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2.1. Categorias Teóricas

2.1.4. Vivência

Outro conceito, intrinsecamente relacionado ao de consciência, é o de vivência, que tem um papel central para Vigotski. Ele afirma que a vivência deve ser compreendida como a relação interior do ser humano com um momento da realidade e como intermediária entre a personalidade e o meio (Vigotski, 1933- 1934/ 2006).

Vigotski trata do conceito de vivência como algo que integra todas as características da personalidade e do meio na criança. É uma unidade dinâmica da consciência, unidade que é sua base, diferentemente de elementos, como a atenção (Vigotski, 1933-1934/ 2006), que abrange “as formas como a criança percebe, interpreta e reage emocionalmente a um evento”

(Vigotski, 1994, p. 341). A vivência, enquanto unidade dinâmica da consciência, comporta as mesmas características desta, ou seja, a inter-relação indivisível entre aspectos cognitivos e afetivos. É através da vivência que o ambiente influencia o desenvolvimento, em seus diversos aspectos.

No entanto, em uma vivência, nem todas as características pessoais estão implicadas de uma vez, apenas algumas terão papel decisivo na forma em que a situação é experimentada. O que significa que, em uma situação, diferentes características pessoais podem estar implicadas e, em outra situação, outras características pessoais diferentes da primeira situação estão envolvidas. Eventos diversos produzirão vivências diversas, o que implica em impactos diversos no desenvolvimento da criança. Para Vigotski, o importante era conhecer que características tomam papel central em cada situação vivenciada. Para o autor, o estudo da influência do ambiente no desenvolvimento deve ser relativo, ou seja, considerar o nível de desenvolvimento e consciência da criança em um dado momento, visto que, em diferentes pontos do desenvolvimento, os eventos terão impactos diferentes. O estudo do desenvolvimento deve também considerar as vivências da criança frente a um determinado evento, quais os recursos pessoais que ela tem no momento para compreendê-lo (Vigotski, 1994).

As vivências passam por um processo de reestruturação a cada crise do desenvolvimento. Vigotski identifica crises de desenvolvimento no primeiro ano de vida, no terceiro, no sétimo e no décimo segundo anos, onde há uma brusca mudança de interesses, motivações e desejos. Essas mudanças seriam a parte menos consciente da personalidade – de onde se deduz que, apesar da ênfase de Vigotski na consciência, essa tem também um caráter parcial, ou seja, não podemos ter consciência de todos os aspectos de nosso comportamento, até porque, senão, seria impossível a busca pelo conhecimento, pelo tornar-se humano. Há

uma profunda mudança interior, na forma como a criança relaciona-se com o meio, que determina seu comportamento. (Vigotski, 1933-1934/ 2006).

O mundo subjetivo é constituído pela interação das condições sociais e pela elaboração interna desse meio (como é vivido), que evidencia também o desenvolvimento do eu, configurado pela interação das diversas formas de experiências que constituem o ser humano. Assim, o meio não constitui diretamente esses, mas esse processo ocorre de forma mediada, assumindo as peculiaridades da inter-relação entre diversas experiências (Vigotski, 1933-1934/ 2006).

No mesmo texto, o autor afirma que a criança constrói a consciência por volta dos sete anos. A criança na idade pré-escolar quer bem a si, mas não desenvolveu amor próprio, como sentimento constante e não generaliza as relações com as pessoas ao redor, nem estabelece critérios de valor de si própria. A repetição das experiências afetivas ainda é pontual e ligada à experiência imediata.

A partir deste momento, ela começa a generalizar as experiências emocionais, vividas antes isoladamente em casa situação. Agora ela começa a construir a noção de amor-próprio, que passa a ser constante em termos de se manter relativamente consistente apesar das situações específicas. Vigotski defende que o estudo da criança deve ser feito de forma relacional, a partir da vivência dela da situação. Para ele, a criança é um ser social e, se o seu meio é também social, ela então faz parte deste meio social. O que implica que devem ser estudados os significados a partir da criança, quais os significados dela em relação ao seu contexto. Vigotski afirma ainda que se deve procurar a unidade no estudo dos processos superiores, como, por exemplo, a unidade de pensamento e linguagem, e não fracioná-los em seu estudo. Da mesma forma, a vivência é tida como a unidade da consciência, na qual não se pode distinguir com exatidão o que vem da influência do meio e o que vem da peculiar

formação da criança. A vivência é sempre vivência de um outro ou alguma coisa, porém, cada vivência é pessoal (Vigotski, 1933-1934/ 2006).

Apesar de ser considerada a unidade dinâmica da consciência, o conceito de vivência carece de uma definição e desenvolvimento mais amplos por parte do autor. Podemos atribuir essa lacuna ao próprio fato de Vigotski ter falecido precocemente, e muitos dos aspectos teóricos apontados por ele não puderam ser desenvolvidos em vida, sendo tarefa que ficou a cargo de seus colaboradores. No entanto, deixou pistas, a partir das quais foram retirados alguns elementos e categorias que auxiliarão no olhar sobre o objeto de pesquisa aqui esboçado.

Esses conceitos podem ajudar a compreender as várias trajetórias de vida que se delineiam a partir da vivência do trabalho precoce, que muitas vezes assumem direções tão diversas, mesmo com contextos sociais semelhantes.

Para efeitos da presente dissertação, as vivências serão estudadas a partir de expressões denotadoras de sentido que emergem nas falas dos entrevistados, que tragam em seu bojo como eles concebem e sentem o trabalho que exerceram precocemente, bem como suas condições de vida atuais. Ainda que os participantes sejam adultos e tenham vivenciado diversos processos ao longo da vida, esta pesquisa se debruçou sobre a relação entre trabalho precoce e como este contribuiu para sua constituição, compreendendo que esta não é a única relação constituinte, mas que traz marcas na construção de sua subjetividade.

CAPÍTULO III

MÉTODO: PERCURSOS E DISCURSOS

Neste capítulo, apresentamos os procedimentos metodológicos adotados na presente dissertação, explicitando quem foram os participantes, a amostra, os instrumentos e as técnicas adotados, os procedimentos e a análise dos dados.

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