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O tempo de insolação

No documento O envelope solar e o direito ao sol (páginas 60-64)

2. O Envelope solar

2.3. O tempo de insolação

A Carta de Atenas28 apresenta na segunda parte, Estado Atual Crítico das Cidades, seu artigo 26: “é preciso exigir”, que “um número mínimo de horas de insolação deve ser fixado para cada moradia”, destacando também:

A ciência, estudando as radiações solares, detectou aquelas que são indispensáveis à saúde humana e também aquelas que, em certos casos, poderiam ser-lhe nocivas. O sol é o senhor da

vida. A medicina demonstrou que a tuberculose se instala onde o sol não penetra; ela exige que o

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A Carta de Atenas, documento produzido em Novembro de 1933, na Assembléia do 4° Congresso do CIAM – Congresso Internacional de Arquitetura Moderna em Atenas, Grécia.

indivíduo seja recolocado, tanto quanto possível, nas “condições naturais”. O sol deve penetrar em toda moradia algumas horas por dia, mesmo durante a estação menos favorecida. A sociedade não tolerará mais que famílias inteiras sejam privadas de sol, e assim, condenadas ao definhamento. Todo projeto de casa no qual um único alojamento seja orientado exclusivamente para o norte29, ou privado de sol devido às sombras projetadas, será rigorosamente condenado. É preciso exigir dos construtores uma planta demonstrando que no solstício de inverno o sol penetrará em cada moradia, no mínimo 2 horas por dia. Na falta disso será negada a autorização para construir. Introduzir o sol é o novo e o mais imperioso dever do arquiteto.

Segawa (2003) relata que Victor da Silva Freire, no começo do século 20, dedicou-se à revisão do Código Sanitário do Estado de São Paulo, defendendo que: “[...] tendo em conta a climatologia geral do Estado, com seu elevadíssimo grau de umidade do ar [...] a orientação dos prédios será tal que assegure uma insolação de três a quatro horas por dia, no mínimo”, e em 1911, ratificava: “a importância da ação direta dos raios do sol é fundamental na construção das cidades. O espectro solar revelou-nos os raios ultravioletas como sendo microbicidas por excelência. Todos os micróbios sem exceção são aniquilados pelos raios do sol. Ora, é incontestável que o sol tem sido esquecido nos nossos planos de cidades: é esse o ponto fundamental, que necessita reforma profunda nos nossos hábitos”.

É importante frisar o que Segawa (2003) destaca sobre o trabalho de Alexandre de Albuquerque, que em 1917 declarava: “nada se tem feito até agora, para que as novas ruas sejam orientadas de modo a facilitar o assoalhamento dos prédios marginais. As fontes de consulta que possuem os nossos legisladores são as leis criadas e promulgadas em países estrangeiros. Estas leis, porém, nem sempre se adaptam aos usos indígenas e muito menos se coadunam com a nossa latitude e condições climatéricas. A nossa posição geográfica, e as exigências comerciais e sociais, não aceitam em matéria de insolação, largura de prédios e altura de edifícios, as normas de Paris ou Berlim”.

Na década de 1930, o eng. Paulo Sá, especialista em conforto térmico, desenvolve uma série de estudos sobre iluminação natural e insolação nos edifícios,

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junto ao INT – Instituto Nacional de Tecnologia, no Rio de Janeiro. O objetivo de Sá foi criar, a partir de resultados experimentais, uma ferramenta simplificada para a determinação das áreas das janelas necessárias à iluminação natural dos edifícios e da melhor orientação dos mesmos sob o ponto de vista da insolação e, consequentemente, dos ganhos térmicos (SCARAZZATO e LABAKI, 2001).

Scarazzato e Labaki (2001) comentam que a preocupação de Paulo Sá com a insolação dos edifícios se manifesta inicialmente pelos dois modos como a ação solar se faz sentir sobre “...as características que importam à vida e ao conforto do homem:

a) age o sol pelos seus effeitos actínicos que têm sua origem concentrada na extremidade ultra violeta do espectro; b) e age pelos seu effeitos thermicos, causados sobretudo pelas radiações do outro extremo do espectro”. Analisando esses dois

efeitos, ele conclui que a ação actínica fixa um mínimo de insolação, abaixo do qual fica prejudicada a saúde humana; fixa, por outro lado, um máximo, acima do qual pode causar efeitos perniciosos ao sistema nervoso. A ação térmica, analogamente, determina um máximo acima do qual “a vida confortável e higiênica, ou mesmo a vida

pura e simples se tornaria impossível”.

Os códigos sanitários ou construtivos tiveram suas origens em países frios, onde se cogita apenas o mínimo de insolação a ser exigido; já em países quentes como o Brasil, segundo Sá (SCARAZZATO e LABAKI, 2001), a questão do máximo é mais importante. A fixação de um mínimo corresponde a admitir que a ação do sol é tanto mais benéfica quanto mais prolongada. Não o será, com certeza, pelo seu efeito térmico já que no Brasil (na parte tropical do país) há calor em excesso e o objetivo será sempre diminuí-lo quanto se possa. Além da importância dos máximos nos problemas de insolação, outra questão que se colocava, na época, era a unidade em que se costumava exprimir a insolação: número de horas de insolação. Numa análise bem humorada, Sá comenta que, “fosse a hora de insolação uma unidade adequada e

Segawa (2003) relata ainda, que o arquiteto paulista Eduardo Knesse de Mello, citado por Heitor de Sousa Pinheiro, que em 1943 publicou um folheto intitulado “Excesso de sol nos aposentos”, questionou a conveniência da insolação de verão nos compartimentos. O intuito era proteger o interior das edificações contra o sol excessivo, e não assegurar uma insolação mínima, conforme os ditames higienistas dos salubristas; postura anti-solar, que se consolidava nos anos 40. O engenheiro Paulo Sá apregoava: “[...] Quanto à ação luminosa, já mostramos em outro trabalho que os iluminamentos habituais são aqui antes excessivos do que deficientes: e não há, em regra, qualquer perigo de que falte iluminação solar (a não ser em casos excepcionais, como por exemplo, em prédios muito altos com as passagens absurdamente estreitas que entre eles se permitem). Restaria ainda a ação dos ultravioletas. Em relação a esses [...] calculamos que quase sempre atingimos fácil e superabundantemente os mínimos que os especialistas exigem.”

A Lei Estadual n° 1.561- A de 29 de dezembro de 1951, dispõe sobre aprovação da Codificação das Normas Sanitárias para Obras e Serviços (CNSOS). No seu título sexto, artigo 57, estabelece que: “quando os dormitórios tiverem aberturas voltadas para saguão, áreas ou corredor, será exigida, no dia mais curto do ano durante o período compreendido entre 10 e 15 horas, a insolação mínima de 1 hora”.

A duração de insolação de 1,5 a 2,5 horas foi o primeiro critério científico proposto, na década de 50, para aproveitar o efeito biológico da insolação (efeito bactericida). Entretanto, estudos e pesquisas posteriores demonstraram que, de fato, este parâmetro não era adequado para validar exigências normativas, uma vez que em 60% - 70% dos casos pesquisados, o nível bacteriológico não era garantido pela insolação (OBELENSKY & KORZIN,1982 apud PEREIRA,1995). Dependendo da hora do dia e época do ano, condições atmosféricas, orientação das aberturas e condições de obstrução do entorno, um mesmo valor de duração de insolação pode significar distintas doses de radiação incidente. Não obstante, também é reconhecido que uma insolação de 1 a 2,5 horas é suficiente para garantir as exigências psicológicas do homem com respeito às condições de insolação (PEREIRA, 1995).

No documento O envelope solar e o direito ao sol (páginas 60-64)