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3.5 Contribuições para a teoria da localização

3.5.1 Teorias da localização e tentativa de incorporação da moeda

Estudos recentes sobre as teorias da localização buscaram sanar algumas das imperfeições da teoria tradicional (DICKEN e LLOYD, 1990; McCANN, 1999; PARR, 2002b; WOOD e PARR, 2005). Estes não se filiam a nenhum movimento específico, Ciência Regional ou Nova Geografia Econômica78, e tampouco incitaram o desenvolvimento de uma nova disciplina. Entretanto, abriram a possibilidade de se pensar a moeda como um fator interferente na localização das empresas, ainda que de maneira indireta.

Peter Dicken e Peter Lloyd (1990) escreveram o livro Location in space: theoretical perspectives

in economic geography, no intuito de incorporar mais complexidade aos modelos clássicos da

localização, conferindo-lhes mais realismo. O trabalho dos autores ressalta a ausência, na teoria convencional, de elementos fundamentais para a escolha locacional das empresas, como, por exemplo, o capital. Eles defendem que, para algumas atividades produtivas, os custos do capital podem ser um elemento crucial no processo decisório, além dos custos de transporte e do trabalho – já amplamente discutidos na literatura.

Assim, para os autores, ainda que este fator não seja, por natureza, intrinsecamente espacial, como a terra ou a distância, nem por isso é menos crítico para a localização. O produtor pode ser orientado para localizações onde aquele atributo exista. Além disso, Dicken e Lloyd (1990) entendem que a importância da distância foi drasticamente reduzida com a revolução dos meios de transporte e de comunicação. Deste modo, fatores de produção não espaciais tiveram sua relevância aumentada na estrutura de custo das empresas de todos os tipos. E, prosseguem, o capital não se encontra disponível em todos os locais e não flui perfeitamente entre os setores e nem no espaço. A sua mobilidade difere de acordo com o tipo de capital envolvido.

Por exemplo, o capital físico, na forma de equipamento ou planta, uma vez estabelecido, é amplamente imóvel. Conforme já mencionado anteriormente, os autores denominam o fenômeno

78 Martin (1999b) considera que a Ciência Regional e a Nova Geografia Econômica são nada mais que a Teoria Convencional com nova roupagem – com maior formalização dos modelos.

de inércia industrial ou geográfica – tendência de a indústria permanecer em operação em um determinado local mesmo quando as razões que a fizeram instalar-se lá não mais existem, devido ao custo de relocalização ou sunk costs. Sendo assim, torna-se uma importante variável geográfica no problema da localização.

Já o capital monetário, segundo os autores, dispõe de muito mais mobilidade. Esta restringe-se mais devido a barreiras institucionais do que à distância ou à dificuldade de se mover no espaço. Continuam, afirmando que dentro de uma mesma nação o capital tem perfeita mobilidade; o problema surge ao se tratar do intercâmbio entre nações diferentes.

Os autores, seguindo inicialmente a linha do pensamento clássico, consideram que a acumulação de capital (oferta de capital) em uma economia depende: dos níveis de poupança; dos níveis de capital externo líquido que entra; e, da disposição do poupador em investir. A demanda por capital, por sua vez, é dada pela comparação entre os lucros esperados dos diferentes sistemas para onde o capital pode fluir. Afirmam que, caso a região provedora da poupança não a absorva totalmente, elas podem exportar crédito para outras áreas. A taxa de juros funciona como o instrumento que orienta a alocação dos recursos excedentes. Dada a perfeita mobilidade do capital, as diferenças regionais naquela variável tendem a desaparecer, até que se atinja o equilíbrio.

Em um segundo momento, Dicken e Lloyd (1990) concluem, em concordância com Estall (1972), que, na verdade podem existir, sim, impedimentos ao livre fluxo de fundos entre as regiões e entre os setores. Eles ressaltam a importância da presença física das instituições financeiras em um determinado local para a realização de operações de empréstimo. Avançam afirmando que, especialmente no caso das pequenas firmas e dos investidores desejosos de investirem em atividades não usuais, a existência de instituições financeiras no local pode ser vital. Pois essas instituições poderiam suprir a necessidade de crédito, que não necessariamente estaria disponível em outra situação. É evidente para os autores que as pequenas empresas muitas vezes conseguem obter financiamento de instituições financeiras devido ao contato pessoal existente entre o dono do negócio e o credor. Saindo-se dessa esfera pessoal, argumentam que

provavelmente o empréstimo necessário ao desenvolvimento dos negócios seria dificultado ou mesmo impossível de ser contraído.

Os autores continuam, argumentando que

There may therefore be a strong “distance decay” effect in the mobility of capital for the small business, with financiers willing to put up funds only so long as they can ‘keep a close eye on them’. The presence of specialist lending institutions may well provide a source of capital to these industries, which is to all intents and purposes fixed in its effective location. (DICKEN e LLOYD, 1990:165) 79

Concluem, então, que o capital, assim como o trabalho, tem sua oferta localizada, significando que seu preço, ou melhor, as taxas de juros variam sim espacialmente. Tal abordagem aproxima- se bastante à desenvolvida pelos novos-keynesianos, que justificam o racionamento do crédito por problemas informacionais80. Neste sentido, a maior proximidade com as instituições financeiras e o início de um relacionamento entre credores e potenciais devedores tende a viabilizar as operações de empréstimo, que antes não seriam possíveis.81

August Lösch (1954) chegou a essa conclusão, ao analisar o comportamento da taxa de juros praticada pelos bancos americanos entre 1915 e 1975, conforme visto no item 3.3 desta tese. Observou que elas cresciam na medida em que aumentava a distância em relação aos mercados de crédito de Nova Iorque. Constatou que a incerteza, o risco e os custos de transação tendiam a ser maiores, quanto maior a distância entre os emprestadores e os tomadores de crédito. A situação decorria do fato de os credores não conseguirem ter perfeito conhecimento das condições à distância.

É possível inferir-se, a partir do trabalho de Dicken e Lloyd (1990), que a distribuição do sistema financeiro no espaço interfere na quantidade de moeda/crédito disponível em uma região, sendo um importante determinante da dinâmica regional. Entretanto, essa conclusão deve ser

79

Pode haver um forte efeito decrescente da distância sobre a mobilidade do capital para pequenos negócios, com os emprestadores dispostos a alocar seus fundos somente se eles puderem acompanhar de perto o empreendimento. A presença de instituições especializadas em empréstimos podem muito bem prover uma fonte de capital para essas empresas, que são fixas em sua localização específica (tradução minha).

80 Ver capítulo 2 desta tese.

relativizada, considerando-se uma perspectiva pós-keynesiana. É importante ressaltar que a simples presença de uma instituição financeira em uma região não garante que haja disponibilização plena de crédito no local. De acordo com a teoria pós-keynesiana, outros fatores contribuem para a disposição do banco em emprestar, como por exemplo, o nível de incerteza presente na região, o seu grau de desenvolvimento etc..

Além disso, para que o desenvolvimento local de atividades estimule a centralidade local, que contribui para reduzir a preferência pela liquidez dos agentes, através de um processo cumulativo,

a la Myrdal (1957), é preciso que ele culmine em diversificação produtiva. Seguindo o raciocínio

de Jacobs, exposto anteriormente no item 3.4, as cidades crescem por meio da diversificação e da diferenciação da sua economia. Tal crescimento é que propicia a constituição de um lugar central.

Dicken e Lloyd (1990), apesar de terem levantado a importância de se considerar o capital como um fator locacional, não desenvolveram um modelo incorporando-o.

O próximo capítulo tem exatemente o intuito de desenvolver esta questão de maneira mais sistemática. Espera-se, assim, poder contribuir para preencher, ao menos em parte, a lacuna existente na teoria da localização, no que se refere ao pouco destaque conferido à moeda e à sua capacidade de afetar a decisão locacional dos agentes.

4 INCORPORANDO A MOEDA NA TEORIA DA LOCALIZAÇÃO

Os trabalhos seminais sobre a Teoria da Localização, apresentados no capítulo três desta tese, fundamentam-se na análise dos fatores reais como determinantes da decisão locacional das empresas, negligenciando as variáveis financeiras e monetárias. Entretanto, existem referências a elas em outras áreas ligadas à economia regional, por exemplo, no que se refere ao crescimento das regiões. É importante trazer estes estudos para a discussão, tendo em vista que eles irão contribuir para moldar o entendimento do papel da moeda na economia.

Este capítulo encontra-se dividido em duas partes. Na primeira, serão apresentadas as principais contribuições nesse sentido. Ou seja, serão expostos diversos estudos, pertencentes às variadas correntes de pensamento econômico, que evidenciam a não neutralidade e a importância da moeda na manutenção e ampliação das desigualdades regionais. Na segunda parte, buscar-se-á incorporar a moeda na teoria da localização, introduzindo-a como um fator interferente na decisão locacional das empresas.