências de aprendizagem significativas e das interacções profissionais enriquecedoras, poderão levar à instituição de formas colaborativas de hetero-supervisão ou mesmo da prática sistemática da auto-supervisão. É neste pressuposto que Buchanan e Khamis (1999) referem as vantagens que podem advir da supervisão exercida entre pares (peer observation). Na mesma linha de pensamento, Clarke (2004) expõe os benefícios susceptíveis de resultarem de novas formas de “mentoring”, que podem revestir-se de características formais ou informais e assumir expressões tais como “co-mentoring”, em que há um estatuto de igualdade e relações de reciprocidade entre os envolvidos, ou mesmo “collegial friendship mentoring”, que pode envolver mais do que dois protagonistas, combinando relações sociais com relações profissionais e fortalecendo os envolvidos em ambas as áreas.

Tracy (2002, p. 81) alerta para que “a supervisão como campo de estudo e como prática deverá acompanhar e desenvolver-se em harmonia com o carácter em mutação do ensino”. Avança, desde logo, alguns dos desafios que poderão vir a colocar-se aos modelos de supervisão actuais, designadamente o conceito mais abrangente de escola, que já não é considerado o único espaço onde pode ocorrer a aprendizagem, bem como a ênfase crescente na colaboração, em detrimento da tradicional primazia do ensino directo, ou ainda os ambientes de aprendizagem tecnologicamente ricos, apoiados em meios cada vez mais desenvolvidos e sofisticados. Todas estas evoluções levarão a uma redefinição dos papéis dos professores e também dos supervisores.

Oliveira-Formosinho (2002, p. 117), refere-se à supervisão como “um processo para promover processos”. Elaborando sobre esta ideia, diríamos que, efectivamente, se trata de um processo ao serviço da implementação de inúmeros processos, a saber: desenvolvimento profissional e pessoal, quer dos professores, quer do próprio supervisor; desenvolvimento institucional/organizacional da escola; em última análise, desenvolvimento do próprio sistema de ensino, uma vez que, numa perspectiva holística e sistémica, ao agir sobre cada uma das partes, automaticamente se determina a evolução do todo.

2.3 A função de supervisor – áreas de intervenção da