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Tempo de formação

No documento A CIDADE DE CATALÃO EM UM (páginas 96-100)

3.1 Os tempos históricos passados observados na narrativa

3.1.2 Tempo de formação

Neste contexto, Catalão passou de fazenda de assistência à bandeira, à povoado, depois vilarejo e, posteriormente, chegando à cidade. O tempo de formação e de crescimento pode ser marcado e vislumbrado com a chegada dos imigrantes sírio-libaneses na região, ocorrida com a construção da estrada de ferro, que possibilitou acesso ao interior de Goiás. Ambos contribuíram, sobremaneira, para o processo de formação e crescimento da cidade de Catalão.

Conforme vimos no capítulo anterior, quando Sant’anna (2012, p. 88-90) nos chama a atenção para a chegada da linha da estrada de ferro em Catalão, no começo do século XX, em 1913, que atraiu bonanças, bem como a chegada de estrangeiros, como os sírio-libaneses que foram atraídos pelas atividades econômicas e riquezas naturais da região.

Só o trem de ferro poderia ter trazido para Goiás o mascate, quando deveria ter dito os sirio-libaneses. A primeira base de operação (digamos assim) desses descendentes árabes para invadir Goiás foi Uberaba. De lá, pela antiga Santa Rita (Itumbiara) alcançaram o sudoeste goiano, e de Caiapônia foi natural Alfredo Nasser. Com a ferrovia já em Araguari, Minas Gerais, passaram para essa cidade, daí chegando a Catalão [...] (SIQUEIRA, 1993, p. 20).

Assim, averigua que a chegada mais significativa dos sírio-libaneses em nossa região está vinculada à construção da estrada de ferro, o que facilitou o acesso ao interior de Goiás, rumando Goiás adentro. Portanto, a estrada de ferro foi responsável por colocar Catalão em destaque, pois trazia bens de vários centros e também escoava a produção da cidade com maior agilidade, pois substitui as tropas de burro e os carros de boi.

Fez-se pertinente trazer algumas considerações sobre a imigração árabe no Brasil, explanar, embora de forma sumária, sobre o contexto histórico em que esta se insere. A partir de um compilado de leituras feitas para entendimento da natureza da imigração sírio-libanesa, foi possível constatar que dentre os vários motivos, destacam-se as questões econômicas, políticas e religiosas. Não adentraremos no assunto, pois escapa de nosso propósito. Presume- se que foi a partir de 1880 que se registrou a maior leva destes imigrantes para o Brasil, os quais se direcionaram para os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pará, Minas Gerais e

Goiás (POUBEL, 2006-2018). Em geral, vinham em busca de uma vida melhor, correndo das perseguições políticas e religiosas.

Dentre algumas características peculiares destes imigrantes, destaca-se suas atividades econômicas que se baseavam na comercialização ambulante de objetos diversos e produtos manufaturados. Na época, denominavam-se de mascate aquelas pessoas que comercializavam seus produtos de porta em porta e quando prosperavam, logo, abriam seu próprio estabelecimento

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Através de leituras diversas, o que se percebe também é que esses imigrantes gostam de vender barato para vender muito, talvez o motivo de serem bem sucedidos nos negócios, como é o caso da família citada por Coelho.

O povo dizia que quando eles chegaram da Síria mais pobres não poderiam ser. O velho – chamavam-no Jidu que é avô lá na língua deles – pai de todo o clã, botara a família inteira para fabricar, num barracão armado no fundo do quintal, doces e mais doces com feições de animais, porquinhos, vaquinhas, carneirinhos, cavalinhos, cãezinhos – um horror deles; depois embrulhavam-nos em papel de seda e percorriam as ruas, feiras, vendas e empórios da cidade com tabuleiros cheios. Foi daí que pegaram o apelido de os Bichinhos - estrangeiros que fabricavam bichinhos de doces para vendê- los nas ruas (COELHO, 1977, p. 50, grifo do autor).

Ratifica desta forma, através das leituras feitas sobre os sírio-libaneses, que a grande maioria deles que chegavam ao Brasil, especificamente em Goiás, eram oriundos de classes média à baixa, chegando aqui com pouco ou quase sem nenhum provento, acabando no percurso da viagem, tendo que vender seus pertences para prosseguirem.

Pelo excerto de Coelho citado acima, percebe-se o quanto as famílias estrangeiras, especialmente as dos libaneses, foram criativas para produzirem e organizadas no que diz respeito ao micro empreendorismo, pois o chefe da família consegue organizar e levar todos seus componentes a participarem ativamente na produção e distribuição dos bens produzidos, tendo criatividade e persistência. Descrições como estas, permite-nos conjecturar que a economia e a formação social de Catalão ocorreu também devido essas famílias, o que, provavelmente, contribuiu para o aumento de funcionários e novas empresas, como se observa na passagem abaixo.

Com os lucros da fabriqueta de doces e de muitos outros negócios que o velho não descuidava de fazer, montaram empresa de laticínios, produzindo manteiga de leite que abastecia não só a cidade, mas as redondezas vizinhas, até mesmo o triângulo mineiro (COELHO, 1977, p. 50).

Coelho, pela vontade e disposição de vencer, característica intrínseca deste povo. Como bem coloca Jacy Siqueira (1993, p. 20), no texto “Turcos do Brasil Central: imigrações, cultura, tradições”, “as armas que lhe eram disponíveis: seus braços, sua disposição para o trabalho. O que melhor sabia fazer? Mercadejar.” Portanto, aqueles que chegaram da Síria em Catalão na extrema pobreza se ergueram e contribuíram para o crescimento da cidade e a constituição da paisagem urbana ao construírem um “palacete” à beira do largo da igreja matriz, sendo “os donos do sobrado”, “um casarão enorme, sobrado com sacadas nas janelas da frente, um al- pendre de fora à fora, em cujas colunas de sustentação subiam enrolando trepadeiras de rama- gem verde e florzinhas amarelas” (COELHO, 1977, p. 50).

Segundo Siqueira (1993), os sírio-libaneses deixaram sua terra natal e se aventuraram no território brasileiro, acompanhando as trilhas abertas pelos bandeirantes paulistas, aden- trando o país, mascateando e fugindo da concorrência dos grandes centros urbanos

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A partir desse processo, Catalão cresceu e se expandiu para além dos arredores da igreja Matriz.

Catalão cresceu, encompridou-se, botou ruas para depois da igreja, foi se espalhando pelo vale acompanhando as voltas do Pirapitinga. E com o passar dos tempos a igreja ficou com as costas voltadas para a maior parte da cidade – parecia até ofensa, por mal feito muito grande (COELHO, 1997, p. 49-50).

Catalão, portanto, cresceu e se desenvolveu, e isto se deu devido a chegada da ferrovia, bem como dos imigrantes sírio-libaneses, que muito contribuíram para a formação e o crescimento populacional e econômico da cidade. Eles também influenciaram, de forma significativa, na cultura regional, além de contribuírem para construção das cidades mais antigas do Estado de Goiás, embora Catalão não seja uma destas, mas mesmo assim corroboraram para sua construção. Percebe-se, hoje, na sociedade catalana uma influência muito grande destes imigrantes e que eles estão totalmente integrados na sociedade que os acolheu, bem como já o indica a narrativa de Coelho que, além de descrever traços externos do aclamado palacete erguido pela família de imigrantes à beira do largo da igreja, também remete a seu interior e atitude de seus moradores: “Por dentro, tapetes no chão, piso de taco brilhando feito espelho. A patroa tinha semblante descansado e sereno [...]” (COELHO, 1997, p. 49-50).

Assim, corroborando com o exposto, Siqueira considera que os sírios, dentre os bens materiais adquiridos, primeiramente, optavam em comprar joias e gostavam de viver com conforto.

[...] A outros bens materiais, preferiam adquirir jóias, peças de ouro e pedras preciosas, para si, suas mulheres e filhos. Isto, porém, não significava des- cuido com a casa de residência, o lar. Ao contrário, gostavam de casas boas e confortáveis, evidenciando isto o sobrado dos Fayad em Catalão, já indicado para tombamento pelo Patrimônio Histórico e Artístico de Goiás, [...] (SI- QUEIRA, 1993, p. 21).

Os sírio-libaneses também são demonstrações de que para os imigrantes, quase que totalmente, restavam-lhes o emprego e as atividades informais. O exemplo dessa família figurada por Coelho deixa isso bem claro, mostrando que o grupo recorreu à criatividade e atividades diversas para conseguir aumentar os bens e os lucros da família.

A sociedade dessa cidade interiorana se modifica com o decorrer do tempo, fruto da inserção e mistura de gerações e povos diferentes, que contribuíram para um mesmo propósito, o de transformar a cidade em um centro que pudesse garantir a subsistência e vida melhor, dar-lhes empregos e meios de seguir em frente e progredir, de poder viabilizar seus empreendimentos na cidade que ia crescendo, encompridando e se espalhando. Mas, infelizmente, não eram todos que se beneficiavam com essas condições e oportunidades, especialmente aqueles que não tinham capital nenhum – como a família principal ou protagonista da trama do livro – para principiar algo.

Lamentavelmente, percebe-se, também, que o poder público não estava devidamente preparado para lidar com os excluídos e necessitados, com a forma como os imigrantes estavam sendo recebidos na cidade de Catalão. Percebe-se isso, por exemplo, pelo excerto seguinte: “Lá na prefeitura tem um pessoal que o trabalho deles é ajudar quem se encontra na precisão de sem recurso que nem a gente. Falei do caçula, deram este remédio que é pra por em água fervida e dar pra ele coisa assim de meia em meia hora” (COELHO, 1997, p. 76).

Poderia até não haver desinteresse total por parte do poder público com os seus residentes, mas o município também, ao que parece, não tinha recursos, talvez humanos e financeiros, suficientes para assistir, aparar e munir devidamente todos os migrantes pobres e outros necessitados que chegavam à região. A partir destas descrições, que nos permitem fazer uma reflexão sobre a arrecadação da cidade ou acerca do emprego ofertado à mesma, que era insuficiente ou destinada a outras necessidades, para atender com qualidade aqueles que dependiam dos serviços de assistência social, embora houvesse, mas de maneira ainda bem precária. Desse modo se reforça o contraste existente entre as classes sociais, perceptíveis no espaço e nos sujeitos em si, que se fazem presente na obra de Coelho.

No documento A CIDADE DE CATALÃO EM UM (páginas 96-100)