tação clara da superioridade da cidade-luz.
4Micheletjá apontara o
importante papel exercido pela cidade-eapital no processo de consti
tuição das nações, ao se referir a Paris como o ponto em torno do qual
se manifestou a "alta e abstrata realidade da Pátria".6 No caso da
América Latina, Rama deixa evidente a precocidade da evolução urbana aqui ocorrida, conferindo
à
"cidade das letras" a tarefa de formação da nacionalidade e de estabelecimento de seus valores.6Capital da América portuguesa desde o século XVIII, o Rio de Janeiro tornou-se, no século seguinte, o maior núcleo populacional do Brasil independente, seu centro econômico e político. Aí. se localiza ram as matrizes geradoras de uma produção simbólica que buscou montar um processo de constituição da nossa identidade nacional, como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e a Academia Imperial de Belas Artes, entre outras; aí se operou a competente montagem do Estado imperial.7
Coube ao regime republicano recém-instalado promover a capital federal a cartão postal do país, através da execução de obras de saneamento e de embelezamento há muito planejadas. Mirando-se no exemplo do barão Haussmann, que no século passado conduzira a reforma urbana de Paris, a prefeitura do Distrito Federal, sob o comando de Pereira Passos
(1903-1906),
determinou a destruição do velho centro de vilas apertadas e casarÔ8S coloniais para dar passa gem à elegante Avenida Central;jardins foram criados e reformados, os bondes ganharam tração elétrica, um novo porto foi construído, um código de posturas urbanas impondo hábitos e costumes "civilizados" foi instituído, e uma reforma sanitária foi empreendida por Osvaldo Cruz.8 A grande recompensa por todo esse esforço de "civilizar o Rio" veio através do reconhecimento de uma poetisa francesa que, em visita à cidade remodelada, dedicou-lhe um livro de poemas intitulado La ville merveilleuse.9O grande interesse da comunidade acadêmica por esta ''regene ração" da capital federal, atraindo não só historiadores, como também sociólogosbgeógrafos, arquitetos, urbanistas, antropólogos, cientistas políticos,l indica a percepção de que as transformaçôes que entáo sacudiam o país, a partir do marco político que foi a proclamação da República, podiam ser detectadas através do "desmonte" do cenário onde tudo ocorreu. Ou seja, na geografia transformada da capital federal estaria a marca da constituição de uma nova ordem econômi ca, social e política, de um novo conjunto de sonhos, desejos e aspira ções. Era o Brasil tentando entrar no ritmo da história, recriando uma nação para o século que nascia; e a maior evidência dessa reiterada aspiração seria transformar a capital "malsã" em cidade (':maravilhosa".
A importância das reformas Passos não é reconhecida apenas pela historiografia; elas foram identificadas pelos contemporãneos como o principal marco paradigrnático do esforço de construir nos trápicos uma cidade "civilizada". A propósito da volta dos quiosques, comércio
ambulante duramente cerceado pelas posturas municipais, a
Revista
da Semana,
em março de 1919, alertava para"a existência de grosseiras e sórdidas altna1\ÍaITaS pos tadas às esquinas das ruas , pelas calçadas, pelas praças ( ... ) que afrontavam a elegância de uma cidade que se modernizava e que tentaram resistir à energia do pre feito Passos, que conseguiu extingui-los integralmente ( ... ) é mister acabar com o quiosque para que a raça não prolifere". 11
o
recado não pode ser mais claro: é preciso que a bela capital não jogue fora o investimento feito no início do século com o objetivo de colocá-la na trilha das metrópoles progressistas. A obra de Pereira Passos e Osvaldo Cruz, mais do que nunca, precisa ser lembrada; afinal, o Distrito Federal deverá estar preparado para receber os reis da Bélgica em 1920, e dois anos depois, os inúmeros visitantes que certamente acorrerão aos ruidosos festejos do Centenário da Inde pendência.Os apelos à comemoração tornam-<õe freqüentes na imprensa carioca, principalmente a partir de 1920, através de uma eficaz operação de "vigilância comemorativa". Sâo numerosos os artigos alertando que "agita-se a questâo de se dar à data de
7
de setembro de 1922 o brilho, o esplendor que deve ter',.12 Em caricaturas e charges, o "Centenárid' é personificado na forma de um velho seminu, desanimado e triste; assim aparece ele na primeira página doJornal
do Brasil
de 19 de julho de 1920, lamentando-se: "Neste passinho, eu passo a ficar passado!" ACareta
também desencadeou campanha intensiva para lembrar a próxima comemoraçâo. A revista carioca denunciava o esquecimento a que fora relegada a celebração de nossa data magna, registrando o "choro' do "velho centenário": ''Ninguém se lembra de mim"; "Olho, não vejo ninguém! Chamo, ninguém me responde!";''Não te esqueças da velhice desamparada". A caricatura mais expressiva, significativamente intitulada "Tristeza do Centená rio", mostrava o "velho", desolado, com um livro de história do Brasil roído por ratos, numa incisiva denúncia da necessidade de se salvar a memória desses cem anos de nação.13Iniciativas são cobradas e atividades sugeridas, eventos conside rados indispensáveis e empreendimentos inadiáveis, tudo (ou quase tudo) tendo por cenário a capital da República. Daí, a "obrigação" de se dotar o Rio de Janeiro de ''melhoramentos necessários", para que a "comemoração do centenário se faça numa cavital limpa, saneada, de bom aspecto", lembra o
Correio da Manhã.
4 Dessa maneira, o sucesso de qualquer programa comemorativo passava necessaria-mente pela remodelação da "cidade maravilhosa" que, apesar de cantada em verso e prosa por suas belezas naturais, deveria se aproximar "do modelo de uma soberba cidade do século XX" , alertava