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Transformações no trabalho e representatividade do trabalhador: os desafios de inclusão da trabalhadora domiciliar

2. Transformações no trabalho, informalidade e trabalho a domicílio

2.4. Transformações no trabalho e representatividade do trabalhador: os desafios de inclusão da trabalhadora domiciliar

Elemento relevante no contexto da crise estrutural do capital é a fragilidade das entidades de representação sindical dos trabalhadores. O modelo flexível de relações de trabalho enfraqueceu e colocou um ponto de interrogação no papel dos sindicatos, e conseqüentemente induziu a uma crise estrutural das instituições representantes de classe.

A crise do sistema capitalista de produção levou à demissão de grande contingente de trabalhadores, alguns foram readimitidos, muitas vezes com um salário mais baixo do que aquele que recebiam no momento da demissão. Utilizando-se do clima de incerteza de manutenção do emprego entre os trabalhadores, as empresas serviram-se disso para aumentar o controle social por meio da ameaça direta de novas demissões e para intensificar o rendimento da mão-de-obra (HIRATA, 2002).

A diminuição da classe operária industrial tradicional, a heterogeneização do trabalho, retratada na incorporação do contingente feminino no mundo operário, e a intensificação da subproletarização presente nas formas de trabalho parcial, precário, subcontratado, terceirizado, questionam a raiz do sindicalismo tradicional e levam à queda das taxas de sindicalização.

Para Antunes (2000; 2002), o decréscimo nas taxas de sindicalização, na intensidade que tem ocorrido, não encontra similar em nenhum momento da história sindical do pós- guerra. Outro fator protuberante na crise sindical é encontrado no fosso entre trabalhadores estáveis e precarizados. O aumento do abismo social, que marca a sociedade dual no capitalismo avançado, reduz o poder sindical historicamente vinculado aos trabalhadores

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estáveis e até o momento incapaz de incorporar os trabalhadores parciais, temporários, precários, informais, etc.

A crise do sistema capitalista conduz também a um agravamento da exploração do trabalho feminino, como vimos anteriormente. No entanto, no universo feminino, as taxas de sindicalização são ainda mais reduzidas, isso porque as mulheres são duplamente excluídas. Primeiro, porque o sindicalismo sempre se mostrou incapaz de incorporá-las às suas reivindicações. Segundo, porque elas têm participado com mais intensidade no mercado de trabalho como trabalhadoras em tempo parcial, temporário, precário, e é justamente no trabalho precarizado em que as reivindicações sindicais na atualidade têm encontrado o maior nó.

Isso porque tem-se configurado dentro do sindicalismo a intensificação de uma tendência neocorporativista, que procura preservar os interesses do operariado estável

(ANTUNES, 2000, 2002) e masculino em contrapartida aos outros trabalhadores. O direito ao

trabalho das mulheres é questionado pelo crescente desemprego e pela precarização dos contratos de trabalho, associados à constatação do aumento da proporção de mulheres no mercado de trabalho. Não raro, ouvimos questionamentos de que a crise do trabalho agravou porque as mulheres resolveram sair de casa e ocupar postos de trabalho remunerado.

Também os trabalhadores homens têm sua posição no trabalho assalariado reforçada pela sua posição familiar. Ainda prevalece a visão do homem enquanto provedor de fundos, que tem uma família a sustentar e filhos(as) para dar presentes no dia de aniversário. Essa visão assegura-lhes uma proteção ao desemprego em relação às mulheres; são sempre elas as primeiras a serem dispensadas. Elas, no entanto, vêem, ao contrário, sua posição na família enfraquecer sua situação profissional, são tidas ainda como um complemento à renda familiar. Mesmo com o aumento nos últimos anos do número de mulheres chefe de família, e com o

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peso de provedoras desempregadas introduzindo na vida dessas mulheres as mesmas pressões exercidas sobre os homens, a visão em relação a elas não alterou (HIRATA, 2002).

Ressaltamos, conforme colocado anteriormente por Antunes (2000, 2002), que isso tem ganhado sustentação dentro de um grande equívoco que tem sido construído em termos conceituais, que é o de denominar de não-classe e não-trabalhadores um segmento importante de trabalhadores que vêm se configurando a partir da heterogeneidade, fragmentação e complexificação efetivada no interior do mundo do trabalho. O mundo do trabalho hoje inclui não só os trabalhadores estáveis, mas os precarizados; em suma, envolve a classe-que-vive- do-trabalho, sendo que esta engloba tanto aqueles trabalhadores que fazem parte do proletariado industrial como o conjunto dos assalariados que vendem sua força de trabalho e, naturalmente, os que estão desempregados pela vigência da lógica destrutiva do capital, não excluindo de forma alguma as mulheres.

A questão é que ainda prevalece o antagonismo entre os sexos, no qual não é reconhecido o princípio da igualdade entre homens e mulheres. Não por acaso, as mulheres lutam contra a dupla jornada de trabalho a que são submetidas.

Segundo Neves (1998) e Antunes (2000), no Brasil a luta por melhores condições de trabalho, pela afirmação dos direitos e pelo resgate da dignidade da classe trabalhadora revitalizou o movimento sindical no final dos anos 1970 e início dos anos 1980. O movimento sindical nesse período ganha força, principalmente, interpelando as péssimas condições de trabalho às quais os trabalhadores estavam submetidos, as relações autoritárias dentro e fora do local de trabalho. Por outro lado, manifestavam o desejo de igualdade e de justiça no espaço público. Os movimentos sindicais deram visibilidade e legitimidade à luta pelos direitos, sufocada anteriormente por um longo período de ditadura militar.

A partir dos anos 1990, observam-se vários indícios de alteração na atuação sindical. A redução da quantidade de greves realizadas, a queda da taxa de sindicalização e a maior

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fragilidade das negociações coletivas apontam para uma quadro sindical muito distinto daquele dos anos 1980.

Os sindicatos mudaram a sua pauta de reivindicação e passaram a discutir outros aspectos como jornada de trabalho, terceirização, reestruturação produtiva, discussões cujo pano de fundo é a geração e manutenção de postos de trabalho. Posteriormente, assumem a discussão de questões ainda de maior abrangência, como preservação ambiental, qualidade de vida, entre outros. Para Antunes (2000), o que tem predominado é o chamado sindicalismo de participação. Para o autor, nessa nova forma de organização dos trabalhadores o que tem prevalecido é:

Participar de tudo..., desde que não questione o mercado, a legitimidade do lucro, o que e para quem se produz, a lógica da produtividade, a sacra propriedade privada, enfim, os elementos básicos do complexo movente do capital (ANTUNES; 2000, p.150).

Para Neves (1998), por outro lado, verifica-se também a implementação de políticas que visam a impor ao empregado uma nova identidade, configurada na relação indivíduo- empresa e forjada por intermédio de diferentes estratégias de interação na disputa pela lealdade do trabalhador.

No Brasil, o processo de reestruturação produtiva repete as experiências dos países desenvolvidos no que diz respeito aos modos de intensificação e exploração do trabalho e à redução de direitos conquistados pelos trabalhadores. A situação atual aponta para uma gradativa precarização e fragilização da organização coletiva dos trabalhadores. As entidades sindicais de representação dos trabalhadores encontram dificuldades para lidar com a destruição dos direitos, com o enorme contingente de desempregados, com heterogeneização,

fragmentação e complexificação da força de trabalho, bem como a expansão de formas

atípicas de relações de trabalho, em uma situação muito diversa da anterior (RAMALHO, 1997;

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A aceleração do processo de reestruturação produtiva, acentuada nos anos 1990, aliada ao contexto de crise do sistema capitalista e acompanhada também da intensificação do uso de distintas formas de subcontratação, terceirização, informalização, precarização, aumento do trabalho a domicílio, assim como da proporção das mulheres no mercado de trabalho, questionam o papel dos sindicatos. Os sindicatos, também no Brasil, não estão preparados para lidar com o afastamento do modelo tradicional de emprego, em que os trabalhadores estão dentro de uma fábrica, em regime de jornada integral, por tempo indeterminado, incorporando uma série de direitos e benefícios sociais para o trabalhador e de obrigações para o empregador e para o Estado.

O contexto do processo de terceirização, em que se percebe o declínio do número de empregos, tem fragilizado a resposta organizada dos trabalhadores, e o movimento sindical vem enfrentado grandes dificuldades de reagir e procurar conter, ainda que parcialmente, a perda de postos de trabalho (RAMALHO, 1997).

Com relação às trabalhadoras a domicílio, para Abreu e Sorj (1993), as características do trabalho a domicílio, no qual a inserção no mercado de trabalho permite manter intacto o papel doméstico das mulheres, também reforça a ideologia da domesticidade, da caseirice e da mansidão à qual as mulheres sempre estiveram ligadas. Para as autoras:

Trabalhando isoladamente, sem colegas, comunicando intermitentemente e esporadicamente com seu empregador, sem possibilidades de carreira ou promoção, ignoradas pelos sindicatos e excluídas dos benefícios sociais atribuídos aos trabalhadores assalariados, não é de se estranhar que essas mulheres encontrem grandes dificuldades para diferenciar a sua identidade profissional daquela de mãe e esposa (ABREU e SORJ; 1993, p. 61).

Assim, no trabalho a domicílio, nos deparamos com a impossibilidade de constituição de um grupo de trabalho, de realização de uma atividade mais coletiva. Não ocorrem o processo de socialização pelo trabalho ou ações coletivas como as greves, confraternizações entre trabalhadores, entre outros. Esse espaço fundamental na vida das pessoas é vedado às

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mulheres trabalhadoras à domicílio, que produzem em casa, sozinhas, sem contato com outros trabalhadores (SOARES, apud.; HIRATA, 2000).