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2.2 CULTURA E TRADIÇÃO GAÚCHA

2.3.3 Tecidos

Conforme Angus, Baudis e Woodcock (2015, p. 234), “Materiais têxteis revestem o corpo desde os tempos pré-históricos, quando as pessoas aprenderam a produzir agulhas e linhas brutas para ajeitar as peles ao redor do tronco e tratá-las para que não deteriorassem. ” Nos dias de hoje existe uma variedade de fibras e tecidos, desde os de alta performance até os mais requintados e artesanais. Esses materiais têxteis são divididos em duas categorias: os naturais e os sintéticos.

As diferenças entre as fibras naturais e sintéticas (Quadro 1), de acordo com O Grande Livro da Costura (1979):

Quadro 1 - Tipos de fibras

FIBRAS CARACTERÍSTICAS

Natural

Possui irregularidades e sutilezas próprias do que é natural, o que torna o tecido bonito. Conta com alto poder de absorção e porosidade, porém, apresentam pouca elasticidade, tendo tendência a rugas.

Sintética

São obtidas completamente por processos químicos. Se não passados por texturização ou fiação, os filamentos ficam macios e escorregadios. A maioria dessas fibras são termoplásticas, podem ser moldadas em certa temperatura e pressão e, por serem extremamente elásticas, não amarrotam. Alguns tecidos apresentam tendência a desfiar.

Fonte - Adaptado de O Grande Livro da Costura, 1979, p. 56

As fibras naturais são sensíveis a mudanças de temperatura, o que fazem delas uma ótima opção para qualquer estação, de acordo com O Grande Livro da Costura (1979). Elas derivam de quatro fontes principais, sendo elas o algodão, o linho, a seda e a lã (Quadro 2):

Quadro 2 - Fibras naturais

FIBRAS CARACTERÍSTICAS

Algodão

Resistente, absorvente, bom condutor de calor, fácil tingimento, amarrota-se com facilidade, se não tratado devidamente pode encolher, perde resistência sob a luz solar.

Linho

Resistente, absorvente, bom condutor de calor, difícil tingimento, se não tratado pode amarrotar, possui tendência a encolher e esticar.

Seda

Resistente, absorvente, má condutora de calor, fácil tingimento (pode manchar), não amarrota perde resistência sob a luz solar e transpiração.

Pouco resistente, absorvente, má condutora de calor, fácil tingimento, amarrota pouco, se não tratada pode encolher.

Fonte - Adaptado de O Grande Livro da Costura, 1979, p. 56

Enquanto alguns exemplos de fibras sintéticas são: acrílicas, poliamidas, poliésteres, modacrílicas, blastômeros, acetatos, viscose e tricetatos (Quadro 3), com as seguintes características citadas em O Grande Livro da Costura (1979):

Quadro 3 - Fibras sintéticas

FIBRAS CARACTERÍSTICAS

Acrílicas

Resistentes, pouco absorventes, más condutora de calor, fácil tingimento, não amarrotam, resistentes à luz solar, acumulam eletricidade estática, tendência a bolinhas e sensíveis ao calor.

Poliamidas

Resistentes, pouco absorventes, más condutora de calor, não amarrotam nem esticam ou encolhem, acumulam eletricidade estática, tendência a bolinhas e sensíveis ao calor.

Poliésteres

Resistentes, pouco absorventes, maus condutores de calor, não amarrotam nem esticam ou encolhem, facilidade de vincar pregas com calor, acumulam eletricidade estática, tendência à bolinhas e sensíveis ao calor. Blastômeros Resistentes e elásticos, não absorventes, leves, amarelam sob luz solar.

Acetatos

Um tanto frágeis, absorção média, maus condutores de calor, fácil tingimento (podem perder a cor), amarrotam, não esticam ou encolhem, acumulam eletricidade estática.

Viscose Um tanto frágeis, absorventes, maus condutores de calor, fácil tingimento, se não tratados amarrotam, esticam ou encolhem.

Tricetatos Um tanto frágeis, fácil tingimento, não amarrotam ou encolhem, facilidade de vincar pregas com calor.

Fonte - Adaptado de O Grande Livro da Costura, 1979, p. 57

Dentre todos os tipos de tecido, realizar a escolha certa de acordo com o modelo desenhado é um fator fundamental, pois “A modelagem passa por algumas alterações de acordo com o produto que será confeccionado. ” (NOBREGA, 2014, p. 31). Selecionar o tecido adequado é que o vai garantir as formas e o conforto que a roupa necessita, visto que cada fibra possui um tipo de acabamento que influencia diretamente na modelagem das peças. Outro fator importante é considerar os acabamentos que deseja adicionar às roupas, no caso de um bordado, conforme Kendrick (2017), a escolha correta de um tecido ajudará a economizar esforço e a alcançar o resultado esperado de acordo com a finalidade da peça. Nesse caso, tratando-se de vestuário, o tecido para um bordado deve ser resistente pois o mesmo deverá passar por diversas lavagens.

2. 3. 4 Bordado

Feitas de ossos de animais, as primeiras agulhas foram vistas na Europa e datam da era paleolítica, há cerca de 15 mil anos atrás, conforme afirma Kendrick (2017). Bem como as agulhas, as linhas eram fortes e também possuíam origem animal, vindas de seu pelo, intestino e couro ou, ainda, eram retiradas de plantas fibrosas. A partir desses elementos, se deu início a costura de roupas, bolsas e abrigos, fazendo uso de couro e peles.

Com o passar do tempo, o bordado passou a ser incluso na costura funcional, servindo como uma técnica para concerto e reforço em tecidos macios. De acordo com Kendrick (2017, p.6) os “padrões de pontos decorativos foram descobertos entre os restos de comunidades que viveram na Europa há aproximadamente 11 000 anos, durante a Idade do Ferro.”. Dessa forma, além das funções básicas de seus primórdios, o bordado passou a ser visto e utilizado como arte decorativa, sendo que os trabalhos mais luxuosos eram símbolo de grande riqueza e status.

Um artefato histórico que mantém a herança do bordado é a Tapeçaria Bayoux que, segundo Costa [2009], possui cerca de 69 m de comprimento e 50 cm de largura, contando com 58 cenas que relatam a conquista normanda da Inglaterra, no ano de 1066. Conforme Kendrick (2017), a peça foi bordada com uma técnica chamada crewel, para a comemoração da vitória de Guilherme, o Conquistador, em Hastings. Algumas cenas da tapeçaria podem ser vistas nas Figura 11 e Figura 12:

Figura 11 – Tapeçaria de Bayeux

Fonte: Ricardo Costa9

Figura 12 - Tapeçaria de Bayeux

Fonte: Ricardo Costa10

Para Edward (2012), o bordado trata-se de um processo de decoração que torna viável a criação de diversos tipos de desenhos. Seivewright (2015) complementa afirmando que o bordado é uma que técnica consiste em costurar linhas sobre a superfície de um tecido com o objetivo de criar estampas e texturas. Para realizar esse trabalho, utiliza-se uma gama de diferentes tipos de linhas e pontos, sendo que é possível desenvolver tanto os desenhos mais simples quanto os mais detalhados e trabalhosos.

Segundo Braga e Prado (2011), antigamente, era essencial que toda mulher possuísse conhecimentos das técnicas de costura e bordado. Esses ensinamentos eram passados dentro do ambiente familiar como uma forma de recreação em grupos de costura. As meninas mais jovens iniciavam seu aprendizado fazendo exercícios em tecidos de amostra. Conforme Braga e Prado (2011, p. 79):

Moças de classes mais altas deveriam ter a costura e o bordado como uma prenda, para não ficarem ociosas; as mais delicadas buscavam alcançar a sofisticação e o requinte, exibindo seus trabalhos como prova de talento e competência. Já as moças de classes mais baixas aprendiam as tarefas para tê-las como meio de complementar a renda da família, um trabalho que podiam conciliar com as demais atividades do lar.

Ainda de acordo com Braga e Prado (2011), o bordado, além de ter papel ornamental na peça, servia para distinguir os trajes com monogramas das iniciais dos nomes próprios ou palavras e símbolos referentes à atividade profissional. Nesse sentido, para Angus, Baudis e Woodcock (2015) a ornamentação faz parte da história do vestuário e é usada para personalizar as roupas, transformando-as em peças que transmitem significados de uma maneira criativa. Segundo Angus, Baudis e Woodcock (2015, p. 224), o bordado:

Como ornamentação, atingiu o auge no século XVIII. Os hábeis bordadores das manufaturas de seda de Lyon não encontravam rivais na criação de desenhos belos e inovadores, muitos dos quais usavam materiais caros, como fios de ouro e prata, paetês espelhados, contas de massa colorida e até pedras preciosas.

O bordado possui uma enorme variedade de pontos, sendo classificados em bordado livre (ou de superfície) e sobre fios contados. O primeiro trata-se de pontos sobre desenhos (riscos), que são transferidos do papel para o tecido, enquanto o segundo é trabalhado pela contagem de fios do tecido, fazendo com que cada ponto siga um número exato de fios, dispensando a necessidade do risco. Sobre o bordado livre, Edwards contribui (2012, p. 18):

O trabalho livre é um estilo de bordado em que não se contam os fios, mas se preenchem riscos marcados no tecido. Como o bordado possibilita a criação de formas curvilíneas, é muito útil para decorações detalhadas e em pequena escala, o que pode resultar em padrões de requintada delicadeza.

Kendrick (2017) diz que através do bordado livre é possível criar padrões complexos, utilizando a linha como um instrumento de pintura para os contornos do risco. Alguns tipos de bordado mais conhecidos que podem ser considerados como livre são o stumpwork e crewel. Já os mais conhecidos de fios contados abrangem o blackwork, o hardanger e o bordado em tela.

O stumpwork refere-se a um bordado em relevo que, segundo Kendrick (2017, p.38) foi “[...] destaque do período elisabetano na Inglaterra (1558-1603), com o acréscimo de formas acolchoadas e aplicação de motivos para construir figuras elaboradas.” Durante esse período, bordados com motivos bíblicos ou mitológicos eram aplicados a molduras e utilizados como parte de decoração de ambientes. Além disso, também se utilizavam dessa técnica para adornar trajes dos toureiros espanhóis (Figura 13), trazendo uma enorme riqueza de detalhes para as peças.

Figura 13 – Traje dos toureiros espanhóis

Fonte: KENDRICK, (2017, p. 39)

Já o bordado em lã crewel é uma técnica que utiliza fios coloridos de lã de duas torções, normalmente aplicada sobre linho cru ou algodão firme (Figura 14). Kendrick (2017)

contribui afirmando que durante o século XVII e XVIII houve uma união dos padrões adquiridos em 1600, com formas de gavinha, combinando com formas florais, trazendo o que hoje é chamado de Bordado Jacobino. O crewel ainda é usado para preencher grandes áreas.

Figura 14 – Detalhe de dossel em crewel Tree of Life

Fonte: KENDRICK, (2017, p. 84)

O blackwork, como o nome sugere, traz como característica principal a utilização de linhas pretas sobre tecidos brancos ou naturais (Figura 15). Ainda, pode ser encontrado em cores como verde, marrom azul, ou vermelho, trazendo como temas frequentes: flores, frutas e folhas que, se utilizam de padrões pictóricos ou geométricos. Sobre sua história, Kendrick (2017, p.50) declara que “Retratos do Rei Henrique VIII e sua família mostram estas mangas de intricados padrões em preto sobre tecido branco. Por causa disso, o ponto típico do

blackwork, o ponto linear, ficou conhecido com Ponto de Holbein.”.

Figura 15 - Exemplos de aplicação de blackwork

Também chamado de bordado persa, o hardanger é uma forma de bordado com linhas brancas em tecidos brancos, de algodão (Figura 16). Conforme Angus, Baudis e Woodcock (2015) originou-se na Noruega e era, normalmente, usadado na decoração de mantos, aventais e de roupas de cama e mesa. Kendrick (2017) colobora declarando que os padrões mais encontrados são os geométricos.

Figura 16 - Toalhinha de mesa em hardanger

Fonte: KENDRICK, (2017, p. 115)

Ainda, na categoria de fios contados, encontra-se o bordado em tela que, conforme Kendrick (2017), “[...] é qualquer tipo de decoração feita com agulhas em talagarça.” (Figura 17). Durante a Idade Média essa técnica era empregue, principalmente, na criação de móveis, bolsas, capas de livro, toalhas e panos, porém com o passar dos anos limitou-se a objetos pequenos. Um fato que deve ser ressaltado é que no século XX, os soldados da Primeira Guerra Mundial faziam do bordado em tela, uma terapia (KENDRICK, 2017).

Figura 17 - Bordado em tela

Conforme Angus, Baudis e Woodcock (2015), ainda existe a técnica de bordado de contas com bastidor, um método trabalhoso. Acredita-se que esse tipo de bordado tenha ido da China para a França em 1720. Nesse procedimento, o tecido deve ficar esticado em um bastidor e um gancho, parecido com agulha de crochê, é utilizado para criar um caminho de ponto corrente que fixa as contas. Enquanto o gancho fica sobre o bastidor, as contas encontram-se na parte de baixo do tecido

Contudo, salienta-se que para cada categoria de bordado existem pontos específicos. Alguns são usados apenas para o bordado livre, outros para o de fios contados e, alguns podem ser utilizados em ambos. Sendo assim, os principais pontos do bordado livre estão incluídos nas famílias que Angus, Baudis e Woodcock (2015) definem como: os chatos, de laçadas e os de nó (Quadro 4), conforme citados abaixo:

Quadro 4 - Famílias de pontos de bordado

PONTOS CARACTERÍSTICAS

Chatos Fios de linhas individuais que se assentam de maneira lisa sobre a superfície do tecido.

Laçadas Incorporam laços, como o ponto corrente ou caseado.

São torcidos e ficam dispostos como contas na superfície do material.

Fonte: Adaptado de Angus, Baudis e Woodcock, 2015, p. 224

O bordado está presente no vestuário há muito tempo, seja para identificar nomes e profissões em trajes, como forma ornamental, decorativa ou para realizar concertos. O que se pode perceber é que através dessa técnica minuciosa e delicada, se agrega valor ao vestuário, pois por meio do bordado, que viabiliza a criação de diversos desenhos, é possível relatar histórias, trazer influências de elementos culturais e, criar uma peça cheia de significados, que pode refletir a personalidade de quem a usa.

3 RESULTADOS

Baseando-se na fundamentação teórica apresentada no Capítulo 2, elaborou-se o projeto de uma coleção de vestuário feminino que busca valorizar a cultura do Rio Grande do Sul, trazendo peças inspiradas nos trajes gaúchos com bordados que ilustram algumas das lendas do estado. Para isso, se fez necessário adotar uma metodologia projetual que guiasse o trabalho, organizando e facilitando os processos do seu desenvolvimento.

Tendo em vista que a área da moda não conta com uma metodologia específica, realizou-se uma adaptação dos métodos propostos por Munari (1998), que afirma que o objetivo dessa metodologia é alcançar o melhor resultado com o mínimo de esforço. Assim, para complementar, buscou-se outras etapas e selecionou-se um dos métodos sugeridos por Seivewrigth (2015).

Dessa forma, com o problema já definido, selecionou-se etapas de Munari (1998), que se iniciam com a coleta de dados referentes aos assuntos abordados. De acordo com Munari (1998), essa coleta é realizada para obter o máximo de informações possíveis que possam ajudar a estudar o problema de forma mais minuciosa. Seguindo isso, é feita uma análise dos dados recolhidos. Nessa etapa do projeto, analisa-se mais profundamente os dados sobre indumentária gaúcha já trazidos no Capítulo 2 e, também, se busca por trajes gaúchos atuais. Ainda, buscou-se analisar as lendas escolhidas e mais elementos para compor o bordado.

Sendo assim, a próxima etapa abrangeu o processo criativo que, conforme Munari (1998), é quando se considera todas as informações obtidas e avaliadas, mantendo-se dentro do tema. É nessa etapa que se realiza os esboços de croquis e bordados. Assim, a próxima fase é pesquisar os materiais e tecnologias que estão disponíveis e são necessários para desenvolver a coleção, como tecidos, aviamentos e processos de costura e bordado.

Posteriormente, se passa para a experimentação, trazida por Munari (1998) como uma etapa em que são realizados os testes com os materiais e as técnicas pesquisadas, podendo descobrir novas aplicações para os mesmos. Com isso, a próxima etapa é chamada de modelo e, é através dela que se relacionam todas as etapas anteriores, colocando em prática as soluções para o problema estabelecido. Assim, é na fase de modelo que se desenvolvem as fichas técnicas das peças, focando no look que será confeccionado.

Com todas as etapas do projeto finalizadas, parte-se para a verificação que, de acordo com Munari (1998) é onde se controla a validade do projeto. Assim, verifica-se a coleção no que se refere a modelagem e acabamentos e, a fidelidade aos croquis, realizando possíveis

combinações para as peças através de fotos. Sendo assim, o próximo item traz a coleta e análise de dados juntos, para dar início aos processos acima mencionados.

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