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Suporte e linguagem

No documento ANDREA OLYMPIO DE MELLO MACHADO LOPES (páginas 33-38)

Segundo a abordagem semiótica da cultura e seu conceito de fronteira, podemos compreender o jornal como um ambiente semiótico de fronteira entre diferentes linguagens. Embora ele seja em sua grande parte composto por texto escrito alfabético, possui em sua estrutura outros elementos responsáveis por sua configuração. A escrita alfabética, para se materializar enquanto signo, precisa de um suporte (o papel, a madeira, etc.) que possibilite o seu uso e que, nesse processo de escritura, termina por impregnar o alfabético com suas características particulares e outras linguagens de que faz uso.

Os signos precisam de um suporte para se materializar e transmitir a informação de que são portadores. John B. Thompson chama esse meio físico de meio técnico, e o descreve como sendo

um substrato material das formas simbólicas, isto é, o elemento material com que, ou por meio do qual, a informação ou o conteúdo simbólico é fixado e transmitido do produtor para o receptor. (2005: 26)

Assim, o substrato material através do qual os símbolos são fixados no jornal é o papel. Mas, para que seu conteúdo simbólico seja transmitido, faz-se necessário também uma técnica de impressão, a fim de que os signos sejam escritos no suporte e transmitidos do emissor para o receptor. Portanto, o jornalismo e todas as outras linguagens que se combinam para originá-lo estão

Ainda na pré-história, os homens já faziam marcas e desenhos nas paredes das cavernas para se comunicarem uns com os outros e registrarem suas vontades, seus feitos, os acontecimentos e seus pensamentos. Era a chamada arte rupestre. Hoje, considerada mais arte do que escrita porque não possui uma organização ou uma padronização, não possui uma estrutura.

condicionadas às limitações e possibilidades oferecidas pelo substrato material e suas técnicas de impressão.

O papel transmite ao jornal suas características de alto grau de fixação da informação, possibilidade de mobilidade – ele é portátil – e necessidade de manuseio. Essas particularidades e a definição de suporte aqui adotada são mais bem observadas quando confrontadas com as propriedades de outros suportes; e adjetivações como “alto grau de fixação” apenas são possíveis dentro de um quadro comparativo.

Tomando outro meio de comunicação para análise, a televisão, teremos a tela como o substrato material através do qual o signo escrito chega até nós. Mas a tela por si só não transmite nada, e diferentes elementos podem funcionar como “tela” para a projeção televisiva: uma parede, um painel de tecido ou de plástico, um telão. Os signos televisivos são transmitidos pelos feixes de elétrons, portadores e tradutores de informação. São eles que fazem a tela da TV ser diferente da tela do computador. Pois, embora a estrutura física e a superfície de vidro através da qual vemos os signos sejam a mesma, o sistema que transporta e traduz a informação simbólica para que ela chegue até a tela e até nós é diferente. Na televisão temos os feixes de elétrons, no computador temos o HD, o hardware, com sua linguagem binária. Ao ampliarmos o conceito de suporte, que deixa de ser restrito apenas à superfície na qual o signo é projetado, compreendemos a dinâmica que o signo tece junto a ele. O hardware do computador e o feixe de elétrons da televisão têm um modo particular de codificar e transportar essa informação, o hardware codifica a escrita alfabética em sua linguagem binária e discreta, a televisão transporta e projeta o signo alfabético na

A escrita, enquanto forma organizada, padronizada e estruturada de registro de dados e de comunicação surgiu inicialmente na antiga Mesopotâmia (região do Oriente Médio localizada entre os rios Tigre e Eufrades), por volta de 4.000 a.C. Essa região era habitada por vários povos, tais como os assírios, babilônios e sumérios. Foram estes últimos que desenvolveram o primeiro tipo

tela por meio de um fluxo contínuo dos feixes de elétrons. Assim, a imagem que vemos na tela do computador não será nunca igual à da tela da televisão, pois passam por processos diferentes, que interferem na configuração do signo e na forma como este se apresenta, modificando o modo como nos relacionamos com ele.

Portanto, para que o signo escrito seja transmitido é necessário, além de um substrato material, uma forma de transportar o signo para a matéria, a fim de que ele possa ser escrito e lido. No caso do jornal, o signo é fixado no papel por meio de técnicas de impressão. Já na Internet, os dados encontram-se armazenados numa rede de processadores (o servidor, a página de internet e o computador), que transportam o signo até software específicos, que irão traduzi-lo e projetá-lo na tela, o substrato material através do qual o conteúdo simbólico chega até nós.

Substrato material e sistemas de transporte e de projeção do conteúdo simbólico na matéria são os elementos que dão suporte ao signo para que ele seja escrito, lido, comunicado. Sem essa tríade o signo escrito alfabético continuará sendo somente um processamento mental que, sem se materializar, perde parte do seu potencial comunicativo. É sob estes aspectos que o signo escrito alfabético será analisado em cada capítulo desta dissertação, como a formatação de seus suportes interfere na configuração de sua linguagem, e qual a relação estabelecida entre signo, suporte e linguagem.

De acordo com os pontos levantados podemos, então, destacar que o jornal (papel) possui maior grau de fixação da notícia do que o jornal digital (internet), que por sua vez possui uma maior fixação do que o telejornal

de escrita, a cuneiforme, composta por sinais onde cada um deles representava uma palavra monossilábica. Com ela os sumérios deixavam registrados em placas de argila a vida cotidiana, dados administrativos e econômicos e informações políticas. Algumas dessas placas se conservaram

(televisão). Dentro do conjunto das mídias podemos, então, dizer que o papel permite uma alta fixação do código e dos dados da informação, ao contrário do meio digital e do analógico, que não os fixam na tela, apenas projetam. E, quando comparado à posição fixa da tela de cinema e às condições específicas exigidas para se ter acesso à internet, o jornal apresenta grande mobilidade, já que não exige uma infra-estrutura específica para que se tenha acesso a ele (é preciso apenas pagar seu preço comercial) e é facilmente transportado pelas pessoas (é leve e dobrável).

As limitações impostas pelo suporte e pelo domínio das técnicas que envolvem sua produção funcionam como um filtro seletor das linguagens que são por ele apropriadas. O jornal foi, durante algum tempo, formado apenas por folhas de papel e letras impressas; essa configuração era imposta pelas limitações do suporte, pois naquela época o homem ainda não havia desenvolvido os recursos técnicos necessários para a impressão de ilustrações e fotografias no papel. A presença apenas do texto escrito e uso da cor preta eram características do jornal na época de seu surgimento. Mas o maior domínio das técnicas de manipulação e impressão do papel que o homem desenvolveu deu a este suporte novas possibilidades, que se traduziram na incorporação das linguagens fotográfica e cromática.

Hoje, o jornal é formado não apenas por papel e letras, mas também por cores, fotografias, gráficos e diagramação. Seu suporte permite que outras linguagens sejam incorporadas e desenvolvidas de forma a originar a linguagem do jornalismo. No jornal, as linguagens oral, fotográfica, gráfico-visual, alfabética, tátil, espacial e temporal se articulam de forma combinada para construí-lo

até os dias de hoje e é principalmente através delas que obtemos informações sobre estes povos.

Como aconteceu com outras invenções, a invenção da escrita também não foi privilégio de um povo só e, na mesma época em que os sumérios desenvolviam o cuneiforme, os egípcios também desenvolviam sua

enquanto meio de comunicação e mídia, desenvolvendo uma cadeia interdepende na qual elas se transformam e influenciam mutuamente. Vejamos como estão interligadas essas linguagens.

O jornal desenvolve uma relação com o leitor por meio do tato e da orientação espacial: a textura, o tamanho das folhas, a orientação do papel, as dobras, a quantidade de páginas, o ato necessário de passar as páginas para que se possa estabelecer uma relação com a mídia. Sua espacialidade (o tamanho do suporte e o espaço que ele disponibiliza para a distribuição da informação nele contida) e tatilidade (a relação que o leitor desenvolve com o suporte por meio da sua manipulação) vão influenciar sua linguagem, pois essas características específicas do suporte interferem na quantidade de informação e na distribuição e organização desta informação. Ora, se a espacialidade e a tatilidade do jornal interferem na quantidade de informação e na distribuição desta, influenciarão também as linguagens temporal (processo de assimilação da informação e situação da relação desenvolvida com a mídia no tempo e no espaço do tempo) e gráfico-espacial (de que forma a informação é distribuída no espaço que o suporte disponibiliza). Esta última, por sua vez, permeia as linguagens alfabética e fotográfica ali presentes. Como se pode perceber, as características do suporte reverberam em todas as linguagens que o constituem.

Uma outra linguagem presente nesta mídia é a linguagem oral, que, ao contrário de todas as citadas até aqui, não pode ser percebida nem apreendida pelo ato instantâneo de olhar e pegar o jornal. O oral faz fronteira com a escrita alfabética, pois ambas convergem no uso da língua natural, mas cada uma desenvolve linguagens específicas, que permeiam entre si e criam regiões de

própria escrita. Na verdade, eles desenvolveram dois tipos de escrita: a demótica, uma escrita mais simplificada, e a hieroglífica, uma escrita mais complexa, composta por desenhos e símbolos. Assim como os sumérios, os egípcios também desenvolveram um suporte específico para sua escrita, uma

interseção. Ler o texto escrito é construir a linguagem oral que está nele implícita e que pode ser sentida através da pronúncia, da leitura em voz alta, ou mesmo sem voz alguma, e apreendida pela pontuação e sinais gráficos que têm uma oralidade subjacente. A escrita alfabética é fonética em sua essência e em sua origem, a linguagem oral é tão intrínseca a ela que às vezes é difícil ser percebida ou dissociada da escrita.

No documento ANDREA OLYMPIO DE MELLO MACHADO LOPES (páginas 33-38)