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2.1. Revisão da literatura

2.1.2. Valores semânticos das condicionais e sua relação com o tempo e modo verbais

2.1.2.3. O tempo e o modo nas contrafactuais

Na subsecção 2.1.1.3, definimos uma condicional contrafactual como aquela que pressupõe que o antecedente é falso (Lakoff 1970; von Fintel 2012; Marques 2016) ou é contrário aos factos (Iatridou 2000; Marques 2001, 2010).

(77) a. Se a Maria tivesse ido às aulas, não chumbava. (Ferreira 1996: 65)

b. Se as nuvens fossem feitas de algodão, apanhava um pedaço para fazer um edredão. (Lobo 2013: 2021)

A frase (77a) pressupõe que a Maria não foi às aulas e a frase (77b) implica que, dado o que se sabe sobre o mundo, as nuvens não são feitas de algodão. No antecedente destas frases, ocorre o modo conjuntivo, no Pretérito Mais-que-Perfeito (77a) ou no Pretérito Imperfeito (77b). Estes tempos verbais têm alguma relevância para a interpretação, fora do contexto, do conteúdo contrafactual, já que, da forma “tivesse ido”, se pode inferir que “não foi” e, da forma “fossem”, que “não são” (78).32

(78) a. Se a Maria tivesse ido às aulas, mas não foi, não chumbava / chumbaria.

b. Se as nuvens fossem feitas de algodão, mas não são, apanhava um pedaço para fazer um edredão.

Tal facto mostra que os tempos do conjuntivo referidos permitem inferir a leitura contrafactual sem associar as frases a um contexto específico. No consequente das condicionais contrafactuais, ocorrem o Pretérito Imperfeito e o modo Condicional (ou o

32 Recorde-se que Neves (1999: 525) defende que “nas construções contrafactuais, a falsidade é assegurada na própria indicação morfológica dada pelo Futuro do Pretérito Composto (que é na verdade, um passado): dizer que, em dependência de uma determinada condição, X teria/não teria feito algo é necessariamente dizer que

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Condicional Composto e o Pretérito Mais-que-perfeito Composto – tempos tipicamente associados à contrafactualidade). Qualquer outro tempo verbal que não seja um dos tempos referidos anteriormente torna a condicional agramatical (79).

(79) a. Se a Maria tivesse ido às aulas, não chumbava / chumbaria / teria chumbado / *chumbará.

b. Se as nuvens fossem feitas de algodão, apanhava /apanharia / *apanho / *apanharei um pedaço para fazer um edredão.

Como já referimos ao longo deste trabalho, condicionais com Pretérito Imperfeito do Conjuntivo sobretudo combinado com tempos simples no consequente podem admitir o valor semântico hipotético, para além do contrafactual, de que as frases de (80) são exemplos.33

(80) a. Se tu viesses cedo, íamos jantar fora.

b. Se o Zé estivesse em perigo de vida, eu ajudá-lo-ia. (Lobo 2013:2021)

Nestas frases, a ambiguidade associada ao Pretérito Imperfeito do Conjuntivo pode ser explicada pelo facto de os morfemas típicos deste tempo serem, por um lado, operadores modais que apontam para situações possíveis (Marques 2010) ou distantes do real (Hogeweg 2009) e, por outro, marcadores temporais que, dependendo do tipo de predicado com o qual são construídos, podem ter uma leitura de passado, presente ou futuro em relação a t0 (cf. Iatridou 2000; Oliveira 2008). A discussão mais detalhada deste fenómeno é feita na secção 2.1.3.

No modo indicativo, encontramos, nas contrafactuais, o Pretérito Mais-que-Perfeito do Indicativo empregue como forma supletiva do Pretérito Mais-que-Perfeito do Conjuntivo (81).34

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Entretanto, se, em vez de tempos simples na matriz, se usar o Pretérito Mais-que-Perfeito Composto ou o Condicional Composto, obtém-se apenas a leitura contrafactual:

i. Se tu viesses cedo, teríamos ido jantar fora.

ii. Se o Zé estivesse em perigo de vida, eu tê-lo-ia ajudado. 34

Apesar disso, note-se que as frases são distintas, sintaticamente: com indicativo, não é possível omitir a conjunção se: *Tem a Maria ido às aulas e não chumbava. Já as frases com conjuntivo, permitem omitir o conector “se”, com inversão sujeito-verbo: Tivesse a Maria ido às aulas e não chumbava/teria chumbado.

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(81) Se a Maria tem ido (= tivesse ido) às aulas, não chumbava.

Note-se que, em (81), só pode ocorrer um tempo composto: *Se a Maria foi/vai às aulas, não chumbava. Além disso, o Pretérito Mais-que-Perfeito do Indicativo, com a leitura contrafactual, implica o uso do Pretérito Imperfeito ou do Condicional no consequente, tal como acontece com o Pretérito Mais-que-Perfeito do Conjuntivo:

(82) Se a Maria tem ido às aulas, não chumbava/ chumbaria.

O uso de outros tempos verbais no consequente faz com que a frase de (81) se torne uma condicional ambígua (83), o que pode ter levado Lobo (2013) a aduzir que é através da relação que se estabelece entre o tempo da oração principal e o da oração condicional que se consegue interpretar a factualidade da condicional.35

(83) Se a Maria tem ido às aulas, provavelmente não chumba / chumbará. (factual: Como (visto que/uma vez que) a Maria tem ido às aulas, não chumbará; hipotética: Caso a Maria tenha ido às aulas, não chumbará / Se é que a Maria tem ido às aulas, não chumbará.)

Para além do Pretérito Mais-que-Perfeito do Indicativo, o Presente também pode ocorrer em condicionais contrafactuais (cf. Marques 2016):

(84) a. Se ele perde o comboio, já não conseguia sair da cidade! (Marques 2016: 613) b. Se ele chega cinco minutos mais tarde, perdia o comboio! (Marques 2016: 626)

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Tomando como exemplos as frases abaixo, Lobo (2013) mostra que o tempo da oração principal condiciona a interpretação: em (i. a), deixa-se em aberto a hipótese de o Zé vir a estar em perigo de vida; em (i. b), pelo contrário, deduz-se que o Zé não estava em perigo de vida.

i. a. Se o Zé estivesse em perigo de vida, eu ajudá-lo-ia. b. Se o Zé estivesse em perigo de vida, eu tê-lo-ia ajudado.

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Nestes contextos, o Presente coocorre necessariamente com o Imperfeito do Indicativo ou condicional composto, com valor modal contrafactual, no consequente, tal como acontece nas contrafactuais com o conjuntivo (85).36

(85) a. Se ele perde o comboio, já não conseguia sair.

b. *Se ele perde o comboio, já não *conseguiu sair/ ??consegue sair da cidade!

Para terminar, é assumido na literatura que, por outro lado, o Presente do Indicativo se emprega em contrafactuais com sentido irónico (i.e. aquelas em que a falsidade da condicional se deduz da falsidade – reconhecida pragmaticamente – da principal):

(86) a. Se o Zé é honesto, então eu sou o rei de Marrocos! (Lobo, 2013: 2021)

b. If they’re Irish, I’m the Pope. [‘Since I’m obviously not the Pope, they’re certainly not Irish’] (Quirk et al. 1985: 1094)

Adicionalmente ao contrário do que é descrito na literatura, nomeadamente, que frases como as de (86) são contrafactuais porque é sabido que, obviamente, o consequente é falso (Quirk et al. 1995; Lobo 2013; Anjum & Schapansky (sd)), defendemos que nelas o locutor expressa não só a convicção de que o antecedente é falso mas também um comentário irónico/avaliativo (negativo e jocoso) relativamente a quem acredita que é verdadeiro. Digamos que são diferentes das outras contrafactuais (comuns), como as de (84) e as conjuntivas (78), porque há uma relativização do valor de verdade. Para que as frases de (86) sejam produzidas, é necessário que aquilo que é falso para o locutor seja tido por verdadeiro por outros. A falsidade não está, portanto, estabelecida como um facto universalmente aceite.

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Nestas contrafactuais (85), por diferenças acentuadas de registo ([in]formalidade), a coocorrência com o Condicional (na principal) é marginal (Telmo Móia c.p.).

i. ?? Se ele perde o comboio, já não conseguiria sair da cidade! ii. ??Se ele chega cinco minutos mais tarde, perderia o comboio! Mas há uma alternativa com tempo composto:

iii. a. Se ele perde o comboio, já não teria conseguido sair da cidade! iv. b. Se ele chega cinco minutos mais tarde, teria perdido o comboio!

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No que diz respeito à sua combinação com tempos verbais, os dados da literatura revelam que as irónicas estão sempre no Presente do Indicativo (Presente no antecedente/Presente no consequente).

(87) a. Se o Zé é honesto, então eu sou o rei de Marrocos! b. If they’re Irish, I’m the Pope.

Mas elas podem também ocorrer no Pretérito Perfeito ou Pretérito Imperfeito do Indicativo (88), bem como no Futuro Imperfeito do Conjuntivo (89):

(88) a. Se o Zé foi honesto alguma vez na vida, então eu sou o rei de Marrocos. (Móia, c.p.)

b. Se o Zé estava a ser sincero há bocado, então eu sou o rei de Marrocos. (Móia, c.p.)

(89) Se o Zé for / vier a ser honesto alguma vez na vida, então eu sou o rei de Marrocos. (Móia, c.p.)

Pode-se ter ainda outros tempos do conjuntivo, como mostram os exemplos (90a,b), e o Imperfeito do Indicativo, como mostra o exemplo (90c), combinados com o Imperfeito do Inditicativo no consequente, em estruturas com pontos de perspetiva passado (e/ou discurso indirecto livre).

(90) a. Se ele tivesse sido /viesse a ser honesto alguma vez na vida, então eu era o rei de Marrocos. (Móia, c.p.)

b. Eu disse-lhe na altura que se ele estivesse a ser sincero, então eu era o rei de Marrocos. (Móia, c.p.)

c. Eu disse-lhe na altura que se ele era honesto, então eu era o rei de Marrocos. (Móia, c.p.)

Em síntese:

 Os tempos que fixam o valor contrafactual são o Pretérito Imperfeito e o Pretérito Mais-que-Perfeito do Conjuntivo. O Presente do Indicativo e o Pretérito Mais-que-Perfeito do Indicativo podem expressar a contrafactualidade em construções marcadas: o Presente em condicionais com sentido irónico ou não e o

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Pretérito Mais-que-Perfeito do Indicativo enquanto forma supletiva do Pretérito Mais-que-Perfeito do Conjuntivo, e ambos os tempos usados com valor modal (isto é, com significado semântico de contrário aos factos).

 Para além do valor contrafactual, os tempos e modos verbais referidos anteriormente podem expressar outros valores semânticos, a saber, o hipotético.