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1.1 DA MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA À PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO

1.1.3 Sustentabilidade e Desenvolvimento Rural Sustentável

O processo de desenvolvimento ocorrido a partir do século XIX alterou, de forma significativa, as relações entre os homens e o meio ambiente. A natureza passou a ser vista

48 como provedora de recursos passíveis de serem apropriados e explorados. Essa visão antropocêntrica tornou-se hegemônica na modernidade e conferiu uma centralidade ao homem. Processos produtivos altamente consumidores de recursos naturais e de energia foram desenvolvidos, com impactos degradantes da biodiversidade e dos ecossistemas em geral.

Conforme apontam Duarte e Wehrmann (2002 p.3), o processo do desenvolvimento capitalista, calcado em contradições socioeconômicas e ambientais, levou,

a contradições paradigmáticas profundas que, por sua vez acarretam crises, seja no plano dos paradigmas do conhecimento seja no plano dos paradigmas societais”. [...] Essas crises têm sido tratadas pelos estudiosos como um “momento de transição paradigmática (Boaventura de Sousa Santos, 1994), como uma crise de percepção (Capra, 1986), ou crise de pensamento (Morin e Kern, 1993).

As questões relacionadas ao desequilíbrio do meio ambiente e às críticas ao padrão vigente de desenvolvimento acentuaram-se nas últimas décadas do século XX e surgiram, a partir de então, novas concepções de desenvolvimento, dentre as quais, o ecodesenvolvimento e o desenvolvimento sustentável ganham destaque.

Buarque (1999 p.16) assim descreve esse momento:

Durante as duas últimas décadas, o mundo passa por um período de transição de paradigmas, combinando os problemas e as contradições do fordismo em decadência com a desorganização decorrente da emergência de novas relações. [...] Essa transição para um novo paradigma de desenvolvimento não só demanda novas concepções e percepções, como torna viáveis novas propostas de organização da economia e da sociedade. O desenvolvimento sustentável surge e difunde-se como uma proposta de desenvolvimento diferenciada.

O emprego do termo desenvolvimento sustentável foi originalmente utilizado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UINC), em um documento síntese de trabalho elaborado no ano de 1980. Naquela mesma década, durante a Conferência de Otawa, em 1986, esse conceito foi discutido e definido. Com a publicação de “O Nosso Futuro Comum”, relatório da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1987, mais conhecido como Relatório de Brundtland o conceito de desenvolvimento ganhou visibilidade internacional.

Nesse relatório, o desenvolvimento sustentável passou a ser definido como “o desenvolvimento que atende as necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades”, ou seja, um novo padrão de desenvolvimento que incorpora, entre outros, a satisfação das necessidades humanas básicas, o alcance da equidade e da justiça social, a provisão da autodeterminação social, diversidade cultural e a manutenção do equilíbrio ecológico.

49 A partir daí, conforme salienta Portilho (2005), as discussões sobre as relações homem/natureza no processo de desenvolvimento não pararam, incorporando críticas ao modelo produtivo e aos estilos de vida e de consumo das sociedades atuais.

Sachs (1993; 2000), no bojo dessa discussão, apresentou cinco dimensões da sustentabilidade que deveriam estar presentes e interligadas no planejamento do desenvolvimento: sustentabilidade social, sustentabilidade econômica, sustentabilidade ecológica, sustentabilidade espacial e sustentabilidade cultural.

Foi a partir da Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), realizada no Rio de Janeiro, no ano de 1992, também chamada de Cúpula da Terra ou Rio-92, que os debates sobre a perspectiva da sustentabilidade, que já ocorriam intensamente no escopo da produção teórico-científica, propagaram-se de forma mais intensa nos demais setores da sociedade. Da mesma forma, o conceito de desenvolvimento sustentável passou a fazer parte das discussões e orientações das políticas públicas em grande parte dos países (DUARTE e WEHRMANN, 2002).

Dentre os documentos resultantes ECO-92, destaca-se a Agenda 21, que recomenda um desenvolvimento baseado na proteção ambiental, na justiça social e na eficiência econômica; assim como o Tratado de Kyoto, que foi adotado em 1997 na 3ª Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas (COP-3), que propõe a redução da emissão dos gases que provocam o efeito estufa.

Ao longo das últimas quatro décadas, foram vários os avanços na perspectiva da sustentabilidade, em especial na produção teórico-científica, nas relações e acordos internacionais, na criação de instrumentos legais e nas políticas ambientais (DUARTE e WEHRMANN, 2008); assim como na direção do desenvolvimento rural sustentável.

No contexto da discussão sobre os problemas socioambientais decorrentes do modelo agrícola moderno, emergiram os debates sobre o desenvolvimento sustentável e sua aplicabilidade ao desenvolvimento rural. De acordo com Almeida (1997), as discussões se davam em torno da necessária integração das diferentes dimensões da sustentabilidade, em seus aspectos econômicos, sociais e ambientais.

Para Wanderley (2009a p. 247), foi devido às preocupações com o meio ambiente, especialmente no que se refere à garantia de suprimento das necessidades das gerações presente e futuras, e à busca de soluções para as constantes crises socioeconômicas por que passam os países ocidentais, que a discussão sobre o desenvolvimento rural ganhou força nos meios acadêmicos e políticos:

Nas sociedades modernas, o meio ambiente é a linguagem potencial de uma reconceitualização sociopolítica do rural. Assim, a associação – e mesmo, para alguns, a assimilação – do meio rural com o meio ambiente estabelece o diálogo com as cidades em um novo patamar, dado pela importância que assume a natureza, em particular para os habitantes dos centros urbanos. Neste sentido, o meio rural pode passar a ser visto como valor indispensável ao futuro da sociedade, que assim se dispõe a lhe

50 consagrar os recursos necessários, ao mesmo tempo em que os atores rurais podem passar a assumir novas funções sociais, precisamente como mediadores entre a sociedade global e os espaços rurais.

Os debates e concepções sobre o desenvolvimento rural brasileiro passaram a se dar sob uma nova concepção de ruralidade. Para Beltrão (2010), outros fatores também contribuíram para a discussão de uma nova realidade rural que culminou com o fortalecimento da agricultura familiar, dentre os quais se destacam: a recomposição dos movimentos sindicais dos trabalhadores rurais, a criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), os estudos que apontavam para a importância da agricultura familiar na diversificação social e produtiva dos territórios rurais.

Vários são os trabalhos que dão visibilidade e marcam a importância dessa discussão para o meio acadêmico e para os formuladores de políticas públicas. Apesar de sua relevância, esse debate não será aqui aprofundado, ele será apresentado de forma sucinta para colocar em evidência as tendências de um novo modelo de desenvolvimento rural em construção.

Quatro abordagens principais marcaram a base teórica a respeito do desenvolvimento rural no Brasil durante a década de 1990:

A primeira dá ênfase às instituições, à inovação e à sustentabilidade, tendo como representante José Eli da Veiga, em 1991, e Ricardo Abramovay, em 1992. [...] A segunda vertente está consolidada no projeto Reurbano, de 1999, coordenado por Graziano da Silva, com ênfase nas atividades não agrícolas e na pluriatividade no chamado rural. A terceira [...] tem como expoentes José de Souza Martins e Zander Navarro, em 1999, e trata dos processos de mudança social no meio rural do Brasil, a partir da análise da tradição política, que dificulta as transformações estruturais e as de natureza sociocultural. A quarta é a vertente que focaliza o agronegócio e as cadeias alimentares, principalmente os processos de integração dos pequenos produtores nas cadeias agroindustriais e suas conseqüências sociais, na linha dos trabalhos de John Wilkinson (BELTRÃO, 2010 p.52).

O grande desafio da agricultura ecológica e socialmente sustentável é, segundo Sabourin (2009), o respeito ao meio ambiente e ao homem, a integração dos marginalizados e a geração de emprego e renda no meio rural. Para Wanderley (2009b p.44), esse desafio “consiste na busca de outras maneiras de produzir, que não agridam nem destruam a natureza, que valorizem o trabalho humano e contribuam efetivamente para o bem estar das populações dos campos e das cidades”.

A nova abordagem do desenvolvimento rural distingue-se da visão anterior, especialmente pelo fato de que os recursos naturais e culturais são vistos como fatores que podem favorecer o desenvolvimento socioeconômico local de forma ecologicamente sustentável (WANDERLEY, 2009a).

A discussão sobre sustentabilidade e desenvolvimento rural sustentável ganha vulto e esses conceitos vão sendo paulatinamente incorporados, não apenas ao discurso e ações dos formuladores das políticas públicas, como também às estratégias de desenvolvimento

51 de atores sociais ligados aos setores tradicionais da economia, como é o caso da produção da cana-de-açúcar.