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4.2 A moeda como fator interferente na teoria da localização

4.2.1 Taxa de juros e preferência pela liquidez em Keynes

Para os clássicos, a taxa de juros é determinada no mercado de fundos emprestáveis. Ela reflete, assim, o equilíbrio entre a demanda de investimentos e a oferta de poupança, representando o prêmio por não gastar (em consumo ou investimento). Neste sentido, elevadas taxas de juros praticadas estão associadas à menor oferta de recursos. Em grande parte, o menor volume está associado ao maior risco incorrido pelo emprestador, fruto da ausência de informações confiáveis sobre os potenciais devedores.

Diferentemente daqueles estudiosos, Keynes (1937a) nega a teoria dos fundos emprestáveis. Para o autor, conforme visto no capítulo dois, a taxa de juros é determinada de forma a ajustar, na margem, a oferta de moeda e a demanda por moeda – ambas refletindo a preferência pela liquidez dos agentes. Assim, a moeda torna-se a recompensa por não entesourar por um determinado período de tempo, por abster-se de liquidez; e não por deixar de consumir.

Segundo Keynes (1937b),

(…) my theory of the rate of interest might be expressed by saying that the rate of interest serves to equate the demand and supply of hoards – i.e. it must be sufficiently high to offset an increased propensity to hoard relatively to the supply of idle balances available. The function of the rate of interest is to modify the money-prices of other capital in such a way as to equalise the attraction of holding them and of holding cash. This has nothing whatever to do with current saving or new investment (…) The rate of interest is, if you like, the price of hoards in the sense that it measures the pecuniary sacrifice which the holder of a hoard thinks it worth while to suffer in preferring it to other claims and assets having an equal present value. (KEYNES, 1937b: 250-1) (itálico original do texto)99

99 (...) pode-se expressar minha teoria de taxa de juros dizendo que a taxa de juros serve para igualar a demanda e a oferta de entesouramento – isto é, deve ser suficientemente alta para compensar um aumento na propensão a entesourar, relativamente à oferta disponível de saldos ociosos. A função da taxa de juros é de modificar o preço de

As alterações nas taxas de juros podem, portanto, ser atribuídas a variações nas expectativas dos agentes sobre o futuro, ou mesmo a alteração no estado de confiança dessas expectativas. Pois o prêmio que tem que ser oferecido aos agentes para induzi-los a abster-se da moeda, aplicando suas riquezas em outros ativos alternativos, deve ser modificado.

Keynes (1937c) deixa claro que a existência de poupança anterior por parte dos agentes, em nenhuma hipótese, seria uma restrição à realização de inversões. O autor reforça a importância dos bancos no processo de criação de crédito e, destarte, na viabilização dos investimentos na economia, por serem os provedores de recurso, de finance. Uma restrição no volume de crédito ofertado é resultado de uma maior preferência pela liquidez dos bancos, o que por sua vez tende a elevar a taxa de juros. Nas palavras do autor,

(…) the transition from a lower to a higher scale of activity involves an increased demand for liquid resources which cannot be met without a rise in the rate of interest, unless the banks are ready to lend more cash or the rest of the public to release more cash at the existing rate of interest. If there is no changing in the liquidity position, the public can save ex-ante and ex-post and ex-anything-else until they are blue in the face, without alleviating the problem in the least – unless, indeed, the result of their efforts is to lower the scale of activity to what it was before. (KEYNES, 1937c: 669)100

Assim, considera que a falta de finance, e não de poupança, é que pode limitar a realização de investimentos.

Não é demais relembrar com Chick (1986) que, somente em uma fase bem inicial, os bancos dependeriam de depósitos prévios para expandir o crédito. A autora mostra que a partir de determinado grau de desenvolvimento do sistema bancário (particularmente, a partir do estágio 4)

outros ativos de forma a igualar a atração por retê-los com a atração pela retenção de moeda. Isso nada tem a ver com poupança atual ou novos investimentos (...) A taxa de juros é, se preferir, o preço do entesouramento, no sentido de que ela mede o sacrifício monetário que o detentor de moeda avalia que vale a pena incorrer ao preferir entesourar a riqueza na forma de moeda a aplicá-la em outros ativos com igual valor presente (tradução minha).

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(...) a transição entre uma escala de atividade menor para uma maior envolve um aumento na demanda por recursos líquidos, que não pode ser atendida sem uma elevação na taxa de juros, a não ser que os bancos estejam preparados para conceder mais crédito ou o resto do público esteja pronto a liberar mais moeda ao nível existente de taxa de juros. Se não houver mudanças na disponibilidade de liquidez, o público pode poupar ex-ante, ex-post ou ex- qualquer coisa até ficar sem ar, sem aliviar o problema – a menos que, de fato, o resultado de seus esforços seja o de reduzir a escala de atividade ao nível que ela estava no início do processo (tradução minha).

a moeda torna-se totalmente endógena101. Os bancos deixam de ser restringidos pelo estoque exógeno de moeda (ou pelo volume de depósitos) e passam a ter a capacidade de alterar o nível de reservas do sistema como um todo.

Para o presente trabalho, a discussão pós-keynesiana sobre preferência pela liquidez assume importância fundamental, especialmente o aspecto que diz respeito à sua variação espacial. É ele que permite considerar que tanto a taxa de juros quanto a disponibilidade do crédito sejam diferenciadas entre as regiões, repercutindo na decisão locacional dos agentes.

Isso explica por que diferentes tipos de economias podem ser caracterizadas por apresentarem distintos graus de preferência pela liquidez seja como resultado de expectativas diversas com relação às perdas de capital sobre os ativos alternativos, seja como resultado dos variados graus de incerteza sobre os retornos esperados desses mesmos ativos. O comportamento dos bancos pode ser analisado sob esse prisma (em termos do risco esperado de inadimplência e da incerteza com relação à avaliação desse risco). Se as expectativas sobre os retornos dos ativos estão sempre sujeitas à elevada incerteza, então se espera que a preferência pela liquidez esteja sempre alta e que o banco disponibilize pouco crédito, ou que cobre um preço relativamente maior pela sua concessão.

Conforme discutido na primeira parte desse capítulo, Dow (1982 e 1993) utilizou-se dos conceitos de centro e periferia para delinear um padrão diferenciado de preferência pela liquidez no espaço. Segundo ela, os residentes na periferia (firmas, instituições financeiras e famílias) tendem a preferir manter seus ativos mais líquidos do que os residentes no centro. Como a renda dos agentes na periferia, de maneira geral, é menor do que a dos agentes localizados nas áreas mais prósperas, maior é a probabilidade de eles precisarem de empréstimos para financiar suas despesas correntes. Essa possibilidade limita a disponibilidade de crédito ou o torna mais caro, devido ao risco de inadimplência associado, avigorando a preferência por reter ativos mais líquidos (com baixo risco de perdas de capital). Tal resultado é reforçado, ainda segundo Dow

101 O fato de se ter uma oferta de moeda endógena não implica que não possa haver racionamento de crédito na economia. Tanto horizontalistas, quanto os estruturalistas admitem que os bancos, por meio da sua preferência pela liquidez, podem dificultar, via aumento na taxa de juros ou nos colaterais exigidos, a concessão de empréstimos, configurando uma situação de restrição de crédito. A discussão foi levada a efeito no capítulo dois desta tese.

(1982 e 1993), pelas diferenças regionais na variabilidade da renda: quanto maior a renda, mais alta a preferência pela liquidez. Ainda que a renda média seja alta, se existe risco de sérias e eventuais depressões, a inadimplência tende a ser alta no médio e longo prazos, o que determina o comportamento mais conservador dos agentes.

A autora, ao mesmo tempo, oferece razões para justificar a maior liquidez dos ativos do centro, em relação àqueles da periferia – tornando-os ainda mais atrativos. Segundo ela, o fato de o centro financeiro normalmente estar localizado em uma região central permite o acesso mais direto aos mercados, viabilizando um maior volume de transações e uma maior variedade de instrumentos financeiros. Acrescenta que, ainda que os ativos da periferia sejam transacionados no centro financeiro, a distância, a ausência de informação (ou a sua pior qualidade) sobre os tomadores de empréstimos e o relativamente baixo volume transacionado desses ativos contribuem para enfraquecer o seu mercado, em relação aos mercados para os ativos do centro.

Conclui afirmando que a maior preferência pela liquidez dos residentes da periferia fará com que eles tentem reter maior quantidade de ativos do centro, jogando o preço dos seus próprios ativos para baixo, em relação àqueles do centro, e aumentando a frequência de perdas de capital. Como resultado tem-se mais justificativas para que as instituições financeiras concedam mais crédito para as empresas do centro do que para as da periferia.

Acatando a justeza de tais ponderações, considera-se, no entanto, que não necessariamente deve- se pensar em uma economia dividida em centro e periferia. Podemos modificar um pouco a análise e trabalhar com a noção de regiões mais ou menos desenvolvidas. Daí, ter-se-ia que em regiões mais desenvolvidas, a preferência pela liquidez tende a ser menor que nas menos desenvolvidas, levando a uma taxa de juros menor. A implicação dessa configuração da preferência pela liquidez mostra-se em um padrão diferenciado de taxa de juros no espaço.

A taxa de juros, determinada por condições monetárias, influencia o nível de produto e de emprego, através do custo e da disponibilidade de crédito. Com base nesta argumentação e na hipótese de que os juros são diferenciados no espaço, devido a fatores inerentes à região, torna-se possível pensar na moeda como interferente na teoria da localização. Isto pode se dar

diretamente, por meio do custo do capital e do impacto que ele tem na oferta da empresa e na demanda por seus produtos; ou indiretamente, pelo papel que a preferência pela liquidez exerce no reforço da centralidade de uma região. Os próximos itens apresentam a discussão de maneira mais detalhada.