• Nenhum resultado encontrado

Tecnologia Reprodutiva como Direito Humano Fundamental

2. REVISAO DA LITERATURA

2.2 Reprodução Humana Assistida e Direito de Acesso à Saúde

2.2.3 Tecnologia Reprodutiva como Direito Humano Fundamental

O direito a um acesso igualitário às técnicas de RHA encaixa-se também nas questões referentes aos direitos sexuais e reprodutivos, que guardam com os movimentos sociais um vínculo estreito (BUGLIONE, 2001, p. 6, 8), em especial o movimento feminista.

As feministas e a igreja são atores incansáveis nas discussões sobre o Planejamento Familiar, colocando-se, na maioria das vezes como antagonistas e, ao mesmo tempo, fazendo com que as políticas governamentais sejam mais explícitas (COELHO, E., 2000, p. 54).

Este movimento faz parte da articulação que historicamente reivindica e garante (em 1983) a promoção junto ao Estado brasileiro de uma política de planejamento familiar embutida no que se chamou PAISM – Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher. A partir destas reivindicações é trazida à tona a necessidade de percepção da mulher não somente como tendo a reprodução por objetivo de vida, mas sim tornando esta capacidade um exercício de cidadania (BUGLIONE, 2001, p. 10). O PAISM, entretanto, não é implantado efetivamente, não sai de fato do papel, salvo experimentos isolados bem sucedidos (COELHO, E., 2000, p. 55).

O Estado, assim, altera suas nomenclaturas, de “controle de natalidade” para “planejamento familiar”, o que reforça esta desvinculação da reprodução com a figura da mulher, enquanto disposição inata. As demandas feministas têm um longo alcance dentro da estrutura social, alterando assim o papel da mulher na sociedade e a visão da família dentro dos dispostos oficiais sobre direitos civis, em especial do direito à saúde. Estas demandas são reiteradas com as alterações presentes na Constituição de 1988 e também na Convenção do

Cairo5 em 1994, onde é construída a linguagem dos direitos sexuais e reprodutivos, apartada de condicionamentos religiosos.

Pode-se afirmar que os direitos reprodutivos correspondem ao conjunto dos direitos básicos relacionados ao livre exercício da sexualidade e da reprodução humana, circulando no universo dos direitos civis e políticos, quando se referem a liberdade, autonomia, integridade etc, e aos direitos econômicos, sociais e culturais quando se referem às políticas do Estado. Esse conceito compreende o acesso a um serviço de saúde que assegure informação, educação e meios, tanto para o controle da natalidade, quanto para a procriação sem riscos para a saúde. A partir desta percepção incorpora-se ao princípio de que, na vida reprodutiva, existem direitos a serem respeitados, mantidos ou ampliados. Isso implica em obrigações positivas para promover o acesso à informação e aos meios necessários para viabilizar as escolhas. O conceito de direitos reprodutivos não é meramente explicativo, eis que imputa responsabilidades, ações diretas ao Estado. Já no caso dos direitos sexuais, pode-se falar, ainda, em obrigações negativas, significa que o Estado, além de ter que coibir práticas discriminatórias que restrinjam o exercício do direito à livre orientação sexual (tanto no âmbito estatal quando das relações sociais), não deve regular a sexualidade, bem como as práticas sexuais (BUGLIONE, 2001, p.12-13).

Seguindo este raciocínio, a Lei 9.263/96, que trata especificamente sobre o planejamento familiar, entende-o como um “conjunto de ações de regulação de fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal” (Cap. I, art. 2º), orientando-se, assim, para a garantia do acesso igualitário às técnicas disponíveis.

A vinculação necessária entre saúde reprodutiva e direito reprodutivo, entretanto, ainda não é algo presente nos dispositivos legais, ao menos não de forma clara, tendo-se em vista que o conteúdo dos documentos presentes até o momento permite diferentes interpretações e significados. A dificuldade em estabelecer esta nova compreensão talvez se deva à complexa conjugação das necessidades que compõem o universo dos direitos reprodutivos, qual seja a de conciliar direitos sociais (coletivos) com o campo da saúde, e esta conciliação ser ainda conjugada com a conciliação de direitos individuais e o campo da autonomia dos indivíduos (BUGLIONE, 2001, p.16).

Ainda, percebendo os direitos reprodutivos como direitos humanos fundamentais – e dentre estes direitos, o próprio planejamento familiar, assim declarado e reconhecido pela ONU – Organização das Nações Unidas, desde 1968 (COELHO, E., 2000, p. 56), tendo sido

transformado em Lei no Brasil somente em 1996, o que ressalta a dificuldade na articulação entre saúde e direito acima descrita – os colocamos como inerentes à condição humana, e protegemos a dignidade humana das ações do Estado e de indivíduos:

O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito à sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana pode ser definido como

direitos humanos fundamentais (MORAES, A., 2003).

Estes sendo respeitados podem enfim constituir um Estado de Direito Democrático. Assim, consoante com Débora Diniz (2003, p. 14), ponderamos aqui que talvez “a maneira mais razoável e não discriminatória de fundamentar a elegibilidade às técnicas reprodutivas seria deslocá-las do campo da saúde e aproximá-las do campo dos direitos fundamentais, em especial do direito ao planejamento familiar”.

O princípio da paternidade responsável foi eleito, ao lado do princípio da dignidade humana, como fundamento do direito ao planejamento familiar, submetido à livre decisão do casal. Trata-se de norma inovadora entre nós, que assegura a denominada ‘autonomia reprodutiva’, a qual tem sido objeto de profundos debates no âmbito internacional.

Essa autonomia, compreendida na categoria dos direitos humanos, pode ser entendida como ‘o direito à escolha reprodutiva’, ou seja, a liberdade de decidir ‘se’ e ‘quando’ reproduzir, ensejando aí também incluir o ‘como’ reproduzir-se, relacionado ao emprego das técnicas de reprodução assistida (LOYOLA, 2005, p. 149)