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Tempo de habitar e efeitos sonoros

No documento Deixa-te ficar na minha casa (páginas 64-69)

CAPÍTULO 2 - PROCESSO DE CONSTRUÇÃO

2.5 Tempo de habitar e efeitos sonoros

Através da leitura de Sonic experience – a guide to everyday sounds (Augoyard/Torgue, 2005), compreendi a definição de diversos conceitos e efeitos sonoros com os quais me fui deparando no espaço da casa e que, à medida que avancei na pesquisa, fui identificando e assimilando. Ao longo do tempo, fui identificando num contínuo exercício de escuta alguns dos efeitos que partilho neste tópico:

Aconteceu-me estar a ler e ouvir um álbum de música para ter um ambiente, um som de fundo; álbum terminava e eu só me apercebia quando me sentia desconfortável na leitura; a ausência de som dava-me uma sensação de frio, por contrário, a sua presença agradável e suave, enchia o espaço como se me aconchegasse um pouco mais no sofá.

O efeito sonoro que associo a este fenómeno é o blurring: efeito sonoro referente ao desaparecimento progressivo e impercetível de uma atmosfera sonora; normalmente o percetor apenas se apercebe deste efeito quando concluído, ou seja, quando a atmosfera sonora desaparece por completo. (cf. Augoyard/Torgue, 2005, p.27)

No meu quarto, espaço onde passei grande parte do tempo, era inevitável ouvir o ruído das máquinas da cozinha, ou o ruído das máquinas quando podaram as árvores na rua. Este som vindo do exterior, da rua, vibrava em toda a casa. Esta situação é das mais frequentes e identificáveis dentro deste espaço e o efeito sonoro que lhe associo chama-se coupling: consiste na interação entre duas situações sonoras, aparentemente distintas, mas que estão ligadas sem que sejam necessariamente efeitos da mesma causa. Em arquitetura é recorrente haver influências sonoras num espaço de um som cuja fonte está num espaço adjacente. (cf. Augoyard/Torgue, 2005, p.29) É uma presença que aceitamos, sem noção de que é uma invasão e muito característicos dos espaços habitacionais portugueses.

Ainda sobre as máquinas e a sua presença sonora, detetei um efeito que associo genericamente a uma presença industrial e posso dar o exemplo da máquina de lavar roupa quando começa a centrifugar. Este efeito denomina-se crescendo e refere-se a um aumento progressivo da intensidade de um som e está muito presente nas nossas casas. (cf. Augoyard/Torgue, 2005, p. 29).

O efeito cocktail, ou cocktail-party já referido em 1.2 Som como elemento de caracterização espacial (pág..20) é o efeito que se refere à nossa capacidade de focar a atenção na fala de alguém em específico, sem considerar informações irrelevantes vindas do ambiente. (cf. Augoyard/Tongue, 2005, p.28) “Do ponto de vista físico, um dos elementos predominantes no efeito do cocktail é a separação espacial do ruído e da fala. Consequentemente, sabemos que, no plano psicofisiológico, a escuta seletiva

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rege-se pela nossa capacidade de discriminar os sons de fontes diferentes, isso é, pela nossa capacidade de localizar o ruído." (G. Canévet APUD. Augoyard/Tongue, 2005, p.28)

O crossfade é outro efeito bastante presente e fácil de identificar. Acontece quando há uma transição progressiva de um som para o outro, através de uma diminuição da intensidade do primeiro som e crescente aparição do segundo. (cf. Augoyard/Torgue, 2005, p. 29)

Dentro de casa, em momentos de sossego, acontecia ouvir-se a madeira do chão a estalar. Talvez, noutra altura, este estalar da madeira fosse um som que poderia passar despercebido mas, funcionou muitas vezes como um corte pela sua intensidade sonora em contraste com a sensação de silêncio que se fazia sentir. Por vezes ouvia-se algum objeto a cair no andar de cima, o que representava uma situação sonora semelhante. Ou ainda o bater da porta de entrada do prédio. Acontecia principalmente de manhã e ao fim do dia (um registo da rotina das pessoas que habitam o prédio). Esse som era um corte principalmente quando não se ouvia ninguém sair das casas e descer as escadas ou o elevador. Trata-se de um som forte e sem progressão e funciona no ambiente sonoro da casa como um cut-out: efeito sonoro de corte, um som de grande intensidade associado a um acontecimento abrupto. Este efeito representa uma importante articulação entre espaços e lugares na medida em que representa um momento sonoro e protagoniza a transição de um ambiente para outro. (cf. Augoyard/Torgue, 2005, p. 29) São exemplo outras situações sonoras: quando a loiça que estava a secar no escorredor e caia, ou quando se ouvia um som forte, e isolado, andar de cima.

Outras vezes, acontecia ouvir-se alguém sair de casa, descer a escada ou o elevador e, nessa altura, ficava na expectativa de ouvir a porta do prédio bater. Seria o encadeamento lógico, um percurso, uma narrativa. Ou mesmo quando o elevador demorava a fechar as portas, antigas, e havia ali um compasso de espera. Também nas máquinas em geral quando há uma interrupção no seu ciclo mecânico, uma suspensão no ritmo, no som. Este efeito chama-se suspension e é caracterizado pela leitura semântica de um som que parece ficar suspenso, incompleto. O efeito deixa o ouvinte numa expectativa, num estado de incerteza. Esteticamente, corresponde a um objeto incompleto; psicoacusticamente pode ser definido como uma espera. (cf. Augoyard/Torgue, 2005, p. 123).

Um outro efeito identificado está relacionado com a atenção do ouvinte na medida em que procura um som quase inaudível, um sussurro, um burburinho: deburau. Este efeito procura identificar a fonte sonora e, termina quando essa fonte é identificada. (cf. Augoyard/Torgue, 2005, p. 37) Funciona como uma espécie de dúvida que se instala pois esse ruído silencioso

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muitas vezes faz-nos pensar se o estamos a ouvir de facto ou se se trata de uma sugestão. Por outro lado cria um alerta geral, tendemos a procurar sua justificação para esse som e confirmar a sua fonte.

Este efeito poderá ser confundido com outro efeito, photomnesis. Este sim, opera no campo do imaginário, ou seja, não existe uma fonte sonora real. Refere-se a um som que, não sendo efetivamente escutado, reside no espectro da imaginação. Trata-se de uma actividade mental que envolve uma escuta interna, e é o recurso a uma memória sonora que associamos a uma situação. (cf. Augoyard/Torgue, 2005, p. 85).

Outro efeito sonoro que tem uma presença “interna” é o efeito remanence que se refere à continuidade de um som que já não está a ser ouvido. Depois da emissão e propagação do som, essa informação sonora dá-nos a sensação de continuar “dentro do ouvido”, imediatamente depois de escutar um som realmente. (cf. Augoyard/Torgue, 2005, p. 87). Numa linguagem mais corrente, um som muito agudo, que nos faz “ouvir um pi”.

Outra situação sonora que reconheço é o pingar das torneiras. É incómodo e por isso capta facilmente a atenção. O efeito que lhe associo é hyperlocalization que se refere à perceção de um som que capta a atenção do ouvinte pelo seu carácter esporádico. (cf. Augoyard/Torgue, 2005, p. 59).

Um dos efeitos que mais referi ao longo do Capítulo 1 (pág. 15 e seguintes), foi o efeito

máscara e refere-se à presença de um som que, pela sua intensidade, mascara outro som (total

ou parcialmente). São inúmeros os exemplos para este efeito na medida que precisamos apenas que um som anule ou nos desvie a atenção da presença de outro. Desta forma estará o primeiro a exercer o efeito máscara sobre o segundo. (cf. Augoyard/Torgue, 2005, p. 66).

Outro efeito que referi em 1.2 como meio de tomada de consciência através de um processo de acumulação de experiência (cf. p.16), tem a ver com hábito da repetição: repetition e refere-se ao reaparecimento de um som ou à ocorrência de um som similar. Este efeito atua em dois níveis distintos, primeiro, num registo de automatismo, segundo num registo de enriquecimento por acumulação. (cf. Augoyard/Torgue, 2005, p. 90).

Uma situação sonora inesperada que altera o ambiente sonoro e, consequentemente, que interfere com o comportamento do ouvinte, chama-se incursion (cf. Augoyard/Torgue, 2005, p. 66).

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Outro efeito acústico e que poderá suceder, por exemplo, na sequência de um incursion, é o efeito release que descreve a duração residual de um som desde que o som termina até ao ambiente voltar ao estado anterior à emissão desse som. (cf. Augoyard/Torgue, 2005, p. 87).

O efeito de ressonância resulta da vibração de um elemento sólido propagada no ar ou através de sólidos Denominado por Augoyard por resonance. (cf. Augoyard/Torgue, 2005, p. 99), é um efeito presente no ambiente geral da casa, como, por exemplo, a ressonância de uma máquina que se propaga pelos corredores e através das paredes.

Dentro dos efeitos de propagação, reverberation, é o efeito que diz respeito a um som cuja propagação de ondas sonoras continua depois de cessar a sua emissão na fonte sonora. (cf. Augoyard/Torgue, 2005, p. 112).

Como já vimos em exemplo anteriores, é possível distinguir efeitos definidos pela física e outros que se delimitam muito pela perceção de cada um; no caso do efeito synecdoche, refere-se à capacidade de alguém, que escuta um ambiente sonoro complexo, isolar ou prestar atenção a um dos som que fazem parte dessa composição complexa. (cf. Augoyard/Torgue, 2005, p. 123).

Tartini é o efeito sonoro que se refere à produção de um som audível mas que não tem

existência física, como se se tratasse de um holograma sonoro. Em psicoacústica, este fenómeno é descrito como uma combinação de tons e verifica-se sobre condições específicas. (cf. Augoyard/Torgue, 2005, p. 129). É possível ouvir uma frequência com base em harmonias reconstituídas pelo ouvido o que possibilita uma difusão simultânea através de altifalantes, colunas de som, ou outros emissores eletrónicos que emitem uma combinação de informações sonoras que nos permitem fazer uma leitura espacial, mesmo quando os sons não existirem fisicamente (são apenas reproduzidos). Este efeito interessa-me particularmente na medida que converge com a intenção do projeto e com a solução que apresento para a instalação.

Ubiquity é o efeito sonoro espácio-temporal que se refere à dificuldade em localizar

uma fonte sonora. Acontece quando um som parece vir de todas as direções e de nenhuma em particular. Além do fenómeno de reflexão das ondas sonoras (que dificultam essa leitura) as características omnidirecionais, a difusão e a instabilidade do som são responsáveis pela dimensão metafísica do som. (cf. Augoyard/Torgue, 2005, p. 130). Este efeito é recorrente e fácil de experimentar. Por exemplo, assomando-me à janela voltada para a rua principal, acontecia ouvir um som que não conseguia perceber de onde era emitido. Um dia, ao sair do prédio, ouvi o som do que me pareceu ser de um aspirador que vinha ora do meu prédio, ora do

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prédio da frente. Essa perceção mudou quando atravessei o passeio, ou seja, quando alterei o ponto de escuta das inúmeras reflexões de ondas sonoras que acontecem entre ambos os prédios. Outro efeito, é wave e refere-se a um som (ou conjunto de sons) que segue uma curva de intensidade cujo gráfico é análogo a uma onda, ou seja, começa num crescendo, atinge um ponto máximo, há uma rutura (rápida ou progressiva) e depois um decrescendo. Este efeito confere ao som uma progressão de intensidade que depois se espalha e tem um momento de suspensão antes de se iniciar um novo ciclo. (cf. Augoyard/Torgue, 2005, p. 145).

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