• Nenhum resultado encontrado

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

II. FUNDAMENTOS E DISCUSSÃO CONCEITUAL

2.1. Sustentabilidade Ambiental, Conceitos, Controvérsias e Perspectivas

Evolução de Conceitos

A sustentabilidade está ligada à percepção da necessidade de preservação dos recursos naturais para a garantia da sobrevivência humana. Essa noção, embora inicialmente centrada no próprio homem, amplia-se significativamente e transcende a dimensão humana no momento em que os sistemas naturais globais, determinados pelas relações existentes entre atmosfera, biosfera, litosfera e hidrosfera, estabelecem interações vitais e passam a ser estudados em profundidade.

As tentativas de definição de sustentabilidade, conduzidas predominantemente no sentido do crescimento econômico ambientalmente sustentável, tiveram lugar através de uma ampla e abrangente discussão internacional, resultando em uma diversidade de conceitos, os quais foram paulatinamente aprimorados ou eliminados no decorrer do tempo. Entretanto, apesar do intenso esforço despendido, os conceitos remanescentes mostram ainda hoje contradições entre si, sendo, com freqüência, vagos e inaplicáveis na prática.

A expressão “desenvolvimento sustentável” surgiu em 1980 e foi consagrada em 1987 pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como Comissão de Brundtland, que produziu um relatório considerado básico para a definição dessa noção e para os princípios que lhe dão fundamento IBGE (2003).

Alguns princípios que norteiam os conceitos de sustentabilidade atualmente utilizados são reproduzidos a seguir:

O Atendimento das necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de que futuras gerações possam atender às suas (WECD, 1987). O uso dos recursos hoje não deve reduzir a sua disponibilidade futura Markandya e Pearce (1988).

• Incremento da qualidade da vida humana dentro da capacidade de suporte dos ecossistemas.

De imediato, pela simples comparação de conceitos, surgem questionamentos como:

• Quais serão as necessidades das gerações futuras? Se não o soubermos, como poderemos ter certeza de não comprometê-las?

• Qual a capacidade de suporte do ambiente natural? Como determinar limites de sustentabilidade para os diversos ecossistemas? Serão esses limites temporalmente invariantes? Senão, em que escala de tempo devem ser analisados?

• Há realmente como incrementar a qualidade de vida das populações, provendo condições justas e oportunidades iguais para todos? Sendo as limitações ambientais geograficamente distintas, como fornecer oportunidades iguais para todos os povos?

• A não-destruição de recursos naturais finitos significa que deveremos utilizar somente recursos naturais renováveis?

Observa-se, portanto, que as atuais definições não atendem à abrangência e complexidade teórica do tema, menos ainda às necessidades práticas da questão. Isso remete a discussão para uma revisão teórica e aprofundamento de conceitos. Do ponto de vista dos gestores ambientais e tomadores de decisão, permanece a necessidade de formulação de diretrizes e bases sólidas, com vistas à incorporação efetiva da sustentabilidade para a gestão ambiental.

Esse é o estado atual de conhecimento do tema, que se caracteriza por um estágio de redefinição de conceitos, bem como pela necessidade do estabelecimento de critérios práticos e efetivos de gestão ambiental. Não há um caminho predefinido a ser seguido; entretanto, a urgência dos tomadores de decisão por respostas práticas, bem como a experiência adquirida com as crises ambientais do cotidiano, deverá trazer elementos novos para o aprofundamento dessa crucial questão de nossos dias.

2.2.- A Sustentabilidade do Uso dos Recursos Hídricos

A água, através da dinâmica do ciclo hidrológico, é elemento regulador do equilíbrio natural e da vida na Terra. Mudanças na oferta natural da água podem comprometer o equilíbrio dos ecossistemas, que servem como fonte de alimentos e constituem a base da própria atividade humana. A relação da água com a vida das populações é abordada no relatório da DPI (2002), que cita a quantidade e qualidade de água potável como indicador de qualidade de vida das populações Boscadin Borghetti et al., (2004).

Uma primeira aproximação quantitativa da sustentabilidade do uso dos recursos hídricos pode ser feita através da avaliação dos estoques. A quantidade total de água dos diferentes reservatórios do planeta, estimada em 1.386 milhões de km³, manteve-se constante nos últimos 500 milhões de anos Rebouças et al., (2002). Entretanto, segundo Shiklomanov (1998), desse volume total, apenas 2,5% correspondem à água doce, sendo que a maior parte desta última fração não está disponível para o uso humano, como é o caso das calotas polares e dos pântanos (Quadro 2.1). Esse simples balanço, executado com dados estimativos, tem motivado a preocupação internacional quanto à sustentabilidade do uso da água e da própria vida humana.

Nessa mesma abordagem quantitativa, a Food and Agricultural Organization of the United Nations, FAO (2002), definiu o termo “disponibilidade hídrica social”, representando a quantidade anual per capita de água renovável disponível. Esse índice, expresso em m³/hab./ano, representa a taxa dos volumes anuais de recursos hídricos renováveis de uma determinada região pela população do ano base de 2000. O valor limite de 1000 m3/hab./ano para a disponibilidade hídrica social é utilizado pela FAO (2003), como indicador de escassez de água. Quando esse montante cai para 500 m³/hab./ano, o quadro é de escassez absoluta.

DISPONIBILIDADE DA ÁGUA NO PLANETA TERRA, segundo o World Water Balance and Water Resources of the Earth (UNESCO, 1978)

m³ Total (%) Total de água doce (%)

Oceano 1.338.000.000 x 109 96,5 Água subterrânea Água doce 10.590.000 x 109 0,76 30,1 Água salgada 12.870.000 x 109 0,96 Calotas polares 24.023.500 x 109 1,70 68,6 Lagos Água doce 91.000 x 109 0,007 0,26 Água salgada 84.500 x 109 0,006 Pântanos 11.470 x 109 0,0008 0,03 Rios 2.120 x 109 0,0002 0,006

Quadro 2.1. - Volumes de água doce nos principais reservatórios da Terra. Giampá e Gonçalves (2006).

Para atendimento das necessidades de projetos de abastecimento humano, as empresas de saneamento no Brasil adotam a NBR 5626, onde é definida a quantidade de 0, 5 m³ /residência /dia. ABNT (1982).

Em relatório efetuado para a Bacia do Rio dos Sinos pela Magna Engenharia, a quantidade definida foi de 0,2 m³/ habitante /dia (Rio Grande do Sul, 1995).

Observando-se os valores da figura 2.1, principalmente a distribuição dos recursos hídricos, pode-se supor que parte da população mundial se encontra atualmente abaixo do índice de escassez proposto pela FAO (2003), principalmente em regiões com distribuição irregular de chuvas.

27%

26% 17%

15%

9% 4% 2%

América do Sul Ásia América do Norte Europa

África Oceania América do Norte

Figura 2.1.- Distribuição relativa dos recursos hídricos no Planeta. Fonte: FAO (2002).

Essa hipótese é reforçada pela distribuição mundial dos recursos hídricos renováveis, em que se observa que o continente africano, mais populoso que a Europa ou a América do Norte (Quadro 2.2), detém apenas 9% dos recursos hídricos mundiais.

CONTINENTES POPULAÇÃO Ásia 3.677.207.000 África 793.374.000 Europa 737.737.000 América do Norte 413.845.932 América do Sul 345.737.000 América Central 73.786.000 Oceania 31.058.537

No Brasil, situações de escassez históricas são comuns no nordeste brasileiro, tradicionalmente no polígono das secas. Porém, atualmente, em áreas urbanas situadas nas regiões Sul e Sudeste, onde há apenas 11% dos recursos hídricos renováveis do país, tal situação também ocorre, agravada por fatores como o êxodo rural, o mau uso da água e o próprio crescimento populacional, que se concentra nas cidades mais populosas e industrializadas (Figura 2.2).

Figura 2.2.- Distribuição dos recursos hídricos no Brasil. Fonte: Plano Nacional de Recursos Hídricos. MMA (2003)

O mau uso dos recursos hídricos, freqüentemente associado às situações de escassez, leva à inadequação da qualidade da água para o abastecimento humano. Estima-se, segundo Oliveira Filho (2000), que atualmente exista mais de um bilhão de pessoas com doenças provocadas por águas impróprias ao consumo.

Com esse enfoque, os dados publicados pela revista (Terra da Gente, 2006) revelam o perfil brasileiro, a saber:

• 40 % dos domicílios brasileiros não têm acesso à rede de abastecimento de água tratada;

• Mais de 65% dos domicílios brasileiros não possuem rede coletora de esgoto;

• Os rios são utilizados para o descarte de efluentes domésticos e industriais, freqüentemente confundindo-se com o esgoto a céu aberto;

45 19 7 11 18 0 20 40 60 80 100 Norte Centro Oeste

Sul Sudeste Nordeste

• Não há controle sobre a carga de erosão e agroquímicos que atinge a rede hídrica superficial;

• Nas áreas urbanas, as nascentes são comumente soterradas, enquanto as várzeas e margens dos rios são desmatadas e progressivamente ocupadas por favelas.

Assim, a urbanização descontrolada, com o conseqüente aumento da demanda e o mau uso dos recursos hídricos, atua no sentido da não-sustentabilidade ambiental. A Lei n° 9.433, de 1997, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, foi criada para enfrentar esses problemas BRASIL, (2004).

Quanto maior o desenvolvimento econômico e a industrialização, maior o consumo de água. Esse é um fenômeno que pode ser observado no (Quadro 2.3), onde se verifica que a agricultura representa o maior consumo absoluto.

SETOR Ano – 1900 1950 1970 1980 2000*

AGRICULTURA 409 859 1.400 1.730 2.500

INDÚSTRIA 4 15 38 62 117

DOMÉSTICO 4 14 29 41 65

Quadro 2.3.- Consumo mundial anual de água (km³) Fonte: Water in Crisis, 1993. (TERRA DA GENTE, 2006); * Dados estimados.

Observando-se a evolução histórica e a tendência da utilização da água no mundo na (Figura 2.3), se verifica que o uso total mundial aumentou seis vezes no último século, e que não pode ser correlacionado simplesmente ao incremento populacional, porque o consumo per capita cresceu um pouco, só 50 por cento. Extremamente maior, foi o crescimento das áreas irrigadas e sua necessidade do uso da água, bem como seu uso nos processos industriais e de plantas de geração de energia que a utilizam no processo de resfriamento. Morris et al., (2003).

Esse comportamento sugere que, como se poderia esperar, a demanda por recursos hídricos continuará acompanhando o crescimento demográfico, principalmente devido à agricultura irrigada para a geração de alimentos. Por outro lado, é importante observar que o crescimento econômico gera demandas concentradas nos grandes centros urbanos, aumentando a pressão sobre as reservas hídricas subterrâneas, as quais adquirem, dessa forma, caráter estratégico.

Na América do Sul, seguindo a tendência mundial, a agricultura representa o maior consumo de água (Figura 2.4). Entretanto, observa-se que o uso urbano e industrial sul- americanos representa 32% do consumo total, enquanto a média mundial é de apenas 7%, conforme demonstrado no Quadro 2.3.

Figura 2.3.- Evolução histórica e tendências da utilização da água no mundo. Modificado de Morris et al., (2003).

Figura 2.4.- Distribuição relativa dos usos da água na América do Sul. Adaptado de Boscadin Borghetti et al, (2004).

Além dos aspectos quantitativos e qualitativos do uso da água, deve-se ainda considerar que ela tem funções ambientais vitais para a manutenção dos ecossistemas, o que deve ser levado em conta em uma análise abrangente de sustentabilidade. Nesse sentido, se não forem corretamente conhecidas e determinadas às funções ambientais da água em cada ecossistema, com todas as suas particularidades e especificidades, torna-se impossível determinar os limites do equilíbrio natural a serem considerados para o dimensionamento da ação humana sobre o ambiente.

O conceito de desenvolvimento, por muito tempo identificado como progresso econômico, adquire uma nova ótica quando integramos a dimensão social, ambiental e institucional, passando, assim, para um novo paradigma o desenvolvimento sustentável. Desse modo, a avaliação da sustentabilidade do uso dos recursos hídricos, representados principalmente pelo abastecimento urbano-industrial e pelo uso rural, assume um caráter complexo, contemplando a interação dos vários reservatórios do ciclo hidrológico, a dinâmica antrópica e as características dos sistemas ambientais das várias regiões fisiográficas. Essas considerações, como apresentado no diagrama da (Figura 2.5), sugerem que a análise do uso sustentável dos recursos hídricos deve ser realizada com enfoque sistêmico.

SUSTENTABILIDADE

ATMOSFERA Irradiação Solar Ventos BIOSFERA Vegetação Animais Microorganismos HIDROSFERA Ciclo Hidrológico LITOSFERA Geologia Geomorfologia Solos

Figura 2.5.- Interação de fatores intervenientes na sustentabilidade de uso dos recursos naturais.