• Nenhum resultado encontrado

3. O CAMPO E A METODOLOGIA

3.1 TÉCNICAS DE PESQUISA

Foram realizadas para o trabalho de campo desta pesquisa duas entrevistas semiestruturadas com homens (trans) ativistas que participaram do evento I Encontro de Homens Trans do Norte e Nordeste, ocorrido na cidade de João Pessoa na Paraíba nos dias 14, 15 e 16 de junho de 2013, as quais serão tratadas como dados primários. Algumas análises também estão sendo feitas a partir das anotações etnográficas do encontro. Outras três entrevistas semiestruturadas foram realizadas com homens (trans) domiciliados na região da grande Curitiba, como a observação sistemática de algumas reuniões do projeto Cartografias Trans, dirigido às pessoas (trans) que frequentam o Centro de pesquisa e atendimento a travestis e transexuais (CPATT) de Curitiba. Tal atividade era coordenada por então estagiárias do curso de Psicologia da PUC-PR, as quais monitoraram as reuniões também com vistas a produção de seu trabalho final de curso. No CPATT também acompanhei de forma informalmente a permanência dos homens (trans) que utilizam os serviços do local. Mais adiante, ao tratar da pesquisa em si, retorno a este assunto para descrever melhor o CPATT e o projeto Cartografias Trans. Ainda são analisados

alguns debates online em redes sociais (Facebook) e blogs

(homenstrans.blogspot.com.br e institutoibrat.blogspot.com.br) desta população sobre a temática da despatologização da transexualidade, sendo estes os dados secundários da pesquisa.

Em uma das reuniões de orientação foi indicado que eu postasse nos fóruns das redes sociais acessadas pelos sujeitos da pesquisa um questionário mínimo sobre a posição dos mesmos em relação à despatologização da transexualidade e foi o que fiz. Postei na rede Facebook duas questões:

1)―Você se considera doente por ser uma pessoa (trans)?‖;

2)―Você concorda que a transexualidade seja descrita no CID (Código Internacional de Doenças) da OMS e no DSM (Manual Estatístico das Doenças Mentais) da APA como uma doença?‖.

Por mais de um mês tais perguntas aguardaram respostas. Entretanto, não as obtive. A partir disto, penso que o silêncio dos entrevistados ―diz muito‖ ao demonstrar que o assunto ou não merece atenção dos integrantes da rede, ou é suficientemente penoso para ser discutido, o que sem dúvida, já é um dado a ser analisado. Saliento que pelo fato de ser reconhecido como um defensor da despatologização das identidades (trans) alguns interessados em responder meu pequeno questionário talvez não se sentiram estimulados a responder ou sentiram- se desconfortáveis, temendo uma retaliação minha, o que obviamente não aconteceria. Embora tenha sido instigado no momento da qualificação a novamente postar este questionário na rede facebook, em decorrência da quantidade dos dados empíricos das entrevistas e da observação das reuniões do projeto, e principalmente do pouco tempo restante para a finalização da pesquisa, optei pela não insistência do questionário online.

Uma ressalva precisa ser feita neste momento da pesquisa. Foi solicitado aos entrevistados que escolhessem livremente o nome pelo qual seriam denominadas/os ao longo da pesquisa. De acordo com a premissa de respeitar a dignidade e os direitos das/os entrevistadas/os (FLICK, 2009, p. 54) os nomes utilizados devem respeitar e garantir o anonimato das identidades das pessoas entrevistadas, impossibilitando a identificação dos mesmos por terceiros/as. Todavia, penso que neste caso em particular40, uma vez que uma das grandes

demandas desta população é o direito a um nome que lhe represente, diferentemente do nome que consta em seu registro (quando ainda não retificaram a documentação); a solicitação também permitiu a possibilidade dos entrevistados optarem pelos nomes que desejassem, não importando se generificados ou não. Inclusive, havia a possibilidade de escolher denominações não usualmente consideradas para humanos, podendo as escolhas refletir objetos, animais ou qualquer outra coisa que fosse de seu desejo. A relevância do nome para pessoas (trans) é mais bem descrita por Bento:

40 A ênfase no sigilo das identidades tem a ver com a posição de vulnerabilidade que meus

interlocutores seriam expostos caso esta pesquisa abrisse mão do anonimato. Nada tem a ver com uma posição que se coaduna com a Resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde, cuja finalidade foi a de instituir um sistema nacional de regulação da ética em pesquisa ―que envolvem seres humanos‖, e que é alvo de pertinentes críticas por cientistas sociais brasileiras/os, os quais discordam de sua eficácia para suas pesquisas.

Dizê-lo [o nome] ou pronunciá-lo seria recuperar sua condição feminina. O nome próprio aqui funciona como uma interpelação que o recoloca, que ressuscita a posição de gênero da qual luta para sair. [...] Serem identificados/as publicamente pelo nome que os/as posiciona no gênero rejeitado era uma forma ressignificada de atualizar os insultos de ―veado‖, ―sapatão‖, ―macho-fêmea‖, que, ao longo de suas vidas, os/as haviam colocado à margem. (BENTO, 2006, p.57)

O processo de escolha foi aceito pelos entrevistados, embora tenham solicitado que seus nomes fossem divulgados, após uma detalhada argumentação a respeito dos motivos deste cuidado para evitar a identificação, prontamente compreenderam e concordaram.

Continuando nesta linha, vale salientar que não será divulgado nesta pesquisa nenhum dado que possa, por menor que seja, levar a identificação dos interlocutores. A relevância de suas falas é no sentido de evidenciar experiências e os respectivos sentidos dados a estas experiências, jamais produzir o reconhecimento dos indivíduos. E esta exigência é também fundamental visto que são pessoas que discorrem sobre situações de violências vividas, muitas das vezes ainda com uma carga de sofrimento não superada, e identificar suas histórias, seria antes de tudo, um ato transfóbico, o qual não desejo incorrer de forma alguma. Como informa FLICK (2009, p.54):

[...] os pesquisadores precisam garantir total confidencialidade aos participantes, no sentido de assegurar que a informação coletada sobre eles seja utilizada somente de modo que impossibilite a identificação dos participantes por parte de outras pessoas, bem como o uso dessas informações por parte de qualquer instituição contra os interesses do participante.

A opção pela técnica de pesquisas semiestruturadas deu-se pela

expectativa de que é mais provável que os pontos de vista dos sujeitos entrevistados sejam expressos em uma situação de entrevista com planejamento aberto do que em uma entrevista padronizada ou em um questionário (FLICK, 2004, p. 89).

Para melhor especificar a técnica de pesquisa a ser usada, utilizo o termo que FLICK descreveu como ―entrevista semipadronizada‖, referindo-se ao ―método de reconstrução de teorias subjetivas‖ de SCHEELE e GROEBEN (apud FLICK, 2004, p.95). Esta técnica é particularmente interessante aos objetivos desta pesquisa na medida em que explora e articula os conhecimentos prévios dos entrevistados a respeito do objeto da pesquisa, averiguando que ―esse conhecimento inclui suposições que são explícitas e imediatas, as quais ele pode expressar espontaneamente ao responder uma pergunta aberta, e que são complementadas por suposições explícitas‖. (FLICK, 2004, p. 95). Concordando com MICHEL (2009, p.68) neste tipo de técnica de pesquisa ―o entrevistado tem liberdade para desenvolver cada situação em qualquer direção que considere adequada, permite explorar mais amplamente uma questão.‖