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Uma questão de linguagem

No documento ANDREA OLYMPIO DE MELLO MACHADO LOPES (páginas 100-104)

Capítulo 3 – A escrita alfabética nas Coisas: linguagem e suporte

3.2 Uma questão de linguagem

Segundo Gui Bonsiepe (1978), todo design é design de interface, pois delineia a estrutura por meio da qual o usuário interage com o produto. Nesse sentido o objeto é não apenas função, mas signo também, uma vez que ele se comunica com a pessoa que o manipula. Peter Lunenfeld vai além e coloca que “Even more important than improving our interfaces with machines is design research’s potential contribution to improving our relationships with each other, our communities, our cultures and our democracies” (2003: 14). A observação de Lunenfeld não contradiz a definição de Bonsiepe, pelo contrário, ele a reafirma e 11 Imagem retirada do site www.imaginarium.com.br

acessórios, como os acentos, só passaram a ser regularmente incorporados na época bizantina.

Do alfabeto grego muitos outros derivaram desde a antiguidade, como a escrita copta, a dos cários, lícios e lídios. E a ligação de alguns outros alfabetos, como o cirílico, permanece ainda sem comprovação alguma, embora

ressalta a importância da interface como um produto sócio-cultural portador de significado e em constante interação com o meio ambiente e com as pessoas.

Assim, a presença do signo escrito alfabético no copo ressalta a função de signo que este objeto possui e reforça seu potencial comunicativo. A relação estabelecida entre escrita e objeto é dialógica: ao integrar-se à forma, o texto a altera e sofre alterações. O verbal escrito no sentido vertical acentua a altura do copo e faz referência a seu aspecto utilitário de dosar e medir a quantidade de um líquido, o texto horizontal demarca suas diferentes dosagens, reforçando ainda mais este aspecto utilitário. O copo, por sua vez, destaca as formas do signo escrito alfabético, incorporando-o como um elemento gráfico-visual decorativo, que tem seu caráter não-discreto realçado pela transparência do vidro ao deixar ver de um lado o que, na realidade, está escrito do outro. Frente e verso se encontram num texto contínuo: o copo.

Embora esteja ali, presente, o verbal escrito não limita a interação entre usuário e produto ao conhecimento do código alfabético, como ocorre em livros e jornais, ele enriquece essa interação e reforça a comunicação estabelecida entre eles. Segundo Ferrara,

(...) os textos não-verbais não se impõem à observação, mas estão incorporados à realidade e, por assim dizer, incógnitos. Não se concentram no espaço branco da página, espaço característico do verbal escrito, nem no timbre ou ritmo de uma voz, espaço próprio do verbal falado, nem na dimensão ou textura de uma tela, como no signo visual pictórico, nem na melodia ou harmonia que acompanham o signo sonoro; mas são textos que se organizam no espaço tridimensional

alguns estudiosos acreditem que esse tipo de escrita possa ter alguma ligação com o alfabeto grego.

O alfabeto russo é derivado do cirílico e, embora ainda não tenham sido descobertas as raízes históricas desse alfabeto, seu papel na história da escrita é fundamental pois, quando as Igrejas gregas ortodoxa e romana se

fechado, privado, como o de uma habitação, ou aberto, público, como o de uma cidade. (Ferrara, 1986a: 18-19)

A presença das palavras em objetos do mundo privado que passam despercebidos poderia, também, passar despercebida, mas sua presença termina por causar estranhamento, fazendo com que o objeto se imponha à observação. Assim, o verbal, ao deslocar-se de seu ambiente original para compor os objetos do mundo privado, chama a atenção para esses objetos que, normalmente, permaneceriam incógnitos. E ao valorar o copo enquanto signo, a escrita alfabética desprende o design dos objetos da rigidez funcionalista.

A forma com que Pignatari aborda o conceito de design coloca no cerne da questão não o encontro da função com a forma, mas mostra como o design é o local de encontra do verbal escrito com o gráfico-visual e, por isso, um ambiente de comunhão de linguagens.

(...) o nosso século é o século do planejamento, do design e dos designers: o desenho industrial e a arquitetura passam a ser estudados e projetados como mensagens e como linguagens; escritores, poetas, jornalistas, publicitários, músicos, fotógrafos, cineastas, produtores de rádio e televisão, desenhistas, pintores e escultores começam a ganhar consciência de designers, forjadores das novas linguagens. (1968: 15- 16)

O design denuncia a linguagem não-discreta das letras que os livros esconderam, fazendo com que as palavras passem a significar muito mais do que a definição redigida no dicionário para elas. A túnica abaixo, desenhada pelo

separaram, o mundo eslavo foi dividido entre o domínio alfabético cirílico e o latino.

É importante ressaltar aqui que mesmo com a evolução da escrita em seus aspectos técnicos, o caráter místico de seu surgimento fortemente presente nas inscrições rupestres não foi esquecido. A escrita rúnica, por

estilista Ronaldo Fraga, traz escrito em seu bordado textos de autoria de Guimarães Rosa. Ao retirar as palavras do livro e integrá-las a um objeto de design o estilista apresenta o lado designer do escritor e desenvolve uma possibilidade de interpretação gráfico-espacial de seu texto. O bordado das letras retrata o caráter artesanal do sonho e do estilo desenvolvido pelo autor, e a cor vermelha representa a paixão que está por trás do sonho ali bordado. A escrita se redescobre em sua própria linguagem ao compartilhar seus elementos com a linguagem do design e dele tomar emprestadas suas possibilidades estéticas e plásticas.

Figura 12: Túnica do estilista Ronaldo Fraga com textos de Guimarães Rosa.12

12 Imagem retirada do site moda.terra.com.br acessado 15/11/2006

exemplo, utilizada pelos povos germânicos atribuía a cada um de seus caracteres e à sua combinação um papel mágico. A escrita ogâmica, utilizada nas inscrições célticas da Irlanda, apresenta proximidade gráfica e mágica com a escrita rúnica. Infelizmente, após a conversão dos saxões ao cristianismo a escrita rúnica desapareceu.

No documento ANDREA OLYMPIO DE MELLO MACHADO LOPES (páginas 100-104)