• Nenhum resultado encontrado

Teatro do Oprimido, história e direcionamento social

No documento nathalicorreacristino (páginas 40-43)

O Teatro do Oprimido foi desenvolvido pelo dramaturgo brasileiro Augusto Boal durante seu exílio político entre 1971 e 1986. Diante da realidade de opressão, vivida pelas camadas populares da América Latina, Boal (2009) iniciou um trabalho que visava à transformação real das condições sociais e um questionamento efetivo das relações de poder que permeavam a exclusão de grupos, explorados economicamente. Utilizando o teatro como uma arma eficiente no campo político, o autor elaborou um conjunto de técnicas que visavam valorizar diferentes pensamentos e culturas, estimulando e respeitando a fala daqueles que, devido às forças de opressão social, quase nunca eram escutados.

Creio que o teatro deve trazer felicidade, deve ajudar-nos a conhecermos melhor a nós mesmos e o nosso tempo. O nosso desejo é o de melhor conhecer o mundo que habitamos, para que possamos transformá-lo da melhor maneira. O teatro é uma forma de conhecimento e deve ser também um meio de transformar a sociedade. Pode nos ajudar a construir o futuro, em vez de mansamente esperarmos por ele. (Boal, 2012, p. 11)

Após seu regresso ao Brasil, em 1986, o dramaturgo iniciou um processo sistemático de pesquisa e produção teórica e prática, que teve como ancoradouro a criação do Centro do Teatro do Oprimido, no Rio de Janeiro. Neste Centro, foram formados multiplicadores do método, que o espalharam e desenvolveram por todo país, de forma muito mais ligada ao plano da intervenção social do que ao meio acadêmico. O Teatro do Oprimido vem se expandindo, desde sua criação, principalmente através de ações sociais concretas e continuadas, ocupando espaços coletivos de discussão e atuação política e social.

Boal (1996) considerava o teatro como uma invenção humana capaz de produzir todas as outras descobertas, isto porque, o teatro poderia ser considerado a capacidade do

sujeito em observar a si mesmo, em ver sua própria ação no momento em que a realiza, moldando seus atos e palavras e adquirindo conhecimento acerca de sua capacidade de interação e mudança no mundo. Para o autor, o teatro implicaria em aprender o que já se sabe, inventar o que já se fez, resgatar a capacidade de se perceber enquanto ser humano sensível e ativo frente ao mundo. Em outras palavras, fazer teatro poderia ser entendido como o ato de sentir o mundo, em toda a sua complexidade perceptiva, libertar-se de padrões comportamentais aprendidos e experimentar novas formas de existência, observando-se, por fim, enquanto ser que age e imaginando novas formas de atuação que representem alternativas aos problemas que se interpõem na vida. Dentro desta perspectiva, o Teatro do Oprimido é definido por Boal como:

O Teatro do Oprimido é um sistema de exercícios físicos, jogos estéticos, técnicas de imagem e improvisações especiais, que tem por objetivo resgatar, desenvolver e redimensionar essa vocação humana, tornando a atividade teatral um instrumento eficaz na compreensão e na busca de soluções para problemas sociais e interpessoais. (Boal, 1996, p. 29)

O autor foi adiante ao esclarecimento acerca de sua concepção de teatro quando afirmou a importância de se considerar no espaço dramatúrgico a interação de, no mínimo, dois seres humanos, tomados por um sentimento apaixonado, que se enfrentariam em prol desta paixão. Seria essa paixão uma ideia, um posicionamento, uma ação, enfim, tudo aquilo que impulsiona a ação humana e a potencializa, aquilo que aponta para um conjunto de ideais do sujeito e seus desdobramentos. Sobre efeito desta paixão, os dois sujeitos se enfrentariam num tablado, espaço circunscrito que delimita os atores e espectadores envolvidos na cena, local do desenrolar da ação dramática.

A paixão é necessária: o teatro, como arte, não se preocupa com o trivial e corriqueiro, o sem valor, mas sim com as ações nas quais os personagens investem e arriscam suas vidas e sentimentos, opções morais e políticas: suas paixões! (Boal, 1996, p. 30)

Embora no Teatro do Oprimido seja desenvolvida uma metodologia para estimular a ação teatral é importante salientar que estas intervenções se baseiam na premissa de que todo ser humano é ator, todo sujeito tem guardado em si, a capacidade de criar alguma forma

expressiva de arte. Para que o sujeito expresse essa força criadora bastaria que ele fosse estimulado a romper os endurecimentos impostos ao seu corpo e ampliasse sua forma de perceber o mundo, tornando sua capacidade expressiva mais flexível e potente.

Além disso, na sociedade, cada indivíduo interpretaria os mais variados papéis, de acordo com o interlocutor com o qual dialoga: para o filho, o sujeito seria o pai; para o chefe, o empregado; para a mãe, o filho e assim sucessivamente. Na maior parte das vezes esse sujeito não tem consciência de que ocorrem essas mudanças em sua atuação, tendo a ilusão de ser o mesmo sempre. O Teatro do Oprimido entraria nessa relação estimulando o indivíduo a perceber como ele reage nas mais diversas interações, quais são os papéis que exerce na sociedade, em quais deles se sente mais forte e quais o fragilizam, além de abrir ao debate a possibilidade de mudança tanto individual quanto coletiva, estimulando o fortalecimento de pessoas e setores oprimidos socialmente.

Assim, Boal (2009) enfatizava a existência de espetáculos teatrais no cotidiano de cada sociedade. Esses espetáculos poderiam ser visualizados na utilização de sons, imagens, linguagem corporal, tons de voz, palavras adequadas a cada situação e a cada relação, que permeariam os ambientes onde o ser humano transita sendo subentendidas nos diálogos entre cada personagem social. Por serem cotidianos, esses espetáculos acabariam por dar aos sujeitos a falsa impressão de se tratarem da ordem natural das coisas da vida e, pior, incultariam em suas mentes a ideia de que se tratam de sua própria opinião a respeito desta vida.

Despercebida da população em geral, a “sociedade espetacular” como chamada por Boal (2009) resultaria em fortes meios de manipulação social, sendo canais constantes e ocultos, entranhados nos mais corriqueiros meios de comunicação. A função da arte seria justamente lutar em oposição a essa manipulação, ao revelar as relações de poder escondidas nas atuações cotidianas, sensibilizando a população sobre o papel que ela tem exercido nessas relações e fortalecendo a criação de novas maneiras de utilizar as linguagens e formas expressivas existentes. Este movimento acabaria por desmascarar e fragmentar as opressões sociais através do estímulo à sensibilidade, consciência e potência dos oprimidos que são subjugados a elas.

Somos todos artistas, mas poucos exercem suas capacidades. Há que fazê-lo! Não podemos ser apenas consumidores de obras alheias porque elas nos trazem seus pensamentos, não os nossos; suas formas de compreender o mundo, não a nossa. Seus desejos, não os nossos. Elas podem nos enriquecer; mais ricos seremos

produzindo, nós também, a nossa arte, estabelecendo, assim, o diálogo. (Boal, 2009, p. 119)

O Teatro do Oprimido seria, então, uma ferramenta eficaz na empreitada da revelação de opressões sociais e na criação de novas realidades, porque propõe intervenções que estimulam o desenvolvimento da capacidade sensível dos indivíduos, escutando suas histórias, possibilitaria a divulgação e debate de seus dilemas, oferecendo novas formas de expressão. Tendo em mente que o “teatro é o mundo, e seus atores são a sociedade” (Boal, 2009, p.136), o Teatro do Oprimido propõe que se utilizem como palco todos os lugares: praças, campos, escolas, instituições; os locais onde as pessoas vivem, onde transitam e se encontram, sendo o roteiro das peças criado a partir de questões oriundas das relações dessas pessoas, desses espaços, de nossa sociedade.

A originalidade deste método e deste sistema consiste, principalmente, em três grandes transgressões: 1 – Cai o muro entre palco e plateia: todos podem usar o poder da cena; 2 – Cai o muro entre espetáculo teatral e a vida real: aquele é uma etapa propedêutica desta; 3 – Cai o muro entre artistas e não-artistas: somos todos gente, somos humanos, artistas de todas as artes, todos podemos pensar por meios sensíveis – arte é cultura. (Boal, 2009, p. 185)

Desde a elaboração do método, o Teatro do Oprimido foi desenvolvido para ser uma ferramenta de intervenção social. Todas as técnicas de estimulação perceptiva e desenvolvimento expressivo estão voltadas para esta finalidade. As experiências realizadas nesse teatro são criadas com o objetivo de nunca terem fim, pois se estenderiam ao questionamento do ordenamento social, dando voz a cada um de seus membros. Trata-se de um meio de desenvolver a cidadania em camadas populares, o questionamento político em meios de comunicação cotidianos, a mudança social em direção à democracia e à solidariedade.

2.2 Sobre a perda da sensibilidade, a função de jogos e exercícios e a expressão no

No documento nathalicorreacristino (páginas 40-43)