• Nenhum resultado encontrado

Tecnologia social são técnicas e metodologias transformadoras, desenvolvidas na interação com a população, que representam soluções para a inclusão social.

(Rede de Tecnologia Social, 2004).

Introdução

Tendo realizado o percurso pelas críticas de alguns pensadores da Escola de Frankfurt e de Heidegger à Tecnologia Convencional (TC) e apresentado a Tecnologia Apropriada (TA) como práticas transformadoras na Índia e em outras regiões periféricas, deveremos transitar agora pela Tecnologia Social – a alternativa brasileira inspirada nas concepções da TA. Nesse novo desvio, além de apresentar o desenvolvimento, as características e o marco conceitual da TS, buscaremos evidenciar que essas formas de produção de conhecimento nascidas no Sul (SANTOS; MENESES, 2010) referem-se a um modelo alternativo de desenvolvimento que, por sua natureza e característica diferencial da TC, adequa-se à realidade de cada região e ao contexto sociocultural dos grupos humanos envolvidos. Não por acaso, Dagnino e seus colaboradores (2004, p. 21-22) identificaram 32 termos que denominavam modelos alternativos de tecnologia, surgidos em diversas partes do mundo, após o advento da TA.

Incomodados pelas transformações político-econômicas ocorridas nas últimas décadas do século XX; inspirados pelos ideais da TA e pelas contribuições da Sociologia e da Filosofia da Tecnologia como uma abordagem inovadora desta área; e, impulsionados pela ascensão da esquerda na política no Brasil, grupos de vários setores sociais uniram forças para consolidar um modelo de desenvolvimento social sustentável, nomeado de Tecnologia Social (TS).

O modelo se revela por dois traços principais: o primeiro, marcado pelas práticas transformadoras fomentadas (tecnologias sociais aplicadas em grande escala) por uma rede de atores oriundos de diversas áreas governamentais (poder executivo, estatais e autarquias), de setores da academia, em especial, o Fórum de pró-reitores de Extensão das Instituições Públicas de Educação Superior Brasileiras (FORPROEX), de organizações não-governamentais e até mesmo entidades do setor privado65, buscava aproximar as aspirações progressistas da política

65 - Na introdução ao livro Tecnologia Social, Autogestão e Economia Solidária, Ana Paula de Moura e Pedro Bocayuva (2009, p. 11) trazem as seguintes informações sobre a composição da RTS: “A Rede de Tecnologia Social abrange cerca de 600 instituições, distribuídas em vários estados do país, e que atuam segundo o marco teórico-conceitual da Tecnologia Social – compreendido como o desenvolvimento de produtos, técnicas e metodologias reaplicáveis a partir de diferentes formas de interação com as comunidades e que apresentem soluções para a diminuição das desigualdades sociais.”

emergente, figurada no presidente Luiz Inácio Lula da Silva, das demandas apontadas pelas comunidades menos favorecidas, representantes da exclusão social; o segundo traço se constitui pelo processo de construção de uma plataforma cognitiva, para consolidá-lo como um modelo alternativo à plataforma de lançamento dos projetos Capitalistas – a Tecnologia Convencional.

A opção por essa separação metodológica tem duas justificativas: por um lado, entre o período de criação da Rede e a atual conjuntura político-econômica brasileira, muitas mudanças ocorreram no campo da TS, afetando a estrutura, o sentido da Rede e a sua própria condição existencial, devido à necessidade de suporte tecno-econômico do poder público; por outro lado, como a esta pesquisa interessa a produção e a difusão do conhecimento em todas as suas dimensões, a compreensão da trajetória dos acadêmicos da RTS, no exercício de produção de uma plataforma cognitiva para a TS revela-se como um elemento fundamental para a produção da segunda cartografia intencionada pela pesquisa. Todavia, apesar dessa separação, esses direcionamentos se encontram estreitamente ligados, seja pelo envolvimento dos atores ou pela finalidade que os move. Para melhor descrevê-los, eles serão desenvolvidos em dois itens – a Rede de Tecnologia Social do Brasil (RTS) e a Adequação Sociotécnica (AST) e articulados pela teoria Ator-rede (T-Ar) e outras abordagens da Sociologia e da Filosofia da Tecnologia.

A Rede de Tecnologia Social (RTS)

Os debates sobre modelos alternativos de tecnologia mais adequados à realidade dos países periféricos já haviam se instalado em alguns espaços acadêmicos brasileiros e suas práticas eram encontradas em diferentes regiões, quando, incentivados pela realidade política implantada no país, pesquisadores, em interlocução com setores sociais e autarquias federais do setor produtivo, financeiro e acadêmico, criaram a Rede de Tecnologia Social (RTS)66. Com isso, nasce uma experiência brasileira que se diferencia daquelas adotadas em outros países mais pelos aspectos teóricos e pela conjuntura político-econômica nacional, que por seus

66 - “A RTS nasceu em abril de 2004 com o propósito de promover o desenvolvimento sustentável mediante a difusão e reaplicação em escala de tecnologias sociais. A estruturação e a implementação da RTS, além da FBB, envolveram diversas entidades, tais como: Petrobras, Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), Caixa Econômica Federal, Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), Associação Brasileira de ONG (Abong), Instituto Ethos e o Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras. Trata-se de uma rede de adesão voluntária que tem entre seus objetivos reunir e organizar um conjunto de instituições com o propósito de promover o desenvolvimento sustentável mediante a difusão e a reaplicação em escala de tecnologias sociais, bem como estimular a adoção dessas tecnologias como práticas política; e sua apropriação pelas comunidades-alvo. (Cf. FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL, 2004). A RTS foi desativada em 2011. Sobre sua emergência e a relação com a TA, cf. o artigo “A emergência da Tecnologia Social: revisitando o movimento da tecnologia apropriada como estratégia de desenvolvimento sustentável”, de Ivete Rodrigues e J.Carlos Barbieri (2008).

objetivos originais. Contudo, a análise desse coletivo como uma entidade sui generis, mantida pelo conjunto de organismos vivos e não-humanos (LATOUR, 2013) irá trazer luz para a compreensão de modelos alternativos à Tecnologia Convencional e da instrínseca dependência que o fenômeno nascido de uma ação em rede possui com os micros organismos viventes e não-humanos – os atores que compõem a rede. Partindo dessa perspectiva, buscaremos apresentar,

grosso modo, o grupo de atores e seu papel exercido na construção da rede, para desvelar sua

ação como componente desse conjunto sistêmico – a RTS (cf. LATOUR, 2013, p. 204-206). Vinculada ao movimento Pensamento Latino Americano em Ciência, Tecnologia e Sociedade (PLACTS)67, a RTS visa atender às demandas diagnosticadas e à criação de uma política de Ciência e Tecnologia específica para a realidade brasileira. Seus esforços visam realizar uma elaboração teórica e prática sobre experiências e iniciativas em áreas como “[...] economia solidária, microcrédito, desenvolvimento local, redes horizontais de solidariedade, cooperativas de produção e consumo, habitação, saúde, educação etc.” (BAVA, 2004, p. 106).

Longe de significar o marco zero da produção de tecnologia alternativa no Brasil, a Rede representa mais a tentativa de mapear, catalogar e estruturar, por meio da administração pública, da iniciativa governamental e do envolvimento de outros setores sociais, práticas, artefatos e procedimentos oriundos de grupos populares e de iniciativas que envolvem as comunidades de prática e acadêmica, para reaplicá-las e consolidá-las, transformando-as no elemento central de uma coletividade (a rede) e de um movimento (a TS).

Mesmo com o foco mais voltado para os Empreendimentos Solidários e a formalização da economia popular no setor agrário, nas atividades econômicas das regiões periféricas dos grandes centros urbanos ou das produções de artesãs e artesãos informais68, podem-se detectar características de implantações de TS fomentadas pela Rede em outras áreas supracitadas.

67 - De acordo com Dagnino (2010, p. 22-24), o PLACTS nasceu na década de 1960, como um movimento gerado por cientistas argentinos, que lutavam pela criação de um projeto nacional de C&T, atendendo às demandas da comunidade acadêmico-científica local. Esse movimento estendeu-se para outras regiões da AL, inclusive o Brasil. A seguinte citação resume parte de suas explanações sobre a origem desse movimento: “Foi no interior dessa posição que professores argentinos das ciências duras, que queriam fazer pesquisa e não encontravam as condições para tanto, que nasceu o PLACTS. Seu argumento central nesse debate era de que o justo apoio que demandava a comunidade de pesquisa supunha um "Projeto Nacional" que radicalizasse o componente democrático-popular do nacional-desenvolvimentismo e contivesse, por isto, um desafio científico-tecnológico original. Do contrário, uma vez que a condição periférica, com sua inerente dependência cultural implicava uma pauta de consumo imitativa, que conformava uma estrutura industrial em que a importação de tecnologia era a regra imposta pela racionalidade econômico-empresarial, a escassa demanda local por conhecimento científico e tecnológico era uma consequência lógica e inarredável (HERRERA, 1983)”.

68 - Na visão de alguns membros da RTS, a Economia Solidária, em especial como Empreendimentos Solidários, deveria representar o motor da TS no Brasil. Eis como essa ideia aparece na introdução ao livro Tecnologia Social

– ferramenta para construir outra sociedade: “Esse tipo de empreendimento por suas características de

participação dos envolvidos e busca da autogestão, são potencialmente mais do que ‘demandantes’ de TS e podem atuar na produção material e geração de tecnologias sociais. Os ESs também se configuram com um parceiro ideal para geração de TS porque promovem concretamente um questionamento estrutural à forma de produzir

Em relação ao contexto político instalado no período da criação da RTS, vivia-se a euforia da assunção de um governo com uma pauta bastante progressista, marcada pelo desejo de inclusão da parcela da população historicamente excluída; sem nenhum acesso aos direitos que lhe asseguravam os atributos jurídicos sobre cidadania. Este novo cenário político-econômico e a rede de atores envolvidos no movimento nascente indicavam a necessidade de algumas iniciativas voltadas para a inclusão social, tais como: i. adotar a Tecnologia Social como uma estratégia de desenvolvimento socioeconômico; ii. situá-la no campo epistemológico da interrelação ciência, tecnologia e sociedade (CTS); e iii. ampliar o acesso dos setores excluídos, com processos, métodos e técnicas mais apropriadas à sua realidade.

De acordo com relatos de mebros da RTS, havia uma convicção de que outra realidade se instalava na sociedade brasileira e a que a tecnologia, utilizada com métodos menos convencionais, distanciada dos princípios capitalistas e revelando-se em forma de ferramentas e metodologias de empreendimentos sociais, seria o meio para efetivá-la. Nesse contexto foram retomados programas e projetos voltados para a irrigação (Molhar a Terra), para a redução do analfabetismo de jovens e adultos (projeto Mova Brasil, inspirado no Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos, criado por Paulo Freire), o acesso à água no Semiárido (Programa um milhão de cisternas – P1MC69), o fomento ao Cooperativismo Popular e à Economia Solidária, entre outros, visando promover o desenvolvimento local sustentável, a melhoria das condições de vida da população e a superação da miséria (cf. Fundação Banco do Brasil, 2004, p. 11-12). A fala de Luiz Gushiken, então ministro chefe da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica da Presidência da República, resume o papel da TS nesse contexto – ser a intermediária essencial para a dinâmica dessa Rede (CALLON, 2008) e a efetivação de seus objetivos. Outras falas também expressam esse otimismo, ao afirmar que: “[...] as tecnologias sociais alcançaram um grau de maturidade capaz de projetar uma nova fase, na qual o impacto em políticas socais específicas alcance uma escala nunca antes imaginada. Demonstra, também, que o patamar de articulação entre os agentes interessados neste debate já

capitalista. Os ESs, se apoiados na TS, poderão ensejar uma revitalização das formas associativas e autogestionárias que a classe trabalhadora historicamente tem privilegiado para organizar a produção material e resistir contra o avanço do capital. Talvez devam, por isso, ser considerados a ‘ponta de lança’ do movimento social brasileiro” (DAGNINO, 2009, p. 12).

69 - Esta tecnologia social foi inventada por um pedreiro nordestino, que trabalhava no Sudeste, na construção de piscinas e resolveu adaptar seu conhecimento para solucionar o problema da água na residência da família, construindo um mecanismo de captação e armazenamento de água de chuva. Após algumas adaptações e uma produção em escala, ela foi finalista do Prêmio Fundação Banco do Brasil, em 2001. (cf. LASSANCE JÚNIOR; PEDREIRA, 2004, p. 66; PENA; MELLO, 2004, p. 85). Sobre o programa P1MC e seu impacto no Semiárido baiano, cf. a tese Sistema de Captação e armazenamento de água de chuva para abastecimento humano do P1MC: discutindo a efetividade enquanto tecnologia Social no Semiárido baiano, de Lidiane Mendes Kruschewsky Lordelo, UFBA, 2018.

é suficiente para, inclusive, acionar uma Rede de Tecnologia Social”. (FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL, 2004, p. 13).

Essa série de condições reunidas deu ao movimento da TS um caráter diferenciador e possibilitou que práticas eficazes, até então realizadas em pequena escala e em ambientes restritos, fossem articuladas e se expandissem em forma de programa de governo e de projetos acadêmico-científicos, em parceria com comunidades populares, invadindo ambientes rurais de todas as regiões do país e periferias urbanas. Neste último caso, o exemplo mais ilustrativo é a inserção da TS nas associações de material reaproveitável, dando um novo significado para a reciclagem de lixo e para a ação do coletivo humano envolvido.

Todavia, mesmo com a extensão da rede e com o envolvimento da Instituição mais impenetrável e, ao mesmo tempo, a mais essencial para a ampliação das práticas de TS em larga escala – O Estado e suas instâncias governamentais – o modelo alternativo brasileiro experimentou o peso da burocracia administrativa, devido ao seu caráter pouco formal de produção e de procedimentos processuais. Ao analisar tal experiência com a burocracia da administração pública, Juçara Pedreira e Antônio Lassance Júnior (2004, p. 72-74) afirmam o seguinte:

TSs dificilmente são implementadas se não cumprem o circuito da viabilidade burocrática. Precisam ter portas de entrada e de saída no campo da administração. A administração pública exige uma série de requisitos legais e processos normativos que nem sempre acolhem as pessoas e organizações que estão à frente dessas tecnologias. Nem todas têm personalidade jurídica, capacidade para formular projetos, definir orçamentos e deixar pessoas disponíveis para acompanhar todos os membros burocráticos, sem o que os processos correm o sério risco de ficarem parados. Essa dificuldade em lidar com a burocracia abriu espaço para outro coletivo imprescindível ao movimento de TS – a comunidade acadêmica. Com aparatos técnicos legais e com assessorias ofertadas por meio de espaços de acolhimentos de empreendimentos solidários, por exemplo, as Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs), a Comunidade Acadêmica viabilizou muitos projetos que atendiam aos programas governamentais, além de explicitar saberes populares incorporados em práticas e artefatos. Pedreira e Lassane Júnior (2004) ressaltam que um dos papéis dessa comunidade é legitimar processos de representação de conhecimento.

Além dessas ações, alguns acadêmicos, diretamente envolvidos como atores imediatos da Rede, assumiram a tarefa de estabelecer um marco analítico-conceitual para que o movimento da TS se transformasse em uma plataforma cognitiva, a qual deve ser explicitada no segundo item deste capítulo. Antes, deveremos tratar de outra parcela da Rede que exerce o

duplo papel de produzir e sustentar práticas tecnológicas, legitimando-as como práticas socialmente referenciadas, do ponto de vista da Análise Cognitiva (BURNHAM, 2012) ou agindo como o grupo tático, sob o ponto de vista da Teoria Crítica da Tecnologia (FEENBERG, 1999, 2002, 2010). Esta parcela é representada pelos grupos populares.

Indivíduos da comunidade acadêmico-científica, atuando como articuladores da Rede, tinham consciência da grande potencialidade desse modelo alternativo, pois ele deveria agir na extensa lacuna criada pela histórica exclusão socioeconômica. O capital humano e social que essa lacuna revela, associado às iniciativas da outra parcela de atores, garantia a solidez do movimento. Não restava dúvida de que os grupos sociais menos favorecidos, presentes em todas as regiões do país, lutavam por soluções imediatas para suas demandas. Contudo esta mesma potencialidade representa o maior dos desafios, por duas razões. Primeiro, porque, apesar das necessidades eminentes do capital humano e social, seria preciso lidar com o nível de aceitação do grupo e com sua autoestima marcada pelo anonimato e pela sensação de incapacidade, no sentido de tocar empreendimentos ou desenvolver práticas coletivas que afetam toda a dinâmica de suas comunidades e seu entorno. Isto indica que a implantação de artefatos, de procedimentos ou de soluções organizacionais nem sempre representa a solução aos problemas levantados. Há pré-requisitos que precisavam ser sanados ou minimizados, antes de se realizar uma ação que pode se revelar mais como uma intervenção do que como uma produção coletiva.

Assim, por um lado, era necessário o trabalho de capacitação, para que os grupos sociais pudessem gerenciar, organizar e planejar suas ações; bem como para que fossem capazes de prever riscos, aproveitar oportunidades, desenvolver habilidades para lidar com artefatos e equipamentos tecnológicos tão estranhos ao seu mundo; por outro lado, esses grupos deveriam se sentir partícipes do processo de produção de soluções para seus problemas. A segunda razão advém desta última situação, pois ficava evidente que a disponibilidade de recursos ou a facilidade de acesso aos equipamentos não era suficiente para consolidar esse modelo, de forma autossustentável (cf. PEDREIRA, LASSANE JR, 2004; SINGER, KRUPPA, 2004).

Outro desafio enfrentado pela Rede refere-se à gestão da produção de tecnologia social. Como já foi salientado, as práticas já existiam de diversas formas e em inúmeros lugares: muitas já conhecidas e reconhecidas como práticas inovadoras; outras ainda em completo anonimato. O problema diagnosticado era exatamente como dar-lhes visibilidade e amplitude, isto é, gerar a difusão. O processo de flexibilização e de reaplicação das práticas foi visto como fator fundamental para que um número cada vez maior da população excluída tivesse acesso. A saída encontrada pela Rede foi gerar um banco de dados muito mais integrado, capaz de informar o estoque de tecnologias produzidas e mapeadas no Brasil. Com isso, constroem-se alguns pontos

de mapeamento e difusão: “[...] o Portal de Tecnologias Sociais, destinado a abrigar discussões, experiências e parceiros, e o Centro de Tecnologias Socias, de iniciativa da Petrobras” (PEDREIRA, LASSANE JR, 2004, p. 77) além do Banco de Tecnologia Social, ligado à Fundação Branco do Brasil70 e do mapeamento dos Empreendimentos Solidários (ES) realizado pela Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), em parceria com um GT do Fórum Brasileiro de Economia Solidária, algumas universidades e instituições da sociedade civil (cf. SINGER; KRUPPA, 2004 p. 95). Mas a pretensão dos setores do governo e de representantes da Rede era atingir uma base digital integrada, que possibilitasse o acesso de forma ampla e democrática, gerando, com isso, integrações, diálogos e troca de experiências; iniciativas e acesso a informações, ferramentas, assistência operacional e gestão de projetos com viabilidade de soluções e impacto social comprovado:

Combinada à perspectiva aberta pelo governo brasileiro de criar, sob o nome de Casa Brasil, bases integradas digitalmente (computadores, internet, portais de serviços e informações) para o desenvolvimento de iniciativas de caráter público e republicano, é possível prever que a RTS possa muito em breve operar online em todo o território nacional com razoável grau de integração. Quem mora na periferia das grandes cidades poderá contatar pessoas e organizações em cidades a milhares de quilômetros de distância, inclusive aquelas de onde migraram. Até 2006, pode haver até 3 milhões de pessoas conectadas e com a chance de estabelecer interface com a RTS (PEDREIRA; LASSANE JÚNIOR, 2004, p. 77).

Daquilo que até o momento foi apresentado, tem-se a impressão de que as comunidades cognitivas, atoras principais da RTS, encontraram as formas necessárias para abrirem os caminhos que possibilitam a inclusão social. Com o cenário sócio-político-econômico montado e os atores exercendo seus respectivos papéis e suas interlocuções, o país possuía condições para apresentar sua alternativa ao modelo da economia capitalista. De fato, as condições encontravam-se pré-estabelecidas, mas por si só elas não eram suficientes para que o objetivo principal não somente fosse alcançado, mas ganhasse musculatura e solidez, a ponto de se autossustentar. Como bem enfatiza Michel Callon (2001), as redes, enquanto fenômeno de integração de diferentes coletivos, possuem uma dinâmica evolutiva que não se efetiva por uma linearidade progressiva. Há dois fatores que permitem compreender a dinâmica desse fenômeno por essa perspectiva: a heterogeneidade do coletivo e a irreversibilidade.

Do ponto de vista da heterogeneidade do coletivo, deve-se salientar que esta não se reduz aos atores humanos e a seus papéis; ela se estende aos intermediários ou às atividades de intermediação, isto é, os objetos técnicos ou entidades não-humanas que vinculam os atores e

as suas heterogeneidades. Não somente os atores, mas os intermediários operam em uma

Documentos relacionados