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3. As transformações no trabalho, informalidade e trabalho a domicílio no contexto da indústria de confecção de Divinópolis

3.6. Tempo e espaço no trabalho domiciliar da indústria de confecção

Outra característica do novo modo de organização da produção apontado por Antunes (2000) e Hirata (2002), o convulsionamento entre tempo e espaço, está muito presente nas relações estabelecidas dentro do Lar/Oficina. Isso porque, no trabalho domiciliar, há uma superposição do espaço e do tempo. O espaço de trabalho é também o espaço de moradia, o tempo do trabalho profissional é também o tempo do trabalho doméstico, favorecendo o acúmulo de atividades sobre a mulher trabalhadora e, por outro lado, impossibilitando que outras pessoas a reconheçam como tal.

Tem que ir conciliando as coisas, porque, se tem muito serviço, começa de madrugada e vai até lá pelas tantas, até dez, onze, meia-noite, até a hora que precisar trabalhar. O serviço de casa tem que conciliar de acordo com o tempo, porque tem de tirar tempo também para levar menino na escola, ajudar a fazer o dever, coisa que não tem jeito de escapar... igual o serviço de casa que tem jeito de dar uma empurrada, então vai para as horas que não tem serviço de costura (Entrevista, Faccionista 5, 17 de julho de 2003).

Olha, meu espaço de moradia é só à noite. De dia não tem jeito, está tudo muito... De dia eu não tenho (casa) não, só de noite (Entrevista, Faccionista 1, 17 de dezembro de 2003).

O filho da faccionista fala do trabalho que menino dá. A faccionista diz que é bom para ele ver, pois todo dia chega xingando a bagunça da casa. Para ele ver que não tem jeito de fazer tudo (Diário de Campo, Faccionista 1, 21 de novembro de 2003).

Por outro lado, percebemos que esse convulsionamento entre tempo e espaço é um fator de suscetibilidade para as faccionistas. É nítida a busca de uma separação entre o trabalho produtivo realizado dentro das facções e o trabalho reprodutivo da mãe, esposa e “senhora do lar”. Neste sentido, ainda que o local de trabalho seja o domicílio, tentam não tornar o trabalho domiciliar tão ligado a casa e sua rotina.

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Isso fica claro quando são observados os locais de trabalho. As trabalhadoras têm se preocupado em construir espaços destinados a abrigar a facção separados fisicamente da casa ou que não precisem circular por ela. Outro ponto é a rotina de trabalho, na qual buscam criar uma rotina próxima à que estariam submetidas se estivessem na fábrica, pelo menos no que diz respeito à hora de iniciar os trabalhos.

Mas meu cômodo de costura é separado da minha casa. Então, minha casa fica aqui pra dentro, meu cômodo de costura é só pra costura mesmo. Eu não misturo, minhas coisas não é misturada, lá tem aquelas coisas, aqueles trem lá, mas aquilo é do menino, minhas coisas do meu uso pessoal é tudo aqui, tem minha casa separada, eu já fiz esse cômodo lá para costura mesmo (Entrevista, faccionista 4, 7 de setembro de 2003).

Olha, eu organizo como se eu trabalhasse fora, você entendeu? Porque aqui embaixo é minha casa, lá em cima é a fábrica. Então, eu acordo mais cedo um pouquinho, dou uma ajeitada na minha casa, na minha cama, já levanto... já venho trabalhar deixando tudo arrumado e, quando eu volto, eu paro onze horas, venho, preparo o almoço, meio-dia e meia, estou lá em cima trabalhando, vou até as cinco. Só que normalmente o meu horário... As meninas param às cinco. Eu vou mais além um pouco porque você organizar o trabalho todo dia, como eu já estou aqui em casa mesmo, já está tudo mais ou menos ajeitado, nós não costumamos assim jantar, então eu posso ir até mais tarde como se tivesse fazendo assim um extra na firma (Entrevista, faccionista 6, 15 de novembro de 2003).

O trabalho a domicílio, por tudo que discutimos, é caracterizado de forma geral como um trabalho “secundário16

do ponto de vista da organização da produção e emprego. Para as

trabalhadoras domiciliares, no entanto, deixar de trabalhar em uma fábrica e dedicar-se a essa modalidade de trabalho não representa um retrocesso em relação ao anterior. As trabalhadoras domiciliares, no momento em que ingressam nesse tipo de atividade, a observam do ponto de vista da independência da autonomia e acreditam, a partir dele, na criação de melhores condições de trabalho.

É, é porque você tem que... você fica longe da família, dos filhos, você tem que cumprir aquele horário, você tem que... aqui não, aqui eu levanto, eu cumpro meu

16 Holmes (1986) faz referência ao trabalho domiciliar como uma forma “secundária” de organização da

produção e emprego, que, no contexto da atual crise e reestruturação da economia mundial, parece ter tomado um novo significado e estar desempenhando um papel importante na reestruturação de certos setores industriais.

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horário, eu não tenho hora para parar, mas, se eu quiser ir lá dentro, dar um café ao meu filho, eu posso, entendeu? Eu sou dona de mim, eu sou dona do meu trabalho, agora lá, não, lá você não pode levantar para tomar um copo de água, para... sabe? Então, assim, tudo assim, tudo certinho, na hora certa, então isso aí eu acho... hoje eu vejo que é superpuxado (Entrevista, faccionista 2, 15 de outubro de 2003).

Não desconsideramos o aspecto de que ele aparece, também, como já salientamos anteriormente, como uma alternativa para possibilitar o cuidado com a educação dos filhos, e associado à necessidade de realização dos afazeres domésticos, e nem ignoramos o complexo relacionamento entre faccionistas e empresários, mas não podemos também desconsiderar que essa atividade vai possibilitar à faccionista um domínio maior do processo produtivo, uma carga horária mais “flexível” e maior liberdade no trabalho.

A tendência da indústria de confecção, de descentralização das atividades produtivas face às exigências de competitividade e às mudanças organizacionais implementadas pelas empresas, pode conduzir, por um lado, ao surgimento de novas formas de exploração e de maior controle sobre a força de trabalho, dificuldade de incorporação dessas trabalhadoras pelos órgãos de representação sindical e o não-reconhecimento delas como trabalhadoras, e, por outro, ao surgimento de organizações das trabalhadoras advindas de novas formas de solidariedade.