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Para compreender as vivências dentro do trabalho precoce, o contexto em que se desenvolveu e as implicações na vida daqueles que o exerciam, as falas dos entrevistados foram gravadas, posteriormente, transcritas, utilizando-se da entrevista não estruturada ou aberta com elementos da técnica da história de vida.

Minayo (2008) define a entrevista aberta como uma conversa com fins definidos, que possui um roteiro invisível e não há uma pré-definição de problemática na fala dos entrevistados, como ocorre com a entrevista estruturada ou semi-estruturada. A busca é pelos elementos relevantes que permitem aprofundar a entrevista. Esta técnica permite descrever tanto casos individuais, quanto a compreensão das peculiaridades dos grupos sociais e a comparação entre casos.

Thiollent (1982), ao problematizar a técnica da entrevista aberta, traz as contribuições teóricas de Michelat (1977) e Maître (n.d.) para sua caracterização. Segundo o autor, Michelat (1997) afirma que este tipo de entrevista permite que o entrevistado explore o campo de investigação, sendo ele quem trará os aspectos que considera relevantes. Além disso, permite a apreensão de informação de maneira mais profunda. E, para ele, o que é mais profundo é o

que é de ordem afetiva, por ser mais significativo e mais determinante dos comportamentos, do que aquilo que é de ordem intelectual ou racional.

Já Maître (n. d., citado em Thiollent, 1982) procura realizar uma articulação entre o psicológico e o social no estudo dos processos sociais, buscando nas falas tanto o vivido, o afetivo, quanto as culturas e fenômenos sociais. Além disso, para este autor, a entrevista aberta permite ao entrevistador obter o maior conjunto de informações possível sobre o entrevistado do que os outros tipos de entrevista, o que permite ter maiores elementos para a busca de significados nas falas. A entrevista aberta permite também obter um conhecimento não categorizado sobre a experiência do entrevistado. Por fim, a entrevista aberta proporciona, na relação intersubjetiva entre pesquisador e pesquisado, restituir a estes últimos a expressão de seus pontos de vista sobre os eventos que lhe ocorrem, uma vez que eles são os atores da situação estudada.

É através da entrevista aberta que se pode obter narrativas como a história de vida. Este tipo de narrativa tem como objetivo conhecer as experiências dos participantes e a interpretação destas a partir do mundo no qual vive. Assim como a entrevista, na história de vida, o campo da experiência é explorado pelo sujeito e a ênfase reside na riqueza da história pessoal. O entrevistador mantém o participante orientado para o tema de interesse e questiona quando existe a necessidade de aprofundar alguns aspectos (Becker, 1997).

A história de vida mostra-se como uma técnica importante porque permite obter dos participantes as interpretações que fazem de sua experiência, sobretudo em como elas podem explicar o comportamento, qual a visão de mundo que este possui, quais os desafios que enfrenta, e as alternativas de ação percebidas, além de levantar questões a partir do seu ponto de vista. Permite uma visão subjetiva de processos institucionais já estudados e também aproximar-se daqueles que não o foram (Becker, 1997). Minayo (1999) afirma que a história de vida é uma técnica que permite visualizar como a história coletiva perpassa e constitui a

história individual. Ao mesmo tempo, a técnica permite atentar para informações não repetidas, que podem ser importantes para compreender a lógica interna do grupo (Minayo, 2008). Para esta autora, a história de vida é uma técnica muito relevante por permitir a avaliação de como as pessoas compreendem seu passado, como estabelecem vínculos entre experiência pessoal e o contexto social e como lhes dão sentido a partir do presente.

Becker aponta, no entanto, que a contribuição mais relevante da técnica da história de vida é que ela dá sentido à noção de processo, uma vez que permite verificar a pertinência da imagem que se tem dos fenômenos, em termos de convergência teórica com os fatos observados. Outro ponto articulado ao anterior e que, sobretudo para este trabalho, torna-se crucial é a possibilidade que a história de vida proporciona de debruçar sobre os eventos de interação na história pessoal, onde novas fronteiras entre a atividade individual e coletiva são produzidas (Becker, 1997).

Bosi (1987), trazendo concepções de Halbwachs (1950), sobre a questão da memória e da lembrança de fatos passados, argumenta que, na história de vida, as relações não se restringem apenas ao mundo interno da pessoa, mas que dentro deste se encontram também as relações interpessoais que ocorrem dentro das instituições sociais. Por isso, a memória toma relevância dentro dos grupos sociais dos quais o participante pertence, amarrando a história pessoal e a coletiva. A linguagem assume papel imprescindível nesta concepção, por ser o “elemento socializador da memória” (p.18). Permite, no mesmo espaço e tempo, reunir as imagens antigas e as atuais.

Neste sentido, a autora atenta também para o fato de que não é possível obter uma lembrança “pura” dos fatos, tal como ocorreram em sua forma inicial: relembrar é re-fazer, com os materiais, as idéias atualmente disponíveis, na nossa consciência, as experiências vividas. A autora afirma que a memória tem o caráter de trabalho, de recriação (Bosi, 1987). Minayo (2008) traz uma concepção semelhante, ao afirmar que a pessoa não apenas conta a

sua vida, mas reflete sobre ela e lhe dá sentido enquanto faz a narração, partindo de seu presente e projetando-o em relação ao futuro.

Bosi (1987), ao citar Bartlett (1932), afirma que a natureza da memória coletiva não deve ser avaliada isoladamente, pois ela se constitui em relação com a experiência do grupo, no qual o participante está inserido, e com a sociedade em que vive. Isso porque se formam universos de discurso e de significado comuns, que é a construção social da memória, e que aparece também nos discursos individuais.

Considerando estes aspectos proporcionados pela entrevista aberta e pela técnica da história de vida, utilizou-se de temas norteadores, com a finalidade de orientar a entrevista de acordo com os objetivos da dissertação. Embora tenha se trabalhado na entrevista com temas, a pesquisadora preparou um roteiro sobre estes (vide Anexo A), a ser utilizado mormente quando os participantes apresentavam dificuldades em fazerem narrativas a partir do pedido de falar sobre determinado tema. A utilização do roteiro, em determinados momentos, foi importante para esclarecer, junto aos entrevistados, o tema a ser abordado e facilitar a comunicação e o desenrolar posterior das narrativas.

O roteiro foi dividido em quatro blocos:

- o primeiro bloco enfocou as condições de vida na infância, buscando com que emergisse no discurso dos participantes temas sobre a família, infância, condições e acesso a equipamentos sociais;

- o segundo bloco enfocou a questão do trabalho precoce, buscando abordar os temas do trabalho precoce, da escolaridade;

- o terceiro bloco enfocou as condições de vida adulta, buscando a emergência de temas como a família hoje, o trabalho e o acesso a equipamentos sociais;

- o quarto bloco, implicações do trabalho precoce para a vida atual, buscou tematizar, junto aos participantes e na perspectiva destes, se haviam implicações do trabalho desenvolvido quando criança para a vida hoje, em termos de renda, escolaridade, saúde.

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