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2.1. Categorias Teóricas

2.1.1. Trabalho precoce

Vários termos têm sido utilizados para caracterizar o trabalho de crianças e adolescentes: trabalho infantil, trabalho infanto-juvenil, trabalho precoce, trabalho de menores, dentre outros. O termo “trabalho de menores” não é o mais indicado para tratar da questão, uma vez que o termo “menor” assumiu uma conotação pejorativa a partir do início do século XX, passando a significar crianças e adolescentes pobres que cometiam delitos (Londoño, 1991).

A Organização Internacional do Trabalho, em suas Convenções, Recomendações e trabalhos em geral sobre o tema, utiliza o termo “trabalho infantil” para se referir a toda pessoa com até 18 anos de idade que exerça trabalho. Porém, este termo pode trazer equívocos, uma vez que, segundo Alberto (2002), o termo infantil remete, no geral, apenas a crianças, o que pode reforçar a tendência presente na sociedade em considerar danoso o trabalho de crianças, mas não o de adolescentes.

Em relação à naturalização do trabalho de crianças e adolescentes, historicamente, principalmente na sociedade portuguesa, o trabalho manual era visto como indigno; e o trabalho intelectual, era visto como digno, sendo reservado aos filhos de nobres e ricos. Essa ideologia é trazida pelos colonizadores portugueses ao Brasil, sendo reforçado e ampliado a partir da escravidão. Com a posterior dominação inglesa sobre o comércio mundial, a ética protestante do trabalho como algo dignificante, como dever, vence a noção anterior da indignidade do trabalho, sendo amplamente difundida como forma de educação moral e espiritual, reservada a crianças e adolescentes pobres, através da execução de trabalhos manuais, menos reconhecidos socialmente (Campos & Alverga, 2001). Essa noção do trabalho como formador, como algo natural, perdura até nossos dias, sendo vista como alternativa de formação e disciplinamento à escola, mas que oculta, muitas vezes, relações de exploração. Há, no imaginário social, a idéia de que as crianças devem ser protegidas e cuidadas, de que não tem condições de sozinhas arcarem com certas responsabilidades, como por exemplo, as do mundo do trabalho. Essa idéia co-existe com a visão de que o trabalho é propiciador de formação, mostrando que convivem, na sociedade brasileira, diferentes concepções de infância.

No entanto, quando os que exercem trabalho são adolescentes, há uma aceitação muito mais expressiva por parte da sociedade em geral. A partir do momento em que os adolescentes adquirem em relação às crianças, tanto psiquicamente, como social e fisicamente, maior autonomia em relação ao seu comportamento, passam a ser vistos como capazes de exercer atividades de trabalho pesadas, como forma de evitar a marginalidade e de receberem formação. Neste sentido, deixa-se de lado o fato de que são pessoas ainda em processo de desenvolvimento, que possuem necessidades diversas das infantis, mas que ainda devem ser alvos de cuidado, atenção e proteção da exploração. Neste sentido, termo trabalho

infantil reforça esse ideário, não sendo, por isso, adequado para designar o trabalho de crianças e adolescentes.

Autores que trabalham com a temática identificam que há várias dificuldades em caracterizar e, como conseqüência, definir este tipo de trabalho, por alguns motivos: primeiro, porque muitas vezes é considerado apenas uma ajuda, ocultando as demandas dessas atividades, criando uma cultura de naturalização do trabalho de crianças e adolescentes, visto como formador e desejável e como meio de evitar a marginalidade; segundo, porque é legalmente proibido (Alberto, 2007; Dantas, 2004; Silva & Conserva, 2007; Souza, 2006).

No entanto, é comum a visão de que, em relação às crianças das classes populares, é “melhor trabalhar do que roubar”, sendo o trabalho visto como única alternativa de ocupação à marginalidade, como disciplinador. Equipamentos como a escola e outros são vistos como reservados às classes mais abastadas, não conseguindo, nesta concepção, cumprir o papel de instituições formadoras e que propiciem ascensão social. Este discurso justifica a exploração do trabalho de crianças e adolescentes, ao mesmo tempo em que enfraquece a luta por melhores equipamentos educacionais e de assistência, que atendam às necessidades das classes populares. Assim, o trabalho de crianças e adolescentes aparece como discriminatório, porque é reservado às classes pobres como disciplinador (Alberto, 2002), e, sobretudo, de acordo com a literatura na área, como estratégia de sobrevivência, uma vez que as condições mínimas de sobrevivência e acesso à renda não estão postas.

Em relação à questão legal, a legislação internacional de referência é a da Convenção Internacional dos Direitos da Criança (Convenção sobre os Direitos da Criança, 2002) de 1989 e as Convenções n.º 138 e 182 da Organização Internacional do Trabalho (Convenção 138, n. d.), estas últimas estabelecendo, respectivamente, a idade de 15 anos como a mínima para o trabalho e a proibição das piores formas de trabalho infantil, atividades que exponham

as crianças e adolescentes ao regime de escravidão, exploração e que tragam danos à sua moral, à saúde e à segurança.

Ressalte-se ainda que, em nível nacional, a Constituição Federal de 1988 (Constituição da República, 1988) traz, em seu artigo 227, que toda criança e adolescente devem ser protegidos de qualquer forma de negligência e exploração. Este artigo encontra seu desdobramento na criação da Lei n. º 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que, em seu artigo n.º 60, determina que “É proibido qualquer tipo de trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz" (Estatuto da Criança e do Adolescente, 2005).

Este artigo foi modificado a partir da Emenda Constitucional n.º 20, de 15/12/1998, que eleva a idade mínima para a admissão ao trabalho de 14 para 16 anos (Emenda Constitucional nº 20, 1998). Assim, na atual legislação nacional, a idade mínima para a inserção no trabalho é de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, na qual o é possível a partir dos 14 anos de idade.

Neste sentido, apesar de reconhecermos as diferentes posições existentes em torno do tema do trabalho precoce (cite-se, como exemplo a perspectiva de Liebel, 2004), para fins desta dissertação adotamos a perspectiva que o trabalho de crianças e adolescentes, além de ser ilegal, é uma forma de exploração, no qual esses podem ser privados do acesso à escolaridade, ou mesmo ter um baixo aproveitamento escolar; pode trazer danos à saúde, ao desenvolvimento tanto físico, quanto moral, social e psíquico dos mesmos. Além disso, é uma questão de violação de direitos, sobretudo, do direto a terem infância e adolescência, construções sociais que implicam em muito mais do que ser criança e adolescente; implica em poder se constituir enquanto pessoas a partir de condições dignas de sobrevivência, do usufruto de etapas preparatórias essenciais para a constituição de adultos plenos de possibilidades de agir no mundo.

A partir destas considerações, adotaremos aqui o termo “trabalho precoce”, por denotar um tipo de trabalho que ocorre antes do tempo delimitado por lei para sua execução e que, neste sentido, pode ser prejudicial. Além disso, permite abarcar tanto o trabalho de crianças quanto o de adolescentes em seu bojo e, ao mesmo tempo, coaduna-se com a delimitação legal para a execução do trabalho no Brasil, que se dá a partir dos 16 anos de idade. Para utilizar uma definição mais exata, adotar-se-á, em parte, neste trabalho, a definição de Costa (1990) que define trabalho precoce como o exercício da atividade que assume uma utilidade social, ou se caracteriza por esquemas de profissionalização divergentes: tráfico e exploração sexual comercial.

Acrescenta-se aqui, a esta definição, que o trabalho precoce é a atividade que a criança e o adolescente executam, em troca de um pagamento, que pode ser realizado através de gêneros ou espécie, ou mesmo serviços, e que pode ser realizado tanto para terceiros, como no seio familiar (Alberto, 2002). A ênfase dá-se na utilidade das atividades desenvolvidas pelas crianças e adolescentes e também na forma de pagamento, que não necessariamente ocorre sempre em gênero, mas muitas vezes é realizada através do fornecimento de alimentação, vestuário, etc. A partir da definição de Costa, enquadram-se também como atividades de trabalho aquelas consideradas como ilegais, a exemplo da exploração sexual infanto-juvenil ou tráfico de drogas.

Assume-se que o trabalho precoce traz diversas implicações para o desenvolvimento e a constituição das crianças e dos adolescentes que o executam. Implicações estas que podem se estender por toda a vida, marcando e delimitando seu curso.

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