• Nenhum resultado encontrado

1. Televisão, mídia e poder

1.2 Televisão e Poder: tudo a ver

Quando a televisão ocupou os espaços domésticos e passou a fazer parte da agenda social, no início da década de 1950, o caráter experimental da nova mídia permitiu algo que as mídias anteriores não haviam conseguido: a incorporação sem par de outras formas de comunicação, como o rádio, o teatro, e até mesmo o jornal. Seu poder fascinante de atrelar códigos linguísticos, imagéticos e sonoros fez com que, mesmo desfrutando inicialmente de recursos precários e contando com um número reduzido de investidores, a televisão já ingressasse no país absorvendo aspectos dos outros meios e arrebatando os

Com isso, apesar dos escassos investimentos e da falta de mão de obra qualificada na sua fase inicial, principais responsáveis por aproximar a linguagem televisiva das transmissões radiofônicas,12 a nova mídia passou a ser vista pelos políticos como mais um instrumento de potencial força persuasiva. Foi exatamente nesse momento que a imbricação entre mídia televisiva e poder político começou a emergir, alimentando-se de uma aliança: o meio atuaria tanto no campo ideológico, a partir da propagação de pensamentos e visões de mundo, em consonância a ideais dos grupos dominantes, assim como no campo da barganha política.

Walter Clark (1991, p. 102), considerado no âmbito mercadológico um dos “gênios” da televisão no Brasil, relembra que, antes mesmo de a mídia completar uma década, a política já era uma de suas atrações, tanto no vídeo, como nos bastidores. Em relação ao processo de concessões de canais, as ações se efetivavam por meio de trocas entre amigos, que garantiam, em contrapartida, fidelidade e cumprimento das recomendações, sugestões ou mesmo pressões do poder.

Para se ter uma ideia dessa abrangência, em 1956, quando Juscelino Kubitschek assumiu a presidência do país, e a televisão iniciou seu processo de expansão, face a política de modernidade adotada pelo novo governo, as concessões dos canais televisivos já funcionavam como moeda de troca política. Kubitschek foi, inclusive, um dos primeiros políticos a utilizar a televisão para fins ideológicos. Já em 1956, após sua posse, foi transmitido um programa especial, diretamente do Palácio do Catete, durante o qual o presidente, com todo o otimismo e sorriso radiante, apresentou seu plano de metas para o país: promover cinquenta anos de desenvolvimento em cinco. O entusiasmo do discurso foi relembrado por Clark:

O otimismo que JK irradiava com seu sorriso imenso contagiava o país e impelia igualmente a televisão. Vivia-se a sensação de que o Brasil estava dando a arrancada para um grande destino, e de dentro da cabine de comando de uma estação de TV – um fetiche tecnológico avançado, como os foguetes, os satélites e as naves espaciais [...] (1991, p. 102).

Ao lado dos encantos do veículo, Kubitschek foi também o primeiro presidente a sentir os desconfortos que a nova mídia proporcionava, principalmente em se tratando dos confrontos políticos. A televisão, mesmo na fase inicial, serviu de arena política, entre o

12 Segundo informa Laurindo Lalo Leal Filho, a televisão foi herdeira do rádio em todos os sentidos, no qual buscou, na sua fase inicial, não somente a mão de obra, como a fórmula dos programas e o modelo

então presidente e seu maior adversário, Carlos Lacerda, que também dominava a arte do discurso e fazia do vídeo um espaço para combatê-lo.

A exemplo disso, Lacerda, em 1955, fez da TV Rio um palanque com o intuito de impedir a posse de Juscelino, criando um clima de desarticulação e golpe contra o novo presidente (CLARK, 1991, p. 103). O movimento, conhecido como “novembrada”, liderado pela União Democrática Nacional (UDN) questionava a vitória apertada de Juscelino nas urnas e exigia que os resultados fossem revistos.13 O clima tornou-se tão tenso que foi preciso a intervenção do marechal Henrique Teixeira Lott, ministro da Guerra, para derrubar o presidente interino Carlos Luz, aliado dos golpistas, no dia 11 de novembro de 1955.

A conspiração contra Juscelino Kubitschek voltou-se para a televisão, um ano depois, por movimentos subversivos ao próprio governo. Conforme atesta Inamá Simões (2000, p. 66), uma nova crise política foi instaurada quando o general Juarez Távora, contrariando orientação prévia do general Lott, fez um pronunciamento em uma emissora no Rio de Janeiro, saudando o primeiro aniversário da novembrada de 1955.

Vale ressaltar, entretanto, que a televisão, nessa primeira fase, que vai de 1950 até 1960, possuía um alcance bastante limitado, em função do número reduzido de telespectadores, composto apenas pela população de maior poder aquisitivo, e da infraestrutura precária. Um aspecto relevante dessa estrutura, conforme lembra Gabriel Priolli (2000, p. 16), é que a primeira emissão televisiva da América Latina nasceu localmente14 e assim permaneceu por uma década, antes que a evolução técnica a projetasse para além das fronteiras municipais. Na primeira fase, a televisão teve configuração claramente isolada. Nasceu em São Paulo, expandiu-se para o Rio de Janeiro em 1951, atingiu Belo Horizonte em 1955, e só nos anos seguintes alcançou Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Recife, Campina Grande, Fortaleza, São Luís, Belém e Goiânia.

13A vitória de JK nas urnas foi apertada. Juscelino Kubitschek, apoiado pelo PSD, PTB, PR, PTN, PST e pelo Partido Republicano Trabalhista (PRT), recebeu 36% dos votos, contra 30% de Juarez Távora apoiado pela UDN, por dissidentes do PSD, pelo PDC, pelo PSB e pelo PL, e 26% de Adhemar de Barros, apoiado pelo PSP e por dissidentes do PTB.

14 “De setembro de 1950, quando se inaugurou a TV Tupi de São Paulo – primeira emissora do país e do hemisfério sul do planeta –, até abril de 1960, quando foi introduzida aqui a tecnologia do videoteipe, a televisão só existiu onde estavam erguidas as antenas de transmissão. Os telespectadores podiam captá-la num raio máximo de 100 quilômetros em torno do transmissor que gerava as imagens” (PRIOLLI, 2000, p. 17).

A chegada do videoteipe ao país, no início de 1960, demarcou um novo período para a mídia televisiva e permitiu que as emissoras se organizassem, mesmo que precariamente, em rede. Assim, as estações de TV, que se encontravam fora de São Paulo e do Rio de Janeiro, foram, aos poucos, produzindo suas programações locais por meio de

tapes comprados dos grandes centros. A possibilidade de duplicação da programação, realizada via videoteipe, permitiu uma melhoria na qualidade do que era transmitido, já que os programas de sucesso eram produzidos no Rio de Janeiro e em São Paulo e comercializados para outras regiões.

A nova tecnologia, lançada em 1956, nos Estados Unidos, chegou ao Brasil somente quatro anos depois, impulsionada por um intuito político claro: transmitir a festa de inauguração da nova capital, Brasília, que se localizava muito longe do eixo Rio de Janeiro-São Paulo e não possibilitava um televisionamento direto (PRIOLLI, 2000, p. 17). Um ano depois da implantação do videoteipe, em agosto de 1961, novamente Carlos Lacerda, opositor ferrenho do governo Jânio Quadros, valeu-se da televisão para fins políticos, e fez um pronunciamento nos estúdios da TV Excelsior, alertando a população sobre um possível golpe articulado pelo então presidente. O episódio, conforme esclarece Simões (2000, p. 67), teve uma repercussão mínima, porque foi transmitido apenas nos limites do Rio de Janeiro.

Mas é no ano seguinte, nas eleições de 1962, que a televisão estrutura uma relação estreita com a política. Segundo Clark, na época funcionário da TV-Rio, a mídia foi utilizada nas campanhas de 1962, para fazer lobby político, já que não existia qualquer controle sobre as propagandas eleitorais e os espaços eram utilizados como moeda de troca entre amigos (1991, p. 127). Além disso, naquele período, a propaganda eleitoral era paga, e as emissoras faturavam volumes estrondosos nas campanhas eleitorais. Segundo o autor, “um casamento perfeito de interesses, que fazia as estações de TV desejarem demais as

eleições e não exatamente por arraigadas convicções democráticas” (1991, p. 127).

Abria-se, naquele momento, um caminho de prosperidade e conciliação política com diversos empresários ligados aos setores midiáticos, dentre os quais se destaca Roberto Marinho. Herdeiro das Organizações Globo. Marinho inicia, dentro de um cenário altamente promissor, aquilo que se transformaria na maior canal de comunicação do país, a Rede Globo de Televisão.