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6 METODOLOGIA

6.3 TÉCNICAS DE COLETA DE DADOS E MÉTODO DE ANÁLISE

Em virtude das particularidades envolvendo a gestão das escolas públicas, além das práticas que são construídas socialmente nesse contexto, seu estudo requer do pesquisador um mergulho no cotidiano, de tal forma que ele vivencie em conjunto com a comunidade escolar, as nuances e os acontecimentos desse contexto, indo além da separação entre sujeito e objeto (FERRAÇO, 2007; JUNQUILHO; ALMEIDA; SILVA, 2012). No caso deste estudo, para responder ao problema proposto, optei por vivenciar sistematicamente o cotidiano da referida escola entre o período de fevereiro a maio de 2015. Nos meses seguintes, de junho a setembro, visitei o locus de pesquisa com menos frequência a fim de obter novos olhares sobre o campo, de não perder vínculo total com a unidade de ensino e, com isso, de reforçar a análise de dados, iniciada a partir de julho.

Para tanto, este trabalho teve as seguintes técnicas de coleta de dados: 1) observação não-participante via shadowing, realizando anotações no diário de campo; 2) documentos da escola. A escolha por mais de uma técnica tem o intuito de responder ao problema de pesquisa com mais profundidade (DENZIN; LINCOLN, 2000).

A técnica que mais possibilitou a produção de dados foi a observação não participante via shadowing. Na observação, alternei minhas idas ao campo de 2 a 5 vezes por semana, entre os turnos da manhã e da tarde. Minha permanência na escola durava de 2 a 5 horas por dia, a depender dos eventos e imprevistos no dia da observação, se eu tinha algum compromisso na UFES ou, principalmente, se eu conseguia conversar com a diretora após o horário da saída dos alunos (quando quase sempre ela almoça ou atende algum professor). A técnica shadowing consiste no acompanhamento de um ator organizacional durante determinado período de tempo, nas suas ocupações diárias (MCDONALD, 2005; CZARNIAWSKA, 2007), baseando- se em eventos reais, e não na reconstrução de eventos que já tenham ocorrido (QUINLAN, 2008). Sendo assim, essa técnica significa seguir pessoas, independentemente de onde elas estejam ou do que estejam fazendo, demandando concentração e vigor por parte do pesquisador (ARMAN; VIE; ASVOLL, 2012).

Na visão de Arman, Vie e Asvoll (2012), em geral a shadowing gera uma situação desfavorável ao pesquisador na medida em que, de certa maneira, os pesquisados sentem sua privacidade invadida. De acordo com estes autores, tal situação pode ser exemplificada a partir dos próprios gestores, que parecem se preocupar mais com a questão da confidencialidade das informações do que com o anonimato. Nesse ponto, cabe ao pesquisador negociar constantemente com os indivíduos pesquisados a sua inserção no campo (CZARNIAWSKA, 2007; ARMAN; VIE; ASVOLL, 2012). Em contrapartida, essa técnica tem a vantagem de tornar o pesquisador mais compreensivo em relação às visões e aos problemas vivenciados pela pessoa acompanhada. Isso possibilita ao pesquisador a obtenção de dados detalhados e fundamentais para o andamento do estudo (ARMAN; VIE; ASVOLL, 2012).

Algumas discussões ainda existem em relação à shadowing no que diz respeito a que tipo de observação ela se aproxima. Czarniawska (2007), por exemplo, entende que a shadowing é um tipo de observação não-participante, enquanto Gilliat-Ray (2011) e Hall e Freeman (2014) pensam o contrário, afirmando que a referida técnica trata-se de uma observação participante por possibilitar o estabelecimento de uma relação próxima entre pesquisador e pesquisado. Considera-se, neste estudo, que a shadowing é um tipo de observação não-participante, pois a participação envolveria a realização das mesmas atividades profissionais desempenhadas pelos sujeitos acompanhados (CZARNIAWSKA, 2007).

Sendo assim, por ter acompanhado uma gestora escolar, o envolvimento que tive com o campo não foi efetivamente como de um gestor. O que houve ao longo da pesquisa, na verdade, foram manifestações de sentimentos, de ajudas em determinadas situações e de expressões emocionais, algo que a shadowing permite (CZARNIAWSKA, 2007). Até por oportunizar esse tipo de manifestação e mobilidade, ela se torna mais vantajosa em relação à observação estacionária. Além disso, essa técnica também abre espaço para a criação de uma relação peculiar entre a pessoa acompanhada e o pesquisador, pois há uma observação mútua entre eles. Ou seja, ao longo dos eventos que acontecem no campo, há o estabelecimento de similaridades e diferenças entre pesquisador e pesquisado, sendo que, ao mesmo tempo em que o primeiro faz perguntas, ele também é observado pelo segundo, sendo posta assim uma percepção dupla (CZARNIAWSKA, 2007).

Destarte, a shadowing possibilita ao pesquisador se mover junto com o indivíduo pesquisado dentro de uma mesma organização (MCDONALD, 2005). É importante destacar que, por mais que este estudo proponha o acompanhamento de apenas um ator organizacional, a diretora de uma escola pública, a unidade de análise não será apenas esse indivíduo. Na verdade, a ideia passada pela técnica shadowing é de que a unidade de análise seja a relação social. Ou seja, a técnica possibilita identificar as práticas da diretora na rotina da gestão da escola, a partir das suas interações cotidianas com os demais atores organizacionais – professores, servidores, pais, alunos, líder comunitário e membros do órgão central de educação. Diante disso, é fundamental que o pesquisador colete detalhadamente comportamentos, ações, opiniões e explicações do indivíduo acompanhado (QUINLAN, 2008).

Vale afirmar que a shadowing permite que o pesquisador acompanhe em determinados momentos outras pessoas, especialmente informantes que não sejam gestores. Essa estratégia torna-se importante na medida em que evita que os dados coletados fiquem com um enfoque gerencial muito forte. Ter outras perspectivas de interpretação a respeito do cotidiano organizacional pode ser, portanto, uma estratégia fundamental a ser utilizada na pesquisa (ARMAN; VIE; ASVOLL, 2012).

Tendo discutido as principais premissas relacionadas à shadowing, apresento as justificativas que basearam a escolha dessa técnica de coleta de dados. Em primeiro lugar, assumir as práticas sociais como unidade de análise requer do pesquisador um comprometimento no cotidiano das realidades de uma organização. Por meio da vivência no campo, o pesquisador consegue identificar traços importantes relacionados à natureza múltipla e emergente das organizações, bem como do contexto no qual elas estão inseridas. Nesse sentido, utilizar a lente da prática exige que o pesquisador tenha um engajamento aprofundado no locus de pesquisa, observando os praticantes na medida em que eles trabalham (SCHATZKI, 2006; FELDMAN; ORLIKOWSKI, 2011). Sendo assim, conforme apontado anteriormente, a shadowing é uma técnica que possibilita vivenciar o campo com tal profundidade. Em segundo lugar, para compreender o processo de gestão (managing) como fruto das relações sociais, é importante que o pesquisador observe o que os indivíduos fazem no cotidiano organizacional, indo além do que é prescrito para eles fazerem (CZARNIAWSKA, 2007; PRATT, 2012). Nesse caso, a shadowing foi fundamental para a pesquisa por ter permitido minha relação não apenas com a diretora da escola,

mas também com outros sujeitos envolvidos na comunidade escolar – pais, alunos, professores, servidores técnico-administrativos, líder comunitário e representantes do órgão central. Os contatos com esses sujeitos de pesquisa aconteceram em diferentes espaços da escola. Circulei pelas salas da diretora, de aula, da secretaria, das pedagogas, dos coordenadores e dos professores, bem como pelos corredores, refeitório, pátio e área de serviço. Além disso, os espaços do órgão central, em especial referentes à gestão administrativa e gestão democrática, foram importantes para a pesquisa porque pude acompanhar negociações envolvendo representantes da SEME e a diretora. Desse modo, todos esses espaços foram fundamentais de serem observados porque neles práticas específicas da gestão escolar se desdobravam.

Os registros dos dados coletados a partir da observação foram feitos em diários de campo, “[...] onde o pesquisador irá narrar com acuidade todos os acontecimentos ocorridos dia após dia. As expressões próprias daquele grupo também serão anotadas, bem como os sentimentos do pesquisador” (CAVEDON, 1999, p. 7). Ou seja, os diários de campo têm o objetivo de apresentar quais foram os acontecimentos e as percepções e interpretações do pesquisador ao longo do trabalho de campo (CAVEDON, 2003). Nesta pesquisa, os diários de campo foram escritos em meio eletrônico (computador), a partir das notas que eu realizava em pequenos cadernos ou no meu celular durante a observação. Nas notas, eu escrevia algumas palavras- chave ou frases que serviram de base para posterior expansão do registro no diário de campo.

Embora o processo de transcrição das notas para o computador, após as observações, possa tomar tempo considerável do pesquisador, ele oferece a oportunidade de que a escrita sobre o que ocorreu no campo seja melhor desenvolvida. Isso se dá principalmente porque o pesquisador reflete sobre o que aconteceu no dia da observação, possibilitando o surgimento de um diário de campo rico em detalhes (ARMAN; VIE; ASVOLL, 2012).

Por fim, no que diz respeito aos documentos reunidos, as atas de conselhos dos últimos anos foram as principais fontes. Esses documentos foram considerados fundamentais para a pesquisa pelo fato de nelas constarem as informações a respeito de como se deu o processo de mudança da escola, das negociações envolvendo comunidade escolar e órgão central, bem como dos interesses e sentimentos

expostos pelos membros do conselho a respeito das referidas negociação e mudança. Assim, a partir das atas, foi possível ter um entendimento mais aprofundado do contexto no qual a escola está inserida. Além disso, alguns encartes elaborados por alunos e professores e o site da Prefeitura Municipal ao qual a unidade de ensino está vinculada também serão utilizados como forma de entender parte da história do bairro que é atendido pela escola, embora ela esteja situada provisoriamente em outra comunidade, como será demonstrado na caracterização do campo.