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Tarefa B1 – Organização semântica

No documento Tese de Doutoramento em Linguística (páginas 139-145)

MODELO BASEADO EM PROCESSOS DE VALIDAÇÃO

2. Processo relativo aos termos

2.1.2. Atividade B – Organização de termos e de conceitos

2.1.2.1. Tarefa B1 – Organização semântica

Partindo da observação dos termos em contexto, é possível aplicar-lhes uma organização baseada em critérios linguísticos, cujo objetivo é de identificar relações semânticas entre termos pertencentes a um mesmo campo lexicossemântico. Com base em critérios de ordem semântica e morfológica (Cf. tarefa A2 anterior) são reagrupadas, quer por via das concordâncias, quer dos clusters, todas as ocorrências de um determinado termo que forme um núcleo semântico e, de seguida, é aplicada a análise sistemática das relações que os unem.

As relações semânticas entre termos estruturam o léxico de especialidade no eixo paradigmático. Estas relações são de dois tipos: as relações hierárquicas e de inclusão e as relações de equivalência e de oposição. As primeiras ajudam a estruturar os termos estabelecendo entre eles dependências do tipo hiperonímia/hiponímia ou holonímia/meronímia e as segundas do tipo sinonímia, antonímia e co-hiponímia.

A partir de exemplos observados no corpus de análise do projeto BDTT-AR, iremos, de seguida, dar conta de algumas destas relações e propor uma forma de apresentação dos resultados que possa ajudar o especialista a conceptualizar, a partir de uma perspetiva de ordem mais linguística sobre os termos e suas relações internas. Apesar da existência de alguma incerteza em torno dos conceitos exatos para os quais remetem as designações que está a analisar, na sua abordagem semasiológica, o terminólogo fundamenta a sua perceção das relações entre termos na correta formação dos mesmos e nos sentidos que estes veiculam.

Para além destes elementos fundamentais, o campo lexicossemântico traduz sempre uma pertença dos termos e das combinatórias terminológicas a uma mesma área de especialidade, o que conduz o terminólogo na pista das relações entre os termos.

Para o efeito, selecionamos dois exemplos de organização semântica que passamos a descrever.

- 130 - v Exemplo 1: a partir do termo veto

Na imagem que se segue apresentamos o resultado da pesquisa no corpus, a partir da forma veto, com a função cluster sise 5 do AntConc.

Figura 16: clusters sise 5

Identificamos as seguintes combinatórias portadoras de sentido em torno do campo lexicossemântico do veto, por ordem de surgimento na imagem:

- veto pelo presidente da república

- veto do presidente da república - veto do representante da república - veto político

- veto por inconstitucionalidade - veto presidencial

- veto

Sendo veto o termo nuclear do paradigma, este assume automaticamente o estatuto de termo genérico. De seguida observamos que se destacam dois grupos semânticos neste conjunto de combinatórias: por um lado aquelas que nos dizem

- 131 - quem tem autoridade para vetar ou seja o Presidente da República64 e o representante

da República e, por outro, aquelas que nos dizem que tipos de veto existem, ou seja o veto político, o veto por inconstitucionalidade e (aparentemente) o veto presidencial.

Levando a análise semântica mais além, é possível identificar os tipos de relações existentes entre os termos. O termo veto estabelece uma relação de hiperonímia/hiponímia com veto político e veto por inconstitucionalidade. A relação que une um hipónimo ao seu hiperónimo é uma relação hierárquica de inclusão que, em função do ponto de vista, pode ser percecionada de duas formas.

Do ponto de vista da referência, a classe dos referentes que são vetos políticos ou vetos por inconstitucionalidade está incluída na classe dos referentes que são vetos, neste caso fala-se de inclusão por extensão. Do ponto de vista do sentido, o sentido de

veto está incluído no sentido de veto político e de veto por inconstitucionalidade, neste

caso fala-se de inclusão por intensão uma vez que os semas de veto estão incluídos nos respetivos sememas de veto político e de veto por inconstitucionalidade.

A hiperonímia estabelece uma relação de implicação unilateral entre dois termos: se X é um veto político, então X é um veto. Mas não é possível inverter a equação e dizer: se X é um veto, então X é um veto político. Assim, um X hipónimo é um tipo de X hiperónimo.

Também identificamos relações de holonímia/meronímia entre os termos veto e Presidente da República e entre veto e representante da República. De facto, de acordo com o processo legislativo português o poder de veto só pode ser exercido por duas figuras que são ou o Presidente da República ou o representante da República que é uma figura que representa o estado e é nomeada pelo presidente da república junto das regiões autónomas. Existe uma relação de implicação direta, não se podendo definir veto sem referir o veto de quem? Estamos, assim, perante uma relação de sentido parte-todo que se estabelece entre dois termos cujo primeiro (Presidente da

64 De ora em diante os termos analisados serão mencionados tal como foram validados quanto à sua

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República ou representante da República) denota uma parte e o segundo (veto) denota

um todo relativamente à parte.

Como sabemos, os merónimos possuem algumas semelhanças com os hipónimos. Ambos possuem uma componente de sentido relacional que exige a sua relação com outro termo mas, enquanto um X hipónimo é um tipo de hiperónimo, um X merónimo é uma parte de um X holónimo.

A meronímia é, tal como a hiponímia, uma relação lógica de implicação. Apesar de algumas semelhanças, a principal diferença reside no facto de um hiperónimo impor as suas propriedades aos seus hipónimos, enquanto as propriedades do holónimo não são transferidas para o merónimo. Estes aspetos revelam-se ser muito importantes aquando da redação das definições.

Prosseguindo na análise semântica, também verificamos que veto presidencial não é um tipo de veto ao mesmo título que veto político e veto por

inconstitucionalidade. Trata-se apenas de outra forma de designar o veto do Presidente da República, daí que seja possível aqui destacar outro tipo de relação semântica,

comummente apelidada de relação de equivalência intralinguística e que não é mais do que uma relação de sinonímia entre dois (ou mais) termos cujas designações são diferentes tal como é o caso entre veto presidencial e veto do Presidente da República.

Por fim, também identificamos uma relação de co-hiponímia entre os termos

veto político e veto por inconstitucionalidade. Ambos partilham uma mesma relação

hierárquica com o hiperónimo veto. Os co-hipónimos são unidades de mesma ordem porque se situam no mesmo nível da hierarquia relativamente ao seu hiperónimo e diferenciam-se pelo facto de possuírem um ou vários semas específicos. Os co- hipónimos têm ainda a especificidade de poderem estabelecer entre si relações de sinonímia ou de antonímia.

Relativamente à antonímia entre co-hipónimos, não encontramos esta relação na análise semântica do termo veto e seus termos relacionados mas identificámo-la no estudo do termo voto relativamente à relação entre os termos voto contra e voto

- 133 - frente, na tarefa B2 - Organização conceptual, desenvolvemos a análise em torno do conceito de ‘voto’ de forma detalhada.

Resumidamente, a organização semântica em torno do termo veto permitiu identificar as seguintes relações entre termos:

· relações hierárquicas e de inclusão: Ø hiperonímia/hiponímia:

- veto / veto político

- veto / veto por inconstitucionalidade

Ø holonímia/meronímia:

- veto/ presidente da república

- veto/ representante da república

· relações de equivalência (intralinguística) e de oposição Ø sinonímia:

- veto do presidente da república / veto presidencial Ø co-hiponímia:

- veto político / veto por inconstitucionalidade

v Exemplo 2: a partir do termo deputado

No exemplo anterior não identificamos qualquer relação semântica de oposição entre termos, mas esta relação foi identificada no exemplo que se segue relativo ao termo deputado. Os antónimos são termos de sentido contrário mas com a particularidade de possuírem, apesar de tudo, alguns semas em comum. Assim, neste exemplo, verificamos que o termo deputado da Assembleia da República possui dois antónimos complementares ex-deputado e antigo deputado que, entre si, são sinónimos.

Resumimos, a seguir, o conjunto das relações identificadas em torno do estudo do termo deputado:

· relações hierárquicas: Ø hiperonímia/hiponímia:

- 134 - - deputado / deputado da Assembleia da República

- deputado / deputado à Assembleia Legislativa da região autónoma - deputado / deputado ao Parlamento Europeu

- deputado / deputado da Assembleia Municipal

- deputado da Assembleia da República / deputado único representante de um partido

- deputado da Assembleia da República / deputado não inscrito em grupo parlamentar

· relações de equivalência e de oposição Ø sinonímia:

- ex-deputado / antigo deputado

Ø antonímia:

- deputado / ex-deputado - deputado / antigo deputado Ø co-hiponímia:

- deputado da Assembleia da República / deputado à assembleia

legislativa da região autónoma / deputado ao Parlamento Europeu / deputado da Assembleia Municipal

- deputado único representante de um partido / deputado não inscrito

em grupo parlamentar

Entramos, com a tarefa seguinte, na fase da atividade em que o terminólogo faz emergir a dimensão conceptual da terminologia, saindo das relações semânticas stricto

sensus que ligam as designações aos sentidos e que, por serem relações internas à

língua, provocam todo o tipo de instabilidade designativa e até de variação semântica quando atualizadas em discurso.

É por esta razão que, por vezes, coocorrem nos corpora, variantes designativas dos mesmos conceitos, encontramos por exemplo: veto pelo Presidente da República e

veto do Presidente da República; deputado à Assembleia da República e deputado da Assembleia da República, entre outros exemplos.

A identificação das relações semânticas entre termos é, no nosso entender, uma tarefa fundamental para levar a bom porto a atividade de estruturação das

- 135 - relações entre termos. Esta primeira organização das relações ao nível semântico pode ajudar a clarificar as ideias e a avançar de forma mais confiante para uma abordagem das relações ao nível conceptual.

No documento Tese de Doutoramento em Linguística (páginas 139-145)