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Temas Específicos em Psicoterapia Sistêmica

Temas Específicos em Psicoterapia Sistêmica

O TRABALHO COM OS SONHOS

Pergunta: De que modo o senhor trabalha com os sonhos?

Hellinger: Não trabalho muito com os sonhos, mas, quando o faço, adoto uma visão de processo, fenomenológica. Evito mitologizar os sonhos. Alguns terapeutas os tratam como se fossem mensagens divinas. Eu, porém, sou muito sensível à distorção da realidade que pode ocorrer no trabalho com os sonhos e na hipnose, especialmente o problema da falsa lembrança.

Lembro-me de um paciente que “descobriu” certas coisas no trabalho hipnoterapêutico com sonhos, junto a um famoso hipnoterapeuta. Quando reexaminamos o material, ficou claro para nós dois que as coisas “descobertas” tinham sido na verdade “inventadas”, o que não impediu seu efeito prejudicial na vida do paciente. Retrabalhando o material de uma perspectiva sistêmica, atinamos com algo que ele poderia fazer e que teve consequências positivas em sua qualidade de vida. A hipnose e o trabalho mitológico com sonhos não levam a esse tipo de ação prática, a menos que haja compreensão da dinâmica sistêmica. Se alguém não quer fazer o que tem de ser feito, discorrer sobre sonhos não ajuda em nada.

Os sonhos são muito adaptáveis ao fluxo de energia na vida da pessoa. Se nossa energia flui no sentido de evitar decisões e ação efetiva, ou de manter o status quo, nossos sonhos justificam essa postura. Se utilizamos diferentes técnicas para não fazer o que tem de ser feito e justificar a omissão, nossos sonhos fazem a mesma coisa. Pode-se reconhecer esse tipo de sonho pelo modo como as pessoas o narram. Quando elas passam imediatamente à narração do sonho sem senti-lo ou respeitá-lo, sem uma mostra conveniente de recato e pudor, trata-se com toda a certeza de um desses sonhos.

Chamo tais sonhos de sonhos secundários, ligados a sentimentos secundários e, com estes, destinados a negar o que quer que esteja acontecendo. Uma vez que tudo é “apenas sonho”, as pessoas acham que não precisam fazer nada. Se levarmos esses sonhos a sério, só reforçaremos o problema e uma parte do sonhador rirá de nós ao ver-nos apanhados na armadilha. Isso lembra a frase: “Ontem sonhei com você. Você estava...” Em geral, a pessoa quer apenas se divertir à nossa custa.

Eis um grande exemplo de sonho secundário: um homem sonhou que um falcão avistara um passarinho, deixara-o cantar por algum tempo, apanhara-o com todo o cuidado, voara sobre o ninho do passarinho e ali o depositara mansamente. O homem achava que era um sonho maravilhoso.

Sua situação concreta no lar era a seguinte: a esposa o deixara para viver com outro homem. Aparecia três vezes por semana a fim de ver os filhos e passava os quatro dias restantes com o amante. O homem aceitara aquela situação, embora estivesse profundamente magoado. Ora, o sonho descrevia muito bem sua condição. Em vez de fazer o que um falcão de verdade faria, o falcão onírico reconduzia gentilmente o pássaro ao seu ninho. Ele entregara a mulher a outro e ela fora aninhar-se em cama alheia. O homem achava que era um sonho maravilhoso, uma revelação. Não percebeu que apenas descrevia sua situação. Era um sonho secundário. Sonhos secundários lembram o ato de atiçar cães para ver se mordem. E fácil adivinhar coisas nas imagens oníricas, em vez de realizar as mudanças necessárias na vida.

Há outra categoria de sonhos que chamo de sonhos primários. Eles são lembranças codificadas e, como os sentimentos primários, nada têm de clamoroso ou dramático. Sonhos com água, por exemplo, muitas vezes veiculam a lembrança do nascimento. Uma mulher sonhou que esquiava com sua filha. Ao descer a encosta, segurou-a entre as pernas, mas, uma vez lá embaixo, a menina caiu num lago. Perguntei-lhe a respeito de seu próprio nascimento. Declarou que viera ao mundo de maneira muito súbita, quando a mãe se achava na banheira. Assim, o sonho parece ser exemplo de lembrança codificada.

Distingo também os sonhos sombrios. Eles mostram um lado nosso que não queremos ver. Usualmente não narramos esses sonhos porque não estamos à altura de encarar o que eles nos contam. Eles podem, de fato, revelar um lado oculto de nossa personalidade. Se vocês tencionarem trabalhar com tais sonhos, será necessário levá-los a sério e encontrar em seus próprios corações um lugar para os elementos assustadores que eles revelam. E o método da integração.

Há também os sonhos sistêmicos. Nada têm que ver com a experiência pessoal do sonhador, pintando antes uma situação não-resolvida na família ou na família ampliada. Trazem, à consciência, algo com o qual é importante lidar no sistema familiar. Se o sonhador assume a tarefa de equilibrar o sistema familiar inteiro, as consequências são quase sempre desastrosas.

Os sonhos sistêmicos frequentemente apresentam características brutais: falam de suicídio, assassinato e morte. A própria sombra do sistema passa a ser muitas vezes visível. Quando tentamos interpretar esses sonhos como se fossem afirmações sobre a pessoa, abusamos do cliente, fazendo-o pessoalmente responsável por algo que na verdade é bem maior.

Pergunta: Poderia dar um exemplo de sonho sistêmico? Não percebo aonde o senhor quer chegar. Hellinger: Um homem sonhou certa vez que encontrou, no porão, um corpo esquartejado. Chamara a polícia. Queria esmiuçar o sonho, falar de seus impulsos homicidas inconscientes e por aí além, mas eu o interrompi. Perguntei-lhe quem, na família, fora assassinado. Ele respondeu que não sabia e telefonou para o pai. Este declarou: “Não posso falar sobre isso por telefone.” O que o pai finalmente lhe contou foi que, pouco depois de ele nascer, a mãe engravidara novamente e tivera complicações. O hospital não dispunha dos recursos necessários e o feto teve de ser morto e removido do ventre materno aos pedaços. Embora o homem não soubesse do irmão sacrificado antes de ter tido o sonho, já reservara a ele, inconscientemente, um lugar em sua vida. Sempre tivera tudo em dobro: dois apartamentos, dois escritórios, duas escrivaninhas, etc. Essa era a situação real.

Há outra coisa interessante a respeito dos sonhos: na maioria deles, tudo o que precisamos está no primeiro par de frases. A narração de um sonho geralmente atinge o ponto alto após a segunda ou terceira sentença. O que vem depois é redundante e diminui a força do sonho. A pessoa que narra um sonho costuma perder-se nos detalhes. Se conseguirmos fazê-la concentrar-se adequadamente e interrompê-la depois da segunda ou terceira frase, teremos mais probabilidades de apreender com clareza a mensagem com a qual deveremos trabalhar.

Há sonhos que realmente ajudam; mas ajudam sobretudo as pessoas que já estão cuidando de si mesmas. Essas pessoas são amparadas por sua própria profundidade. Chamo esses sonhos de

metassonhos. O sonhador percebe imediatamente o significado do sonho e não exige mais

explicações. São sonhos que trazem a solução à consciência. As vezes, quando estou lidando com um problema, os metassonhos fornecem a solução ou indicam o próximo passo; isso, porém, só acontece se me vejo preparado para depositar confiança no sonho mediante ações subsequentes. Portanto, se desejarem trabalhar com sonhos, convém fazer distinção entre os vários tipos. Obviamente, o que eu disse não é uma teoria abrangente do trabalho com sonhos. Trata-se apenas de uma série de observações que poderão ajudá-los a evitar algumas das armadilhas mais comuns, sem o risco de tomar uma direção improdutiva. Não pretende, absolutamente, substituir outros métodos de compreensão e abordagem dos sonhos; eu, porém, acho altamente destrutivo tratar todos os sonhos como verdades. Reza um ditado chinês: “O sábio não sonha.” Não precisa mais

sonhar.

Breves Transcrições de Trabalho com Sonhos

Míriam: Estou pensando num sonho que tive três ou quatro vezes. Nele, preocupo-me sempre com meu filho mais novo.

Hellinger: Pois então conte-o como se estivesse sonhando de novo.

Míriam: Estamos ambos num grande espaço comercial, no edifício onde minha irmã trabalha. Eu e ela estamos ocupadas. De repente, ouço meu filho chamar. Ele está longe e não consigo encontrá- lo. Quando o encontro, ele está sufocando. Entrou num recinto proibido a adultos e escuto sua voz sumindo aos poucos.

Hellinger (interrompendo): Curioso! Seu sonho não me impressiona de modo algum. Que idade tem seu filho?

Míriam: Dez anos.

Hellinger: Alguma criança morreu em seu sistema familiar?

Míriam: Meus avós vieram de famílias grandes, com muitos filhos. Minha avó teve onze. Não sei se houve algum natimorto ou coisa semelhante entre tanta gente. Creio que não (longa pausa). Hellinger: Isso parece estranhamente distante. Não impressiona, apesar das imagens dramáticas. Não consigo vê-la no sonho tal qual você se descreve. Não há movimento nem sensação de presença. O sonho me deixa indiferente.

Míriam: Ao despertar, logo imagino meu filho numa boa situação.

Hellinger: Em sonhos como esse, as pessoas se representam de um modo ultrapassado. Trata-se de uma interpretação à romance popular.

Míriam: De fato, ele só em parte corresponde à realidade. Jamais me preocupo com meu filho mais velho, mesmo quando ele não volta para casa à noite. Tenho sempre certeza de que está bem. Hellinger: Isso é uma divagação. Que disse eu?

Míriam: Uma interpretação à romance popular.

Hellinger: Você se preocupa com seu filho mais novo em outras situações?

Míriam: Sim, frequentemente. (Suas maneiras se alteram, ela fica pensativa.) Lembro-me apenas de que tive uma gravidez difícil com ele e precisava ficar muito tempo na cama. Depois que nasceu, teve uma grave disfunção do sistema digestivo. Só depois de um ano e meio esse sistema passou a funcionar normalmente.

Hellinger: Consideremos seu sonho uma lembrança. Mas está faltando alguma coisa na gestalt do sonho como um todo. Por isso, ele tenta chegar ao fim e não a deixa em paz. Olhemos primeiro para a situação geral. Quando se trabalha com um trauma em psicoterapia, o elemento mais importante costuma ser esquecido: a sobrevivência da pessoa. A menos que se reconheça isso, a gestalt não irá se fechar e não haverá solução. Assim, por um momento, elabore a imagem de seu filho na mente e deixe-o sentir como você é feliz por tudo ter dado certo. Entendeu, Míriam?

(Míriam acena afirmativamente e seu trabalho toma nova direção.)

Thomas: Tive um sonho horrível a noite passada. Acordei banhado em suor e com taquicardia. Mas não sei o significado dele.

Hellinger: Conte-o como se estivesse ocorrendo agora mesmo.

Thomas: Estou sentado ao lado do motorista de um ônibus. Ele é meu amigo. O ônibus está lotado. Começamos a subir uma montanha íngreme.

Hellinger: Ótimo. Recomece.

Thomas: Estou sentado ou de pé num ônibus e o motorista é amigo meu.

Hellinger: Excelente! Isso basta. Aí está o ponto crucial do sonho. (Pausa.) Qualé a solução? Thomas: Eu próprio poderia dirigir o ônibus.

Hellinger: Certo. Troque de lugar com o motorista. Algo mais, Thomas?

Thomas: Sim, uma coisa ainda me preocupa. Meus sonhos têm sempre o mesmo final. Podem começar de modo diferente, mas terminam da mesma maneira. Isso me intriga.

Hellinger: Diga então como terminam.

Thomas: Terminam com encostas e precipícios, com o medo de cair. Sempre o medo da queda e do abismo.

Hellinger: Muito bem. Quando tiver esses sonhos, procure firmar-se imaginando que está encostado a seu pai.

Thomas (depois de uma pausa): Fiz isso agora. É um sentimento completamente diferente.

Hellinger: Pois aí está a solução. Quando uma criança corre perigo em sonhos, a pessoa capaz de ajudar é quase sempre o pai. Não importa que a criança seja menino ou menina. Há exceções, sem dúvida, mas, principalmente, quando o perigo é o suicídio ou a tendência a acidentes pseudossuicidas e catástrofes, a pessoa vai se sentir em geral mais segura ao lado do pai. Às vezes, também é necessário o avô. Não importa o que o pai fez ou deixou de fazer ou se o filho o conhece ou não. Há força no princípio masculino.

Joseph: Tive um sonho impressionante. Meu filho mais novo corre para a água, cai de costas e temo que vá se afogar. Tento segurá-lo. Entro em desespero porque não disponho de muito tempo e, além disso, preciso agir vagarosamente para não perdê-lo de vista. Receio que suas roupas se rasguem. Mas então consigo resgatá-lo e sinto-me alegre. Ele está vivo e começa a respirar, mas ainda temo que haja recebido algum ferimento.

Hellinger: Esse é um sonho secundário. Em forma dramática, descreve o problema sem apresentar solução. E a solução é: antes que ele caia na água, você o abraça afetuosamente. Concorda, Joseph? Ralph: Na pausa para o almoço, adormeci e sonhei que subia numa nogueira muito alta. Alcançava os galhos superiores de modo a poder sacudi-los para que as nozes caíssem. (Seu relato é

um tanto pretensioso.)

Hellinger: Esse sonho não vai ajudá-lo. Ralph: Em seguida...

Hellinger: Esse sonho não vai ajudá-lo. Você não está mostrando respeito por ele.

Ralph: Não vai me ajudar? Após o sonho, acordei com a sensação de que realmente queria partir as nozes.

Hellinger: Sim, depois de acordar queria partir as nozes. A imagem é violenta, força as coisas a acontecer. Não trabalho dessa maneira. Quase nunca utilizo um martelo.

Ralph: Eu queria agir de verdade.

Hellinger: Não há energia em seu relato. Com base nessa imagem onírica, você estava sacudindo, não colhendo. A solução terá de vir de fora. Talvez ache que eu possa fazer o trabalho por você? Essa é uma base muito fraca para um trabalho conjunto.

de que...

Hellinger (interrompendo): Esqueça a imagem de partir nozes. Ela não ajuda. A maioria dos sonhos apenas aponta o problema, principalmente aqueles que as pessoas anseiam por contar logo. Eles servem para racionalizar o fracasso.

Ralph: Eu acreditava estar pronto para resolver o problema.

Hellinger: Exato. Quem arrasta por aí sua desgraça sempre se acha pronto para isso. As pessoas que decidem preservar sua infelicidade aproximam-se do vazio de cabeça erguida. Mas o verdadeiro bem deve ser aproximado com temor e tremor, com respeito profundo. Ontem, você estava mais perto disso.

Lars: Tive um sonho há dois dias. Só consigo me lembrar de um fragmento, mas creio que foi um sonho sistêmico.

Hellinger: Então conte-o como se estivesse ocorrendo agora.

Lars: Estou deitado na cama, a ponto de adormecer. A porta se abre e uma mulher entra. Tem expressão comovida e avança rapidamente em minha direção.

Hellinger: Isso já basta para começarmos a trabalhar. Parece mais um sonho primário contendo uma lembrança.

Lars: Sinto que, se for uma lembrança, é uma lembrança ruim. Minha cabeça está ficando quente. Hellinger: Olhe a mulher nos olhos. Consegue vê-los? Feche os olhos e olhe a mulher nos olhos e na boca.

Lars: Reconheço a boca, mas não os olhos.

Hellinger: De quem é a boca? Não se apresse. Observe cuidadosamente o movimento da boca — e dos olhos. São pontos que a memória evoca com mais facilidade.

Lars: Creio que é a boca de minha mãe, mas não estou muito certo disso.

Hellinger: Bem, deixemos isso de lado por enquanto. Talvez o sonho seja mesmo uma lembrança, mas não queremos inventar nada. Aguardemos apenas que alguma coisa lhe ocorra nos próximos dias.

Dia Seguinte

Lars: Durante os últimos três ou quatro anos, venho examinando meu relacionamento com meu pai. Mas deixei de lado minha mãe e sua energia. Agora gostaria de dar um passo à frente.

Hellinger: Estou pensando em seu sonho de ontem. Enquanto você falava, revi a imagem desse sonho. Esteve no hospital quando criança?

Lars: Sim, vivia doente e acho que escapei por pouco. Quando tinha 6 meses de idade, minha mãe levou-me ao médico para drenar um abscesso. Deve ter sido muito doloroso.

Hellinger: Sim, ela entra no quarto e você sabe muito bem o que vai acontecer. Lars: De fato, devo ter gritado. Em outra ocasião estive no hospital para...

Hellinger: Por enquanto não, Lars. Já temos com que trabalhar. O material é suficiente e vamos utilizá-lo. Não precisamos de nada mais por ora. Pois aí está uma boa interpretação para o seu sonho. Pode imaginar como uma mãe se sente quando o médico lanceta um abscesso e o filho começa a gritar? Uma criança não entende isso absolutamente.

Uma psicoterapeuta muito famosa, especialista em reparentificação, contou-me a história de seu filho de 16 anos. Ele participou de um grupo organizado pela psicoterapeuta em que os integrantes faziam regressão e externavam episódios de sua infância. O filho disse de repente: “Mamãe, você

tentou me matar de fome.” Ela se lembrou da situação. O bebê estava com uma grave diarreia e o médico prescrevera um jejum de 24 horas. O bebê se recuperara, mas guardara a lembrança como a de uma tentativa de matá-lo de fome. Eis o que às vezes acontece aos pais.

Em outra ocasião, um terapeuta contou-me que lançara um olhar duro à sua filha. A menina dirigira-se à mãe e dissera: “Papai me bateu.” Isso é o que lhe ficara na memória.

Se você conseguir sentir o que sua mãe sentiu ao levá-lo ao médico, resolverá aquela imagem. Teria sido muito pior se ela o tivesse deixado no hospital.

RESISTÊNCIA

Bert Hellinger é um mestre na arte de trabalhar com os padrões de comportamento que chamamos de “resistência”. Observando-o em ação, toma-se imediatamente claro o cuidado com que ele usa as interações curtas, durante a rodada, para romper esses padrões. Consegue reconhecer prontamente um padrão de evitar, que interrompe com uma explicação ao grupo, uma história ou uma anedota. E pode fazê-lo sem problemas porque o grupo logo descobre quanto afeto e respeito existem em suas intervenções e como, no fim, a boa solução sempre emerge. [G. W.]

Racionalização de Desejo e Objeções Hipotéticas

Lars (referindo-se a uma constelação em que representou o amante de uma mãe): Não será possível que marido e amante se tomem amigos? Ou isso não passa de racionalização de desejo?

Hellinger: Isso não passa de racionalização de desejo.

Lars: Sim, mas não é coisa impossível na vida real. Conheço pessoas que agiram assim.

Hellinger: O amante que você representou e o marido poderiam fazer as pazes se quisessem ter um caso homoerótico entre si compartilhando a mesma mulher. Se observar cuidadosamente as pessoas reais envolvidas, perceberá o preço que, a longo prazo, elas e os filhos terão de pagar. Lars: Concordo. Mas, mesmo assim, não quero excluir essa solução possível.

Hellinger: Vou mencionar um fenômeno básico: você pode levantar uma objeção hipotética a tudo, até ao que é certo. E o efeito de tais objeções é que o que antes funcionava deixa de repente de funcionar. Levantar objeções hipotéticas em terapia esgota as energias, compromete a possibilidade de cura e é um recurso barato porque é mais fácil erguer obstáculos do que encontrar soluções. Quem suscita objeções quase nunca se responsabiliza por suas consequências.

Tudo é diferente quando a pessoa mergulha na situação e, graças ao seu envolvimento pessoal, descobre uma variação nova. Então pode falar com base na experiência e ajudar a suprir ou corrigir o que se disse antes. A diferença é grande porque essa contribuição exige esforço mental e risco.

Criticar e questionar tudo com possibilidades hipotéticas é um jogo de universitários. Mas quando trabalhamos com pessoas reais, com sofrimentos reais, não devemos fazer isso. As consequências são demasiado graves. Posso questionar seja lá o que for, mas para quê? O que você consegue quando vem com essas objeções, Lars? Precisa observar o que está acontecendo aqui, quais são os efeitos concretos das intervenções. Poderá até falar-nos a respeito de sua experiência pessoal — contar-nos que você e o amante de sua esposa são bons amigos. Mas se apenas levanta objeções hipotéticas, o bom efeito do trabalho é bloqueado.

Lars: Tenho outra pergunta...

Hellinger: Não, agora não. (Para o grupo.) Notam como ele passa rapidamente a outras ideias? Nem sequer examinou o que estávamos discutindo. Há algo ameaçador quando deparamos com um processo que conduz à solução — ele raramente deixa muito espaço à escolha. Temos bastante espaço quando se trata de ninharias, mas, se estamos interessados numa boa solução, quase sem- pre só dispomos de um caminho a seguir, sobretudo quando lidamos com uma das questões capitais da vida. Temos de nos dar por felizes se conseguirmos fugir à necessidade de atender ao

que a vida exige de nós, e objeções teóricas constituem excelente meio para escapar. Cultivamos a

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