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3 O EXPERIMENTO DIDÁTICO: fundamentos teóricos, planejamento e uso de

3.1 O experimento didático: fundamentos teóricos

3.2.3 Tecnologias digitais e práticas pedagógicas: instrumento de mediação

Falar em mediações é remeter aos signos, pois, de acordo com Santaella (2011, p. 189), “não há mediação sem signo. São os signos, as linguagens que abrem, à sua maneira, as portas de acesso ao que chamamos de realidade. No coração, no âmago, no cerne de quaisquer mediações – culturais, tecnológicas, midiáticas – está a linguagem [...]”. Ainda de acordo com a autora é a linguagem que nos constitui humano, pois ela é um elemento mediador, que revela, vela e desvela o mundo para nós. Considerando a linguagem como base das nossas representações simbólicas e comunicativas, tentamos entender os papéis das tecnologias de informação e de comunicação15 (TIC)16, como mediadora dos processos de ensino- aprendizagem, em especial do uso do smartphone como instrumento pedagógico.

Buscamos estabelecer os vínculos entre as novas formas de construir e de compartilhar conhecimentos, através da disseminação das tecnologias digitais na sociedade contemporânea, procurando entender a mediação como conceito fundado na abordagem histórico-cultural, examinando a educação e a tecnologia do ponto de vista da cultura. Isso leva-nos a uma “reavaliação do conceito de instrumento e ao reconhecimento da necessidade de entender os efeitos da utilização de instrumentos em atividades pedagógicas” (PEIXOTO, 2011, p. 97).

15 Podemos considerar como tecnologias de informação e de comunicação a convergência da informática, da eletrônica e das telecomunicações em tecnologias que permitem veicular informação em suas diversas formas, tais como: textos, imagens e vídeos (PEIXOTO, 2011, p. 97).

16 Adotaremos o termo Tecnologias Digitais (TD) em substituição a TIC, preservaremos o termo (TIC) quando empregado em citações diretas.

Para esta pesquisa, consideramos o smartphone como instrumento mediador da atividade, pois nossa pretensão foi de usar um recurso, que é bem familiar ao aluno e carregado de apelo social, para que pudesse auxiliá-lo na solução de tarefas de estudo. Dito de outra forma, de acordo com o conceito de mediação proposto por Vigotski (2007), a compreensão dos processos mentais implica considerar os instrumentos e os signos como elementos organizadores desses processos. Embora distintos, instrumentos e signos “[...] estão mutuamente ligados [...] na função mediadora que os caracteriza” (VIGOTSKI, 2007, p. 53).

É importante fazer a distinção entre as dimensões material e simbólica do artefato, tendo em vista que o artefato não se reduz ao objeto técnico ou à máquina, temos que considerar o seu valor simbólico, histórico e social na vida do individuo, pois os instrumentos psicológicos destacam-se na função de permitir ao homem o controle de seu próprio comportamento. Ou seja, conforme Peixoto (2011, p. 99), “o signo é considerado como uma classe de artefatos fundamental ao estabelecimento das funções psíquicas superiores”.

Seguindo nesta linha, Santaella (2011, p. 191) concorda também com esta visão de materialização do signo quando diz: “mesmo quando se apresenta na sua natureza mental, todo signo, toda linguagem tem um corpo, encarna-se, materializa-se em algo físico”. Devemos considerar ainda que o artefato pode ter diferentes status para o sujeito. Tomemos novamente o exemplo do smartphone, para muitos jovens, tem o status de poder, dinheiro, ostentação, como é o caso do iphone17, para outros, o smartphone é apenas um meio de comunicação com os pais; ou ainda, recurso para jogar jogos online ou off-line, etc., e, para professores, pode ser um instrumento de ensino.

Continuando ainda a falar sobre os papeis destas ferramentas (instrumentos físicos), de acordo com Peixoto (2011, p. 99), “elas são dirigidas para a transformação dos objetos, são orientadas externamente, ao passo que o signo é orientado internamente, no sentido de ser um meio de atividade interna”. Para entendermos melhor esta diferença entre signos e instrumentos18, recorremos a Vigotski, que diz:

Uma diferença muito importante entre o instrumento psicológico e o técnico é a orientação do primeiro para a psique e o comportamento, ao passo que o segundo, que também se introduziu como elemento intermediário entre a

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Smartphone da empresa Apple – um dos mais caros e desejados do mercado. 18

Comprovam-se as duas afirmações a seguir:

1) “[...] a analogia básica entre signo e instrumento repousa na função mediadora que os caracteriza” (VIGOTSKI, 2007, p. 53);

2) “[...] A diferença mais essencial entre signo e instrumento, a base da divergência real entre as duas linhas, consiste nas diferentes maneiras com que eles orientam o comportamento [...]” (VIGOTSKI, 2007, p. 550).

atividade do homem e o objeto externo, orienta-se no sentido de provocar determinadas mudanças no próprio objeto. O instrumento psicológico, ao contrário, não modifica em nada o objeto: é um meio de influir em si mesmo (ou em outro) – na psique, no comportamento, mas não no objeto. É por isto que no ato instrumental reflete-se a atividade relacionada a nós mesmo e não ao objeto. (VIGOTSKI, 2004, p. 97).

Segundo o mesmo autor: o instrumento psicológico constitui um tipo de instrumento particular que corresponde a artefatos específicos, tais como a linguagem e os signos e ele realiza a mediação entre o sujeito e ele mesmo e entre o sujeito e os outros. Quanto aos instrumentos materiais, assim como os psicológicos, de acordo com Peixoto (2011, p. 100), “eles permitem os estabelecimentos de relações do sujeito com o meio, consigo mesmo e com os outros, podemos compreender como, no ato instrumental, o sujeito faz uso do instrumento material, mas também de si mesmo”.

Podemos observar que, quando o indivíduo utiliza o smartphone como meio para realizar sua atividade, propicia, então, a mediação do sujeito consigo mesmo, apoiando a organização e o controle de sua atividade. Estas mediações se estabelecem com os outros, quando o instrumento técnico permite relações em atividades coletivas. Temos aqui no smartphone uma importante ferramenta para desenvolver atividades coletivas entre os alunos adolescentes, pois, como vimos, na Teoria Histórico-Cultural, nesta etapa do desenvolvimento a atividade guia é justamente a comunicação e as relações sociais afetivas. O smartphone já faz parte do contexto social dos adolescentes e está dotado de grande simbolismo. Detalharemos mais adiante, como exploramos estas potencialidades de uso do smartphone como um recurso didático em sala de aula no ensino médio.

O sujeito transforma a realidade externa por meio das suas relações com os instrumentos materiais, tais como, o smartphone, as mediações consigo mesmo e com os outros.

A singularidade do ato instrumental [...] apoia-se na presença simultânea nele de estímulos de ambas as classes, isto é, de objeto e de ferramenta, cada um dos quais desempenha um papel distinto qualitativa e funcionalmente. Por conseguinte, no ato instrumental entre o objeto e a operação psicológica a ele dirigida, surge um novo componente intermediário: o instrumento psicológico, que se converte no centro ou foco estrutural na medida em que se determina funcionalmente todos os processos que dão lugar ao ato instrumental. Qualquer ato de comportamento transforma-se então em uma operação intelectual. (VIGOTSKI, 2004, p. 96).

Entendemos, então, que podemos utilizar estes artefatos nas ações pedagógicas, pois também temos várias situações de mediação entre sujeito e objeto de conhecimento. Podemos

inferir que todo instrumento (material ou simbólico) é potencialmente um mediador para as relações do sujeito com ele mesmo e com os outros, e que as transformações das funções psicológicas ocorrem por meio da mediação por artefatos. O próprio ato de pensar, já se realiza por mediação dos artefatos, pois, conforme Lévy (2010, p. 171), “o pensamento já é sempre a realização de um coletivo. Pensar é um devir coletivo no qual misturam-se homens e coisas. Pois os artefatos têm o seu papel nos coletivos pensantes”.

Devemos considerar ainda o uso destes artefatos em situações pedagógicas, que possuem funções diferenciadas de acordo com a direção da ação, com a natureza do objeto e com a dimensão mais individual ou coletiva do processo.

O instrumento mediador da atividade conta com diferentes componentes, que servem para determinar seu planejamento e papel que desempenha na atividade. Segundo Peixoto (2011, p. 103):

[...] por um lado, o instrumento é constituído por um artefato, material ou simbólico, produzido pelo sujeito; por outro, de esquemas de utilização associados, que resultam de uma construção própria do sujeito autônomo ou de uma apropriação de esquemas sociais de utilização já formados exteriormente a ele.

Ainda, “os dois componentes do instrumento – artefato e esquema – são associados um ao outro, mas estão igualmente numa relação de dependência relativa” (RABARDEL, apud PEIXOTO, 2011, p. 105) Essa dependência diz respeito ao status que o artefato ganha na execução da ação da atividade, ou seja, de acordo com os esquemas de utilização, pois o artefato não é em si mesmo um instrumento. Ele depende do significado que o sujeito atribui a ele de acordo com a finalidade de uso nas suas ações. Tomemos o smartphone como exemplo – ele é um artefato que só se transforma em um instrumento de ensino, quando utilizado através de um esquema de ações, ou seja, no nosso caso, utilizamos o aparelho como meio para auxiliar nas tarefas de estudo, proposta no experimento didático.

Quanto à integração das Tecnologias Digitais às práticas pedagógicas, dentro do contexto da Teoria Histórico-Cultural, devemos considerar não apenas a sua dimensão técnica, mas como campo de conflitos sociais, histórico, cultural, seus desejos e necessidades fundados nas diferentes formas de acesso e de apropriação: individual e coletiva. Devemos nos atentar às diferentes formas de inserção social, econômica e cultural destes indivíduos e não somente considerar as maneiras como os indivíduos se relacionam com os objetos técnicos.